PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

PATRIMÔNIO CULTURAL – CONCEITOS E DIRETRIZES A PRESERVAÇÃO REVISTA

PATRIMÔNIO CULTURAL – CONCEITOS E DIRETRIZES
A PRESERVAÇÃO REVISTA

Autor: Carlos Henrique Rangel

Para viver e sobreviver no mundo, os seres precisam se adaptar aos espaços/lugares.

Os animais se relacionam com os lugares biologicamente, se moldando lentamente ao clima e ambiente. Tornam-se perfeitamente aptos para viver nos espaços que escolheram como lar.

O lugar se torna seu habitat sua morada definitiva e única.

E esse ser não poderá viver em outro lugar a não ser que seja um lugar muito parecido com o seu lugar de origem.

Sua história está vinculada, moldada no espaço que o construiu e adaptou.

O Homem[1], também é um ser adaptado biologicamente, mas não só.

Obrigado a viver em grupo para sobreviver o Homem criou mecanismos de comunicação para poder transmitir conhecimentos, ideias e descobertas: gestos e sons que se somam e formam sílabas, palavras e significados.

Esses códigos dizem algo. Passam algo. Transmitem algo.


Os homens estavam por natureza desprovidos de meios para viver isoladamente, (...) é a necessidade que os obriga a juntar-se uns aos outros, a inventar a vida social em conjunto”
Jâmblico, filósofo Sofista

O Homem se adapta ao lugar culturalmente.

Percebeu cedo que precisava do outro. Precisava compartilhar com o outro o seu conhecimento e suas experiências para continuar no mundo.

O lugar o molda, mas também é transformado por ele. O lugar é domesticado, trabalhado por ele.

Cedo o Homem percebeu o seu mundo e descobriu que ao contrário dos animais, precisa se adaptar aos lugares transformando-os.

Não possui peles fortes para protegê-lo do calor ou do frio. Não possui garras para matar ou rasgar os alimentos.

Para sobreviver às constantes mudanças climáticas do meio ambiente o Homem necessita criar peles artificiais tiradas dos outros animais.
É necessário cria garras artificiais como pedras pontudas ou paus trabalhados para ferir e nocautear os animais/caças e os inimigos, os “outros”. E todos esses artifícios estarão sempre em constante evolução para uma melhor adaptação ao meio.

O Homem produz cultura. O único ser a fazê-lo. E cultura é essa soma de modos de ser, fazer e se relacionar com os espaços/lugares, utilizando o que o meio tem a lhe oferecer para sobreviver. Se há pedras, fará abrigos de pedra. Se há apenas terra, a casa será de barro. Se há gelo, que seja de gelo o abrigo a protegê-lo.

Cultura
Conjunto de atividades e modos de agir, costumes e instruções de um povo, meio pelo qual o homem se adapta às condições de existência, transformando a realidade.
Cultura é um processo em permanente evolução, diverso e rico.
É o desenvolvimento de um grupo social, uma nação, uma comunidade, fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento de valores espirituais e materiais.

Ao contrário dos animais que naturalmente se moldam aos lugares. O Homem precisa aprender.
Não se nasce com cultura.
É necessário aprender a cultura do grupo. Os modos de ser de acreditar de se relacionar com o outro.
Cultura se aprende.
Então cultura está relacionada com o passado. Com o que foi vivenciado no passado e que deve ser transmitido para que continue e ajude o grupo a se perpetuar no mundo.

Cultura está relacionada com lembrança e com a memória e define a identidade do grupo.

A Cultura está em gestos e ações dos Homens. É um fazer portador de sentidos.
E os produtos culturais são consequências deste fazer, deste agir.
A importância cultural é dada pelos atores deste fazer.

IDENTIDADE
Tudo aquilo que diferencia e que identifica
o homem, um grupo social, político, étnico, religioso, etc, em relação ao Outro.
São as ações do homem para viver em sociedade ao longo da história e do dia a dia.


Minha identidade é a soma do que lembro individualmente e em conjunto.
Minha memória se faz com o meu passado e consequentemente molda a minha identidade.

Memória: Lembranças, reminiscências, vestígios.
Aquilo que serve de lembrança.

Todos nós temos lembranças.
Só lembramos do que passou.

O Homem precisa aprender sempre para lembrar.
Deve ensinar e transmitir para que outros possam lembrar e futuramente transmitir.

Mas a memória do homem é frágil e mutável. Constantemente é construída no presente. Nem tudo o Homem lembra e para isso é importante repetir e transmitir e também atribuir lembranças às coisas e lugares.
Para isso é necessário qualificar as coisas e os lugares para que esses “falem” e sejam suportes da memória do indivíduo e do grupo.

