PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

TOMBAMENTO DE BENS MÓVEIS - TEXTO

SOBRE TOMBAMENTO DE BENS MÓVEIS


“As partes que constituem a universalidade, objeto da tutela federal, podem ser “bens móveis ou imóveis”. Imediatamente verifica-se que o tombamento só poderá se materializar sobre a coisa, pois só as coisas são móveis ou imóveis. Ficam, portanto, excluídos da proteção, através de tombamento, os direitos ou bens imateriais que ainda que também possam merecer a proteção do Estado, são insuscetíveis de serem tombados, pois não são coisas. Nesta hipótese estão incluídos, por exemplo, as manifestações culturais, as práticas religiosas, os hábitos sociais, as metodologias industriais e outras práticas equivalentes. Não que estes aspectos da produção cultural da sociedade não mereçam a proteção do Estado; ao contrário, é sabido que a formação cultural se faz a partir do conjunto de bens e práticas cotidianamente mantidas, e que só através delas se pode evoluir para a formação da cidadania. Entretanto o tombamento, como instrumento específico de proteção, dirigiu-se para a preservação das coisas móveis e imóveis, pois assim está especificado no art. 1º do Decreto-lei 25/37. O que não se inclui nas categorias jurídicas de bens móveis ou imóveis terá que merecer outra forma jurídica de proteção, prevista em outro diploma legislativo. A Constituição não restringiu as formas e fórmulas legais de proteção; o tombamento é uma delas, aplicável a uma determinada categoria de bens – os móveis e imóveis. Para as outras categorias não materializáveis não é próprio o uso do instrumento do tombamento para protegê-los.

(...)

Não poderá haver tombamento sem a especificação do bem, móvel ou imóvel sobre o qual incidirão os efeitos do ato administrativo. O art. 1º do Decreto 25/37 dispõe que será tombado o conjunto de “bens móveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público”. O art. 1º está aí a apontar o primeiro e principal efeito do ato do tombamento, que é a permanência – a conservação – da coisa, por causa de seu valor cultural; necessária, pois se torna a determinação do objeto do tombamento, pelo ato administrativo. Nada obsta, no entanto, que a especificação do objeto do tombamento se faça pelo seu conjunto, nos casos em que é o conjunto, enquanto tal, que tem interesse de ser tutelado, e não cada coisa individualmente considerada. Havendo o tombamento do conjunto de coisas, incidirão os efeitos do tombamento sobre todas as partes. O ato de tombamento que irá definir o bem a ser protegido não necessitará, portanto, de especificar as partes do todo, desde que determine, de forma clara e precisa, o todo. É o todo, o conjunto das partes, que é o bem imaterial, objeto da tutela do Estado. Desta forma, quando o ato de tombamento determinar o valor cultural do núcleo cultural de uma cidade, especificando os limites físicos do objeto tombado, todos os imóveis inseridos naquele espaço passam a fazer parte do todo tombado, como parte do mesmo.

(...)

Ainda com relação ao tombamento de bem imóvel, é interessante destacar o caso em que, por exceção, poder-se-ia compreender que o ato de tombamento, ao estabelecer sua tutela sobre coisa desta natureza, estaria também se estendendo sobre algumas coisas móveis que o guarnecem, ainda que não o mencione expressamente. O órgão federal do Patrimônio Histórico e Artístico muitas vezes tombou igrejas unicamente pelo nome que era chamado o templo religioso, não fazendo qualquer menção a bens móveis nele contidos, tais como alfaias, os santos e tudo mais relacionado ao culto.Discutiu-se se poder-se-ia ou não considerar tombados estes bens móveis, já que o ato de tombamento a eles não se referia expressamente. Houve decisões do Poder Judiciário acerca do assunto; em algumas foi mencionado claramente que o bem, objeto da tutela por parte do poder público, era o valor imaterial da coisa. Ao efetivar o tombamento de templo religioso parece evidente que o que se quer conservar é tudo aquilo que o caracteriza como tal. Assim, caracteriza um templo religioso não só o prédio, bem imóvel com suas características próprias de construção e os objetos que a ele aderem, permanentemente, chamados de bens integrados, mas também os objetos do culto religioso que, embora destacáveis do imóvel sem dano físico, completam sua feição enquanto templo religioso. Quanto aos bens integrados não há dúvida, pois estes, uma vez fixados ao prédio, a ele aderem materialmente. Estes tornaram-se imóveis por força do inciso II do art. 43, do código Civil, quando especifica que se torna imóvel:

Art. 43 – (...)

II – Tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, (...) os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano.

