PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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domingo, 3 de maio de 2009

METRÓPOLE
autor: Carlos Henrique Rangel

A família estava reunida na sala assistindo televisão como acontecia todos os dias.
Vovô Carlos lia um jornal. O Sr. Manoel tomava café com dona Lúcia e Vovó Maria sentados à mesa de olhos fixos na tela do aparelho. Paulinho e Rita sentados no tapete também pareciam hipnotizados pela TV.
De repente sem nenhum aviso a energia desapareceu e todos se viram no escuro.

- Mas que droga! Sem luz de novo. – Gritou Paulinho.

- Calma meu filho, já vai voltar. - disse Dona Lúcia tranqüilizando o garoto. Levantou-se e foi buscar uma vela.

- Ah mamãe, o que vamos fazer enquanto a energia não volta? – Perguntou Rita.

- Eu vou me deitar – Disse vovó Maria se encaminhando para o corredor onde ficavam os quartos.

- O vovô Carlos pode contar uma estória para vocês como fez da outra vez. – Disse Dona Lúcia.

- É mesmo vovô, conte para gente a história do Brasil. – Gritou Rita com o sorriso iluminado pela vela que Dona Lúcia segurava nas mãos.

- Ah não! Historia do Brasil de novo... – Gritou Paulinho lamentando.

- Claro que não. Vou contar uma nova história... A história de um prédio da nossa cidade.

- Eu em! História de prédio? – Estranhou Paulinho.

- É, vou contar a história de uma casa que foi construída para ser teatro de Belo Horizonte. – Disse o avô.

- Então tá. Conte vovô. – Disse Rita se sentando perto do Vovô Carlos.

- Então lá vai... No inicio da nossa cidade não havia muita coisa para as pessoas fazerem nas horas de folga. Além do Parque Municipal existiam alguns cinemas improvisados que também apresentavam peças de teatro... Tudo muito simples e sem conforto. O povo reclamou exigindo que a prefeitura construísse um Teatro de verdade, que tivesse conforto e pudesse receber grupos de teatro de todo o país.

- A prefeitura construiu o tal Teatro? – Perguntou Rita.

- Claro, né bobona, se não o vovô não estaria contando a história. – Ralhou Paulinho.
- Construiu sim minha neta. Construiu em 1906, um lindo teatro que recebeu o nome de Teatro Municipal... Era grande e toda a sua decoração interior e os móveis foram importados da Bélgica e dos Estados Unidos.

- Trouxeram as coisas de outros países?- Perguntou Rita.

- É minha neta, no nosso país ainda não havia materiais e móveis de qualidade tão boa como os destes países.

- E era chique né? – Falou Paulinho.

- - Isso também Paulinho, era chique importar as coisas da Europa e dos Estados Unidos... Bem, o Teatro foi inaugurado e passou a receber os grupos teatrais de todo o Brasil e até de fora. A população lotava a casa para ver os espetáculos, assistir exposições de arte e outros eventos. Era um acontecimento. As pessoas se vestiam com as melhores roupas...

- Só para ir ao Teatro? – Perguntou Paulinho.

- É meu neto, não havia televisão ou outra grande atração na cidade. Ir ao teatro era a oportunidade de encontrar pessoas, namorar...Ma nem todo mundo estava satisfeito com o Teatro. Havia algumas pessoas que o achavam pequeno e até feio...

- Sempre tem gente do contra. A cidade não tinha nada antes e quando a prefeitura constrói um Teatro ao invés de agradecerem ficam falando mal...- Se irritou Paulinho.

- É meu filho, algumas pessoas estão sempre insatisfeitas... Mas continuando a história, a prefeitura acabou por concordar com estas pessoas e resolveu melhorar o teatro. Mudaram todo o interior e as fachadas... Parecia um novo prédio.

- Agora todo mundo ficou satisfeito... – Falou Rita se ajeitado no sofá.

- Não minha filha...

- Não? – Perguntou Paulinho indignado.

- Não. Um prefeito muito moderno achou que a cidade precisava de um Teatro maior e mais bonito.

- E como ficou o nosso teatro? – Perguntou o menino.

- O prefeito vendeu para uma empresa de cinemas.
- Virou Cinema Municipal? – Perguntou Rita.
- Não. Recebeu o nome de Cine Teatro Metrópole. – Respondeu o avô.
- Bem mais bonito. – Falou a menina.

- É, passou por nova reforma para ser um grande espaço de diversão... Tinha capacidade para receber mais de mil pessoas...