Lembrar pode ser a diferença entre sobreviver ou perecer.

Para não esquecer eu guardo o que pode me fazer lembrar.

Posso escrever, posso documentar e posso incorporar valores e lembranças às coisas para que elas me façam lembrar.

O que sou está no passado, no presente e nos espaços que me rodeiam.

Sou influenciado pelos lugares e pelos outros seres humanos.

O que sou eu aprendi e construí com os meus e guardo em minha memória.

MEMÓRIA
“Mais que apenas via de acesso ao passado, a memória é uma estrada para a compreensão do Eu”
(Cunha, João Paulo. Editor de Cultura do Jornal Estado de Minas)


Todo ser humano é em um lugar. E nesse lugar deixa sua marca e sua essência, moldada e influenciada pelo lugar.

O Ser humano está no lugar. O lugar faz o Ser. O Ser também faz o lugar.

Então, a permanência de um grupo depende da sua cultura, que depende do lugar.

Depende da memória de grupo e dos suportes da memória: os lugares que falam.

Essa produção cultural de um grupo é uma herança compartilhada.

Podemos herdar os bens culturais, mas não herdamos a sua compreensão.

Para compreender é preciso aprender, conhecer, vivenciar, apreciar.

Aquilo que eu compreendo e conheço, eu respeito.

“A espécie humana é a única que precisa
Ser educada” (Kant)





“Depois do pão, é de educação que o povo
Precisa” (Danton)

Onde tem gente tem cultura transplantada, recriada, reconstruída, adaptada, inovada e novamente criada.

Onde tem cultura tem bens culturais: materiais e imateriais produzidos pelo Homem para viver e sobreviver no mundo que o cerca.

Todo lugar de Homem... De muitos Homens produz cultura.

Cada ser humano carrega em si o seu mundo e sua cultura e é direta e indiretamente
transmissor, reprodutor, inovador e criador de cultura.

“A história social e pessoal, pode qualificar as coisas, os objetos, os lugares da casa, os lugares de um bairro. Até mesmo a natureza vira memória.”
(GONÇALVES FILHO, José Moura. 1991)

O que o Homem é está no passado, no presente e nos espaços que o rodeiam.

O Homem é influenciado pelos lugares e pelos outros seres humanos.

O que ele é aprendeu e construiu com os outros e guarda em sua memória e em suportes.

É por isso que o Homem guarda coisas.
As coisas falam. Fazem com que se lembre do que aconteceu no passado e que precisa para continuar.

Alguns “bens”, falam só para um indivíduo ou para a sua família.

Falam de coisas que vivenciou e de coisas e seres que quer lembrar.

Há outros bens que falam para o grupo/comunidade/nação e transmitem o conhecimento que necessitam para que possam sobreviver com dignidade e autoestima.

Esses são os “bens culturais”, produtos do processo cultural de um grupo e que são importantes não por serem históricos artísticos ou arquitetonicamente únicos, mas por que são essencialmente suportes da memória do Homem.

O valor de um bem cultural está nessa capacidade de “falar” ao grupo tanto coletivamente como individualmente. Está impregnado de lembranças e dá sentido ao grupo e o diferencia de um outro.

Esse bem só terá sentido para um grupo se for um suporte vivo de lembranças.

Esse bem precisa estar vivo no cotidiano do grupo para realmente falar a esse grupo.

“...o conceito de bem cultural extrapola a dimensão elitista, de "o belo e o velho".E entra numa faixa mais importante da compreensão como manifestação geral de uma cultura.
É o conjunto de bens culturais materiais e imateriais, de um povo.
Suas festas, modos de fazer, criar e viver.
Suas criações científicas, artísticas, tecnológicas e documentais. 
O gesto, o habito, a maneira de ser da nossa comunidade se constituem no nosso patrimônio cultural. (...)"
(Aloísio de Magalhães)

Preservar os bens culturais materiais e ou imateriais de um grupo é manter a identidade deste grupo garantindo a sua continuidade. Mas isso só será possível se esse grupo continuar a “ouvir as vozes” dos bens culturais.

Ninguém nasce sabendo cultura e sempre será necessário ensinar o respeito às coisas que falam para podermos ouvir. É preciso romper a miopia cultural e aprende a escutar o que os lugares e os suportes da memória têm a dizer.

Só respeito o que conheço. Só preservo o que significa algo. Só protejo o que é caro à minha memória e sobrevivência.

