A FOTO DA BISA
Autor: Carlos
Henrique Rangel
Vovô Carlos estava sentado em sua poltrona preferida lendo
um livro quando Paulinho se aproximou.
- Vovô pode interromper o senhor um pouco?
O velho senhor fechou o livro e sorriu para o garoto.
- Claro Paulinho, o que você quer perguntar? – Falou o avô
esperando a dúvida do neto.
- Na minha escola vai ter um projeto de educação
patrimonial... Escolheram a minha sala para participar...
- Interessante... Que sorte a sua...
- É esse o problema... Eu nem sei o que é essa tal de
educação patrimonial...
-Essa é a dúvida? – Perguntou o avô.
O menino puxou uma cadeira e se sentou enfrente ao ancião.
- É sim. O que é essa educação Patrimonial?
- Bem, educação patrimonial são ações e situações
elaboradas pelos professores que pretendem motivar vocês alunos para o
reconhecimento e valorização do patrimônio cultural da cidade onde vocês
vivem...
- Patrimônio Cultural eu sei. São as igrejas, prédios
antigos... – Respondeu o menino mostrando conhecimento.
- Você está certo. Mas o patrimônio cultural não é só o que
é antigo ou artístico, ou só as igrejas. Na verdade Patrimônio Cultural é o
conjunto de bens culturais de um povo, comunidade ou grupo legitimado ou não
pelos órgãos de proteção – Completou o avô.
- Não entendi... –
Disse o menino coçando a cabeça.
- Deixa eu ser mais claro... Bens culturais são aqueles que
por alguma razão... Histórica, artística, arquitetônica ou sentimental são valorizados por um grupo de pessoas ou
mesmo um cidade inteira. Esses bens são como caixas de memórias desta
comunidade...Carregam a história, a alma deste grupo...
- Nossa! Eu achava que era só porque eram antigos, não
entendia desta forma. – Exclamou o menino admirado.
- Esses bens são importantes para as comunidades porque permitem
que ela se reconheça enquanto um grupo particular diferente de outro, e isso
faz com que essa comunidade se sinta bem, se sinta unida. Esses bens estão
relacionados com a vida de cada membro daquela comunidade. Eles “falam” a
todos, mas falam diferente para cada indivíduo...
- E a educação patrimonial....
- Bem, às vezes alguns elementos da comunidade perdem esse
referencial. Não entendem mais o porquê de preservar certos bens...E isso é em
função de vários fatores: Crescimento desordenado da cidade, mudança de
costumes, enfraquecimento da memória...
- Enfraquecimento da memória? – Perguntou o menino sem
entender.
- Se ninguém conta
para uma pessoa a história desse bem... Se aquela pessoa não vivencia mais o
bem, por que mora longe ou por que ninguém nunca a levou lá, esse bem vai ser
esquecido. Essa pessoa não vai mais conseguir ouvir a voz do bem cultural.
- Nossa! É ai que entra a educação patrimonial? – Perguntou
o menino empolgado.
- Isso. A educação patrimonial visa estimular essas
lembranças esquecidas. Fazer aquela pessoa
enxergar de novo aquele bem e ouvir o que ele tem a lhe dizer.
- Mas nós crianças não esquecemos... Nós nem sabíamos... –
retrucou o menino.
- Eu sei. E é por isso que vão fazer educação patrimonial
com vocês. Não porque esqueceram, mas porque vocês precisam descobrir esses
bens com os seus sentidos. Não porque alguém disse que é importante, mas por
que vocês mesmos vão passar a entender aquele bem como algo importante para
vocês e a comunidade... Ele agora vai falar para vocês.
- O senhor falou várias vezes de que os bens falam... E o
que eles falam?
O Avô sorriu.
- Como eu disse, dependendo do bem ele falará mais para mim
do que para você ou vice-versa. Nenhum bem cultural fala igual para as
pessoas. Mas uma coisa é certa: Ele fala para todas elas.
- Mas fala sobre o que? – Perguntou o menino ainda sem
entender.
- Ele fala de lembranças passadas, histórias de um povo, de sentimentos e momentos esquecidos mas sempre rememorados...
Esse livro que estou lendo é muito bom. Eu já sabia que era bom por que a sua
mãe tinha lido. No entanto, eu tive que ler para poder saber e entender porque ele é bom. – Disse o avô mostrando o
livro. Depois abriu a carteira e retirou uma foto antiga.
- Esta é a sua bisavó, minha mãe... Sabe por que eu guardo
essa foto? – Perguntou o ancião.
- Uai, para lembrar dela... – Falou o menino admirando a
foto que o avô mostrava.
- Sim. Eu tenho memória, mas eu não guardo tudo. Para
lembrar eu atribuo lembranças às coisas para elas me fazerem lembrar... E é
diferente sempre. Todas as vezes que vejo essa foto eu me lembro de alguma
coisa relacionada à minha mãe... Ás vezes fico triste... Outras vezes fico
alegre...
- Nossa! E ela só fala para o senhor...
- Mas pode falar para você de outra forma se eu começar a
contar as histórias desta sua bisavó e do mundo em que ela vivia. E você
Paulinho, mesmo não tendo conhecido a Bisa, vai lembrar das historias dela e de
mim todas as vezes que olhar essa foto.
- Acho que agora entendi. Quando o senhor me contar as histórias
da Bisa o senhor estará fazendo educação patrimonial sobre a nossa família... –
Disse o menino com os olhos brilhantes.
- Isso. E essa foto que antes não representava nada para
você, passa a representar.
- E eu vou fazer tudo para que ela dure mais e continue
“falando” para mim e também para os meus filhos... – Complementou o menino.
- Isso é educação patrimonial. Quando as pessoas começam a
ouvir um bem elas passam a defender, conservar e usar esse bem...
O menino ficou pensativo por um segundo e sorriu.
- Vô Carlos...
- Sim Paulinho..
- Me fale da Bisa... – O velho senhor sorriu.
Fim
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