PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

sábado, 11 de agosto de 2018

EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL


Em defesa do patrimônio colonial e eclético

Carlos Henrique Rangel
Historiador - Agente Cultural



JORNAL ESTADO DE MINAS, SABADO - 11 DE AGOSTO DE 2018.



Uma cidade não é feita apenas de uma categoria estilística de bens imóveis legitimados por um órgão maior, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). E a cultura de um povo, a exemplo da produção de bens culturais, extrapola um estilo arquitetônico ou artístico e se constitui de bens imateriais e materiais diversos, porque, afinal, não existe um povo no singular e sim povos-comunidades que têm identidades próprias e produzem suportes de memória diversos e ricos, mesmo em um espaço limitado pelo município.


A alegação de que bens culturais fora do perímetro de tombamento dos conjuntos tombados pelo Iphan não estão protegidos ou não interessam é um grande equívoco cometido durante muitos anos por municípios detentores de bens protegidos em nível federal. Minas concentra inúmeras e diversificadas manifestações culturais espalhadas por toda sua extensão territorial, fruto de suas raízes históricas, suas potencialidades socioeconômicas e rica herança cultural. 


É por esse e outros equívocos que Minas vai perdendo muitos bens culturais, como ocorreu mês passado em Cataguases, na Zona da Mata. O município de Cataguases que tem um conjunto de edificações no estilo moderno protegidas pelo Iphan não é só constituído desse patrimônio material reconhecido pelo órgão federal. Não. Cataguases surgiu muito antes dessa produção – importante sim – mas não única. Se o Iphan protegeu os bens culturais modernos isso não quer dizer que os outros estilos arquitetônicos e artísticos não são importantes. Cabe ao Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Cataguases proteger esses resquícios do patrimônio mais antigo de estilos que remontam à origem da cidade e parar de usar o tombamento do Iphan como desculpa para não agir.


Os resquícios coloniais do século 19 e os casarões ecléticos do início do século 20, hoje ameaçados pela omissão e negligência do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural que se esconde por trás do tombamento federal para justificar a sua “não ação”, precisam e devem ser protegidos. Uma coisa é o tombamento do Iphan, que tem uma motivação específica. Outra coisa é o patrimônio que só interessa ao município. Esse é responsabilidade do instituto local que foi criado por esse motivo.


Cataguases não é somente uma cidade moderna. Vai além.


O Iphan cumpriu seu papel de proteger aquilo que extrapola o interesse local e interessa a todos os brasileiros enquanto um povo diverso e rico em cultura.


Cabe ao município proteger o que interessa a sua localidade. Aquilo que fala e transpira a alma de Cataguases muito além do moderno. 




O empenho para a criação de uma instituição destinada à preservação do patrimônio cultural coube aos intelectuais modernistas, encantados com a homogeneidade das cidades do período colonial mineiro, que preservavam praticamente intacto o seu acervo arquitetônico e artístico do século 18. Graças a esses expoentes da intelectualidade brasileira dos anos 1920, foi criado em 1936 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Iphan, regulamentado pelo Decreto –Lei n.º 25 de 30 de novembro de 1937. Esse órgão de proteção sustentado pelo instituto do Tombamento e sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade, cujos 120 anos de nascimento são lembrados este ano, que empreendeu a proteção dos grandes núcleos históricos e dos monumentos mais expressivos de nossa cultura até os anos 1970 superando dificuldades e se consolidando.


Durante décadas, o Iphan foi a única proteção aos bens culturais do país, usando a política de tombamento para proteger os bens culturais – único instrumento de proteção até o ano de 1988, quando a nova Constituição Federal definiu outros instrumentos, entre eles o Registro e o Inventário


A relação com os municípios foi mesclada, durante muito tempo, por um paternalismo doutrinário e autoritário. Isso teve consequência a dependência e a submissão, que impedia que os municípios das chamadas “cidades históricas” entendessem que havia patrimônio cultural além das fronteiras definidas e impostas pelo órgão federal. Essa visão durou pouco mais de 50 anos e a muito custo foi rompida.


Em abril 1970, o encontro de governadores realizado em Brasília (DF) definiu que os estados e municípios deveriam compartilhar a proteção do patrimônio de expressão local, criando os seus órgãos de preservação. Seguindo a orientação do Encontro de Brasília, em 1971, o governo de Minas criou o Iepha-MG, fundação integrante do Sistema Estadual de Cultura com a atribuição básica de preservar o patrimônio cultural do estado empreendendo a identificação, registro, fiscalização e restauração dos bens culturais tangíveis e, a partir de 2002, dos bens imateriais. 


Guardando as devidas proporções, a mesma visão paternalista-autoritária acabou se impondo aos municípios com bens tombados em nível estadual durante algumas décadas, somente rompida a partir da descentralização da proteção do patrimônio cultural ocorrida por meio do Programa ICMS Patrimônio Cultural, um dos critérios criados em dezembro de 1995  pela Lei 12.040 (atual 18.030/2009) que ganhou o apelido de Lei Robin Hood. Esse ainda hoje revolucionário programa de proteção incentivou os municípios mineiros a criar suas leis e institutos de proteção do patrimônio cultural local e por esse motivo temos hoje mais de 700 municípios com os conselhos municipais de Proteção do Patrimônio Cultural e mais de 4 mil bens culturais protegidos pelo tombamento e pelo Registro do Patrimônio Imaterial.






Nenhum comentário:

Postar um comentário