 O QUE É MAIS IMPORTANTE

O mais importante na Educação Patrimonial é o caminho para se chegar aos objetivos.
É o que se aprende no caminho.
Aprender a olhar é mais importante que o próprio olhar.
Aprender a fazer é mais importante do que o que vai ser feito.
Aprender a sentir dará sentido ao que foi sentido, ao que vai ser sentido.
Por que mais que um projeto a ser executado é um mundo a ser desvendado.
- Uma nova visão.
- Uma nova percepção.
- Entender diferente o que se achava entendido.
Educação Patrimonial é a busca do entendimento de se mesmo e do seu mundo.
Por que o que somos é parte do que vimos. Do que vemos.
Seremos seres humanos melhores se nos compreendermos, tendo como base o passado e os vestígios deste passado.
As coisas nos falam sempre.
E sempre de nós mesmos...






PENSAR ALÉM

Entendemos que o Patrimônio Cultural está no ar que respiramos no dia a dia. Porque como seres humanos, somos constituídos de lembranças, memórias e coisas do passado que nos movem no presente e nos remetem para o futuro. Precisamos lembrar para continuarmos e aprendermos o que dizem as coisas do passado que continuam no presente. E aprender o porquê preservar essas coisas para que elas continuem a nos dizer o que somos.

Mas educação patrimonial não pode e não deve se restringir às escolas. Ela deve permear todos os nossos atos e atitudes e para isso precisamos usar todos os meios disponíveis e necessários... Mídia impressa e televisiva, vídeos, campanhas publicitárias, internet, etc. Tudo que possa ser usado para valorizar e divulgar o patrimônio cultural, contribuindo para elevar a autoestima de um grupo, comunidade, cidade ou nação.

Algumas pessoas ainda estão pensando em educação patrimonial apenas como algo dentro das escolas... Precisamos avançar ir além da visão simplista das coisas. Os órgãos de preservação precisam amadurecer pensar holisticamente as "coisas" que falam. Temos que ser criativos, sem medo de errar. Na verdade, em se tratando de educação patrimonial não se erra nunca, pois sempre ficará alguma coisa.

 O OUTRO 

Vivendo em grupo por necessidade e sobrevivência, o ser humano cedo necessitou de símbolos e códigos para se fazer entender e compreender o seu mundo e os seus iguais. Essa necessidade do outro e a convivência com este só foi possível através de um consenso coletivo para se entenderem em relação a tudo. Desde as pequenas como a nominação de um objeto, às regras de convivência. 

Se esse consenso se deu através de lideres carismáticos ou autoritários, ou mesmo de forma democrática, essa não é a questão. O fato é que o consenso existiu para que fosse possível a convivência em grupo e a adaptação a um espaço determinado. 

A identidade desse grupo será definida pelo consenso. Pela crença em valores assimilados por todos ou pelo menos a maioria dos membros do grupo. Os que não aceitam as regras do grupo são excluídos e se tornam os “outros”. 

Também esses, denominados “outros” são necessários para a formação da identidade do grupo e a consolidação de suas crenças, costumes e ideais. A identidade de um ser ou de um grupo é definida pela contraposição à identidade de outro. O outro indivíduo, grupo ou comunidade ou nação será sempre a referência até mesmo para o fortalecimento da identidade.

Ao mesmo tempo, uma comunidade por mais homogênea que seja sempre terá grupos discordantes – “os outros” que também possuem identidade própria, cultura própria, mesmo que identificados de uma forma geral com o grupo dominante. 

Essa minoria dentro de uma comunidade maior ainda assim é parte desta e merecem respeito quanto a sua memória, identidade e suas produções culturais. 

O outro que me acompanha e que produz cultura comigo, o que permite a diversidade cultural merece ser reconhecido, respeitado e valorizado como parte do grupo maior.

Numa sociedade consensual a diversidade deve ser o consenso para que a o grupo se renove culturalmente e sobreviva com a autoestima valorizada e fortalecida.

Esse outro também ele é parte do grupo e mesmo o outro culturalmente diferente, aquele de outro grupo/nação, também esse merece respeito. Ser diferente não é ser pior ou melhor. 

É apenas diferente. Outra forma de ser e de se relacionar com o mundo e seus lugares.
O outro é o meu céu e meu inferno. É o meu contraponto.
O outro sou eu diferente.


DESCENTRALIZAÇÃO

É no âmbito municipal, nas localidades e comunidades é que se encontra a verdadeira proteção.

É junto aos vivenciadores e com os vivenciadores é que se protege o patrimônio cultural.

Se quisermos de fato efetivar e consolidar essa proteção temos que descentralizar nossas ações. Temos que ir ao encontro destes detentores do patrimônio cultural.

Levar nossos cursos, nossas angústias, nossas dúvidas e certezas a onde estão as comunidades e os seus agentes culturais.







[1] Homem nesse contexto se refere tanto aos homens como as mulheres.

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