- Nossa! É muita gente... Não conheço nenhum cinema tão grande. – Espantou-se Paulinho.

- Era grande mesmo. Mas nessa época existiam em todo país vários cinemas tão grandes ou até maiores que o Cine Teatro Metrópole. Estes cinemas eram como se fossem templos...

- Como igrejas? – Perguntou Paulinho.

- Eram sagrados, respeitados. E assim como no tempo do Teatro Municipal, as pessoas faziam das seções de cinema um acontecimento memorável. Vestiam suas melhores roupas, um desfile...

- Eu hem! Tudo isto para ver um filme... – Estranhou Rita.

- Lembrem-se que as coisas eram diferentes... Os filmes demoravam para chegar a cidade e o cinema era o ponto de encontro de toda a população. Entrar no Cinema era como entrar no mundo do faz de contas por causa da beleza da decoração da sua entrada... Por causa da música que tocava antes de começar a seção...

- Devia ser divertido assistir um filme de aventura com tanta gente...

- E era meu filho...Depois do cinema as pessoas saiam para jantar para comentar o filme ou passear. Algumas pessoas assistiam várias vezes à mesma fita.

- Eu também faço isto... Assistindo no vídeo cassete os desenhos que mais gosto... – Falou Rita.

- É, naquela época não havia vídeo cassete... E o Cine Teatro Metrópole foi seguindo em frente divertindo muitas pessoas por muitos anos.

- Eu mesmo assisti muitos filmes lá. – Disse o Sr. Manuel que ouvia a história bem quietinho ao lado de Dona Lúcia.

- É mesmo. Quando começamos a namorar íamos às matines assistir os lançamentos... – Completou Dona Lúcia.

- Nossa! Foi há muito tempo... – Falou Rita.

- É, mais ou menos. – Riu Dona Lúcia.
- Bem, mas os tempos foram mudando, veio a televisão e a pompa foi ficando para traz. Ir ao cinema virou uma atividade comum. A freqüência foi diminuindo... Os grandes cinemas foram fechando...

- Fechando ou virando Igrejas. – Completou Sr. Manuel.

- É, alguns viraram igrejas.

- Viraram outro tipo de templo, né? – Falou Paulinho.

- Isto mesmo.

- E o nosso Cinema, o que aconteceu com ele? – Perguntou Rita.

- O cine Teatro Metrópole resistiu até que seu proprietário resolveu vendê-lo para um banco.

- Nossa! E o povo deixou? – Perguntou Paulinho.

- Parte da população não gostou. Estudantes, arquitetos, professores... O órgão estadual de proteção do patrimônio cultural, o IEPHA/MG tratou de tombar o prédio.

- Tombar? Eles também queriam derrubar o prédio? – Perguntou Rita.

- Não minha filha, tombar não é derrubar... Significa que o prédio não poderia ser destruído nem modificado porque agora era importante para todo o Estado de Minas Gerais. – Explicou o avô.

- Ah bom... Reconheceram que o Metrópole era muito importante e que devia ser preservado... – Falou aliviado o menino.

- A empresa proprietária não concordou e mandou documentos assinados por arquitetos que diziam que o prédio não era importante. Mas o IEPHA/MG também convidou outras pessoas para falar sobre a importância do Cinema e não mudou a decisão: manteve o tombamento... Mas para que isto acontecesse de verdade o governador deveria assinar um decreto de tombamento...

- Claro que ele assinou né? – Falou Rita.

- Não assinou.

- Mas como? O tal órgão de proteção do patrimônio não tombou o prédio por considera-lo importante? – Perguntou indignado o menino.
- É, mas o governador não estava muito convencido... Criou uma Comissão Especial para analisar o caso...

- Vovô me explica uma coisa, o tal IEPHA/MG não é um órgão do governo criado só para cuidar do patrimônio cultural? – perguntou Paulinho.

- É sim.

- Então, ele é bem preparado para saber o que é patrimônio cultural e o que não é...

- É sim meu filho. – Disse o avô.

- Não entendi porque o governador ficou em dúvida.

- Ninguém entendeu meu filho. – Explicou o avô.

- E aí, o que aconteceu?- Perguntou Rita.

- O Cinema foi fechado apesar da todo mundo ter reclamado. Aconteceram várias passeatas...

- Passeatas? – Perguntou Rita.

- É, as pessoas saiam às ruas com cartazes pedindo a preservação do Cinema...

- Que coisa legal. – Falou Paulinho entusiasmado.

