PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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terça-feira, 21 de agosto de 2018

A PRESERVAÇÃO REVISTA


A PRESERVAÇÃO REVISTA

Autor: Carlos Henrique Rangel

Fazenda Fonte Limpa - Santana dos Montes
Tombada pelo IEPHA/MG.



Para viver e sobreviver no mundo, os seres precisam se adaptar aos espaços/lugares.

Os animais se relacionam com os lugares biologicamente, se moldando lentamente ao clima e ambiente. Tornam-se perfeitamente aptos para viver nos espaços que escolheram como lar.

O lugar se torna seu habitat sua morada definitiva e única.

E esse ser não poderá viver em outro lugar a não ser que seja um lugar muito parecido com o seu lugar de origem.

Sua história está vinculada, moldada no espaço que o construiu e adaptou.

O ser humano, também é um ser adaptado biologicamente, mas não só.

Obrigado a viver em grupo para sobreviver o ser humano criou mecanismos de comunicação para poder transmitir conhecimentos, ideias e descobertas: gestos e sons que se somam e formam sílabas, palavras e significados.

Esses códigos dizem algo. Passam algo. Transmitem algo.

O ser humano se adapta ao lugar culturalmente.

Percebeu cedo que precisava do outro. Precisava compartilhar com o outro o seu conhecimento e suas experiências para continuar no mundo.

O lugar o molda, mas também é transformado por ele. O lugar é domesticado, trabalhado por ele.

Cedo o ser humano percebeu o seu mundo e descobriu que ao contrário dos animais, precisa se adaptar aos lugares transformando-os.

Não possui peles fortes para protegê-lo do calor ou do frio. Não possui garras para matar ou rasgar os alimentos.

Para sobreviver às constantes mudanças climáticas do meio ambiente o ser humano necessita criar peles artificiais tiradas dos outros animais. É necessário cria garras artificiais como pedras pontudas ou paus trabalhados para ferir e nocautear os animais/caças e os inimigos, os “outros”. E todos esses artifícios estarão sempre em constante evolução para uma melhor adaptação ao meio.

O ser humano produz cultura. O único ser a fazê-lo. E cultura é essa soma de modos de ser, fazer e se relacionar com os espaços/lugares, utilizando o que o meio tem a lhe oferecer para sobreviver. Se há pedras, fará abrigos de pedra. Se há apenas terra, a casa será de barro. Se há gelo, que seja de gelo o abrigo a protegê-lo.

Ao contrário dos animais. Que naturalmente se moldam aos lugares, precisamos aprender. Não se nasce com cultura. É necessário aprender a cultura do grupo.

Os modos de ser de acreditar de se relacionar com o outro. Cultura se aprende.

Então cultura está relacionada com o passado. Com o que foi vivenciado no passado e que deve ser transmitido para que continue e ajude o grupo a se perpetuar no mundo.

Cultura está relacionada com lembrança e com a memória e define a identidade do grupo.

A Cultura está em gestos e ações dos Homens. É um fazer portador de sentidos.

E os produtos culturais são consequências deste fazer, deste agir.

A importância cultural é dada pelos atores deste fazer.

Minha identidade é a soma do que lembro individualmente e em conjunto. Minha memória se faz com o meu passado e consequentemente molda a minha identidade.

Todos nós temos lembranças.

Só lembramos do que passou.

O ser humano precisa aprender sempre para lembrar.

Deve ensinar e transmitir para que outros possam lembrar e futuramente transmitir.

Mas a nossa memória é frágil e mutável. Constantemente é construída no presente. Nem tudo lembramos e para isso é importante repetir e transmitir e também atribuir lembranças às coisas e lugares. Para isso é necessário qualificar as coisas e os lugares para que esses “falem” e sejam suportes da memória do indivíduo e do grupo.

Lembrar pode ser a diferença entre sobreviver ou perecer.
Para não esquecer eu guardo o que pode me fazer lembrar.

Posso escrever, posso documentar e posso incorporar valores e lembranças às coisas para que elas me façam lembrar.

O que sou está no passado, no presente e nos espaços que me rodeiam.

Sou influenciado pelos lugares e pelos outros seres humanos.

O que sou eu aprendi e construí com os meus e guardo em minha memória.

Todo ser humano é em um lugar. E nesse lugar deixa sua marca e sua essência, moldada e influenciada pelo lugar.

O Ser humano está no lugar. O lugar faz o Ser. O Ser também faz o lugar.

Então, a permanência de um grupo depende da sua cultura, que depende do lugar. Depende da memória de grupo e dos suportes da memória: os lugares que falam.

Essa produção cultural de um grupo é uma herança compartilhada.

Podemos herdar os bens culturais, mas não herdamos a sua compreensão.

Para compreender é preciso aprender, conhecer, vivenciar, apreciar.

Aquilo que eu compreendo e conheço, eu respeito.

Onde tem gente tem cultura transplantada, recriada, reconstruída, adaptada, inovada e novamente criada.

Onde tem cultura tem bens culturais: materiais e imateriais produzidos pelos seres humanos para viver e sobreviver no mundo que o cerca.

Todo lugar de Homem... De muitos Homens produz cultura.

Cada ser humano carrega em si o seu mundo e sua cultura e é direta e indiretamente

transmissor, reprodutor, inovador e criador de cultura.

O que o ser humano é está no passado, no presente e nos espaços que o rodeiam.

O Homem é influenciado pelos lugares e pelos outros seres humanos.

O que ele é aprendeu e construiu com os outros e guarda em sua memória e em suportes.

É por isso que guardamos coisas. As coisas falam. Fazem com que nos lembremos do que aconteceu no passado e que precisamos para continuar.

Alguns “bens”, falam só para um indivíduo ou para a sua família.

Falam de coisas que vivenciou e de coisas e seres que quer lembrar.

Há outros bens que falam para o grupo/comunidade/nação e transmitem o conhecimento que necessitam para que possam sobreviver com dignidade e autoestima.

Esses são os “bens culturais”, produtos do processo cultural de um grupo e que são importantes não por serem históricos artísticos ou arquitetonicamente únicos, mas por que são essencialmente suportes da memória do Homem.

O valor de um bem cultural está nessa capacidade de “falar” ao grupo tanto coletivamente como individualmente. Está impregnado de lembranças e dá sentido ao grupo e o diferencia de um outro.

Esse bem só terá sentido para um grupo se for um suporte vivo de lembranças, vivências e significados.

Esse bem precisa estar vivo no cotidiano do grupo para realmente falar a esse grupo.

Preservar os bens culturais materiais e ou imateriais de um grupo é manter a identidade deste grupo garantindo a sua continuidade. Mas isso só será possível se esse grupo continuar a “ouvir as vozes” dos bens culturais.

Ninguém nasce sabendo cultura e sempre será necessário ensinar o respeito às coisas que falam para podermos ouvir. É preciso romper a miopia cultural e aprende a escutar o que os lugares e os suportes da memória têm a dizer.

Assim, só respeito o que conheço. Só preservo o que significa algo. Só protejo o que é caro à minha memória e sobrevivência.


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