Contudo, com relação aos bens móveis, como os santos, estes podem ser retirados sem dano material, mas não sem dano imaterial. Parece correto o argumento de que estes inserem-se perfeitamente na hipótese prevista no inciso III, do art. 43, do Código Civil, que prevê a chamada acessão intelectual.

Art. 43 – (...)

III – Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado na sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade.

Na acessão intelectual que se opera na imobilização da coisa móvel feita pelo proprietário de modo a colocá-la a serviço da destinação do imóvel, fica estabelecido um vinculo “meramente subjetivo” entre o imóvel e seus móveis, passando ambos a formar um só complexo.

A regra daí decorrente é que, pela acessão intelectual, os bens imóveis nestas situações atraem para “as relações de que a coisa se torna objeto, a unidade das regras jurídicas aplicáveis aos bens imóveis”. (...) A coisa móvel que é colocada no prédio de modo permanente, a serviço de seu destino de utilidade específica, a ele se agrega, passando a captar os efeitos das regras e relações jurídicas que atingem o próprio prédio. É inescapável desse raciocínio o tombamento aventado. Certamente, os bens móveis religiosos que guarnecem os templos enquadram-se, de forma exemplar, na hipótese de acessão intelectual. Não há como conceber templo religioso sem os objetos dos seus serviços – nestes casos o tombamento não seria da “Igreja tal ou qual”, mas do prédio de número tal. Quando se tomba uma igreja, e não o prédio, o sentido jurídico deste ato se estende não só ao imóvel, mas também a todos os objetos móveis que “por destino” lhe acedem intelectualmente. Há de se acrescentar ainda que, do ponto de vista do ato administrativo, é relevante o fato de que a designação do bem como “igreja” e não como “prédio” revela o objetivo do ato de vontade do administrador quando de seu tombamento, como especificação do bem cultural a ser protegido.”

" A segunda questão refere-se a elementos inseridos no conjunto que, embora tendo a mesma natureza de todo - móvel ou imóvel - não possuem características de valor cultural individualmente, e nem como parte do todo. É o caso de edifícios novos, inseridos em conjuntos urbanos tombados por seu valor histórico. Estaria tombado o prédio construído no século XX e inserido em conjunto do século XVIII, sujeitando-se aos mesmos efeitos do tombamento?


Claro está que o tombamento do conjunto não se dá pelo valor cultural individualizado de cada parte, mas pelo que elas representam no seu conjunto: é a soma de valores individuais, vistos na sua globalidade; isto porque, tivessem as coisas valores culturais individuais, o tombamento seria individual para cada uma delas - do contrário, sendo o valor um só, formam um bem coletivo. Eventualmente, alguma parte pode não se adequar ao todo; neste caso, ainda sob os efeitos de tutela do tombamento, o grau de modificação ou alteração que será permitido naquela parte poderá ser maior ou menor, mas sempre de modo a adequá-la à composição do todo. As partes que compõem o todo poderão sofrer interferência em maior ou menor grau, em função indiretamente proporcional à adequação e integração contextual do bem jurídico do que se quer proteger.



O mesmo pode acontecer com relação a tombamento de conjunto de móveis. Tombada uma coleção de um museu, poder-se-ia,posteriormente, desagregar alguma de suas peças? E as peças novas agregadas passariam a ser automaticamente tombadas ao serem incluídas no acervo?



Partindo-se do princípio de que o tombamento de coleções de bens móveis, ou conjunto de bens imóveis, o que se está tombando não é cada bem em si, mas o valor coletivo que possa ter entendemos que a coisa individual que nada some à valorização do conjunto poderá ser dele (conjunto) destacada, alterada ou até mesmo substituída. Esta é a situação análoga àquela no qual se faz alterações na coisa tombada individualmente, quando então é possível destacar, alterar, modificar ou até mesmo retirar qualquer de suas partes que não afete o valor da coisa em si desde que, com esta alteração, a coisa continue a conservar suas características essenciais, motivadoras do tombamento. O fato de o tombamento incidir sobre coisas materialmente individualizáveis não tira o caráter coletivo do bem protegido. Assim, qualquer de suas partes, uma vez destacada do conjunto, perderá a tutela jurídica - um quadro que seja tirado da coleção tombada deixará de ser protegido,pro não pertencer mais àquela coleção; por outro lado, inserida uma nova parte no conjunto, esta passará a ter a proteção que incide sobre o todo. Aplica-se, no caso, o regime jurídico da coisa sub-rogada, de modo a resguardar o efeito principal da tutela."



(O ESTADO NA PRESERVAÇÃO DE BENS CULTURAIS – SÔNIA RABELLO DE CASTRO

RIO DE JANEIRO: RENOVAR, 1991. Pág. 69 A 75)

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