- É sim e ainda fizeram um abaixo-assinado que é uma coleta de assinaturas das pessoas em favor da preservação do prédio para ser entregue ao governo...

- Depois disso é claro que a Comissão Especial acabou concordando com o tombamento... – Falou Paulinho.

- Não foi bem assim que as coisas aconteceram. A comissão se reuniu algumas vezes mas não chegou a nenhuma decisão. Enquanto isto a empresa dona do cinema foi destruindo o prédio por dentro, retirando as cadeiras e toda a decoração...

- Mas que absurdo! O Cinema não estava tombado? – Perguntou o menino.

- Sim, estava tombado provisoriamente e a destruição interna era uma coisa errada.

- Prenderam o proprietário? – Perguntou Rita.

- Não...

- Pararam a obra? – perguntou Paulinho se levantando.

- Não...
- Mas que governo é esse? As leis não são para serem cumpridas? – Perguntou o menino.

- É meu filho, as leis deveriam ser cumpridas, mas neste caso não foram. O IEPHA/MG bem que tentou entrar no cinema e paralisar as obras, mas não obteve nenhum apoio do governo. – Explicou o avô.

- Esta história está muito mal contada vovô... Governador que não tomba, leis que não são cumpridas... Não estou gostando... – Falou Rita chateada.

- Eu também não gostei minha filha. Mas o pior estava para acontecer... Diante da incapacidade de paralisar as obras e devido à destruição interna o IEPHA/MG representado pela sua presidente resolveu sugerir que o Cinema não fosse tombado. No mesmo documento pediu que a empresa que destruiu o interior fosse punida e que a empresa compradora construísse um teatro no local.

- Não acredito! – Gritou Paulinho.

- Isto é um absurdo! Como que a presidente do IEPHA/MG faz uma coisa desta. O prédio não era importante? Não estava tombado? Então tinha que ser preservado. – continuou o garoto.

- Também não concordei com a atitude da presidente, principalmente pelas conseqüências.

- Ai meu Deus. – Lamentou Rita.

- É minha neta... A Comissão Especial que até aquele momento não tinha resolvido nada. Adorou receber a carta da presidente do IEPHA/MG. Concordou com tudo que ela escrevera e mandou para o Governador...

- Ah, esse ai também deve ter adorado... – Falou Paulinho nervoso.

- Diante dos documentos elaborados pela presidente do IEPHA/MG e pela Comissão Especial, o governador decidiu pelo não tombamento do Cinema...

- Que coisa triste...- Lamentou Rita.

- Que coisa feia! – Gritou Paulinho.

- O cinema foi demolido apesar de tantas vozes contrarias. Toda a história, todas as lembranças foram perdidas a golpes de marretas... Em seu lugar surgiu um grande prédio de um banco...
- E a empresa proprietária foi castigada? – Perguntou Rita.

- Não foi...

- Eu sabia. – Disse Paulinho cruzando os braços.
- E o teatro que a presidente pediu para ser construído no local?

- Não foi construído...

- Que grande vergonha... – Lamentou novamente Paulinho.

- Assim, após uma luta que durou meses a cidade perdeu um importante marco de sua memória destruído pela ganância e desrespeito de alguns poucos. A cidade ficou mais pobre... Construir e adquirir história demora algum tempo, mas demolir é um ato simples...

- Que fim triste...- Disse Rita.

- Ainda não é o fim minha neta. O que aconteceu com o Metrópole serviu para que muita gente começasse a estudar, a aprender como lidar com a preservação e com todos os problemas relacionados com ela. Os erros não seriam cometidos novamente. E não foram. O Metrópole virou símbolo de luta e resistência contra o vandalismo e o que aconteceu com ele nunca mais se repetiu e te garanto, ninguém mais vai permitir que aconteça.

- Mas o que pode ser feito para impedir que isto se repita com outros prédios? – Perguntou Paulinho.

- A participação de toda a população na defesa de sua memória. Somente a união da comunidade com os órgãos de preservação pode impedir que governantes e proprietários gananciosos destruam nossa memória.

- Apoiado vovô. Aposto que se todo mundo soubesse como é importante preservar a memória e as coisas antigas ninguém teria coragem de destruí-las. – Falou Paulinho.

Naquele instante a luz voltou a iluminar a sala. Desta vez ninguém ligou a televisão. Ficaram todos discutindo soluções para a melhor forma de se preservar o patrimônio cultural da cidade, do estado e do país.

FIM

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