PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Os Caminhos Feitos de Ferro

Com a chamada Revolução industrial iniciada a partir da Inglaterra nos primeiros anos do século XIX e logo em seguida se estendendo pelo restante da Europa, começou a concentração dos meios de produção em fabricas, substituindo as oficinas caseiras. Está concentração somente foi possível devido às invenções do século XVIII, principalmente o tear mecânico e a máquina a vapor. O aumento da produção acarretado pelas mudanças no sistema de produção levou à necessidade de ampliar os mercados e dinamizar a distribuição dos produtos.

Assim, a busca por novos meios de transportes de mercadorias e passageiros começaram a ser esboçados a partir dos primeiros anos do século XIX: Em 1802, surgiu a denominada “dirigência a vapor para estrada” construída pelos ingleses Richard Trevithick e Andrew Vivian; Em 1808, Richard Trevithick apresentou a “Catch me Who Can”. Em 1825, surgiu a primeira linha férrea considerada prática, que ligava Darlington a Stockton.

A partir do concurso promovido pela Estrada de Ferro Liverpool-Manchester em 1829, surgiu a máquina denominada Rocket, construída por Stephenson. Esta máquina vencedora do concurso começou a percorrer o trajeto Liverpool-Manchester somente a partir de 1830.


No Brasil, a necessidade de meios de transporte ágeis e eficientes para o escoamento das produções agrícolas do interior para o litoral foi sentida ainda nas primeiras décadas do século XIX. Já em 31 de outubro 1835, o Regente Padre Feijó promulgou a lei nº 101,[1] baseada em projeto de lei do deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos, que concedia favores aos interessados em implantar no país, uma estrada de ferro que pudesse ligar o Rio de Janeiro à província de São Paulo e Minas Gerais. Está lei, no entanto, apesar da várias tentativas de  alguns interessados, não surtiu efeito concreto.[2] Expomos a seguir, trecho da lei:

 “(...) conceder a uma ou mais companhias, que fizerem uma estrada de
ferro da Capital do Rio de Janeiro para as de Minas Geraes, Rio Grande do Sul
e Bahia, carta de privilegio exclusivo por espaço de 40 annos para o uso de
carros para transporte de gêneros e de passageiros.”
(LIMA, Vasco. A Rêde Sul Mineira de Viação.  São Paulo: Copag, 1934, p.12. Decreto no. 101, de 31 de outubro).

Somente a partir da segunda metade do século XIX é que o empresário e futuro Barão e Visconde de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, conseguiu construir a primeira estrada de ferro do Brasil. O projeto de Irineu era construir uma estrada que ligasse o Rio de Janeiro ao interior de Minas Gerais a partir de Porto Estrela seguindo inicialmente até Petrópolis.


O projeto do empresário foi aprovado em 27 de abril de 1852. Em agosto do mesmo ano iniciaram as obras contando com a presença do Imperador, vários ministros, conselheiros do Estado e oficiais e grande multidão de populares.[3] A viagem inaugural aconteceu em setembro do ano seguinte. A extensão de quatorze quilômetros e meio (14,5 km) da Estrada de Ferro foi inaugurada com grandes festejos no dia 30 de abril de 1854:

“A agitação tomou conta do lugarejo: bandas de música, coro de meninos, foguetes, bandeirolas coloridas. Quando o barco que trazia o imperador chegou ao porto, formaram-se duas alas de nobres, ministros e funcionários graduados. D Pedro II saudou a todos e, acompanhado por Irineu, o presidente da companhia, dirigiu-se a um armazém onde tinham sido montadas arquibancadas, no centro das quais ficavam as cadeiras do imperador e da imperatriz, além do bispo – que tinha a importante função de batizar as locomotivas da primeira ferrovia brasileira. Terminada a cerimônia, a comitiva embarcou nos vagões especialmente decorados para a viagem de quatorze quilômetros até o vilarejo de Fragoso, feita em pouco mais vinte minutos. Dos dois lados dos trilhos, oficiais da Guarda Nacional ficaram perfilados, enquanto os menos afortunados se espalhavam pelos morros para ver o trem passar. De Fragoso o comboio retornou a Estrela, onde seria servido um banquete na estação.”(CALDEIRA, 1996.p.291).


Em discurso proferido aos credores, Mauá expos a sua visão sobre o papel da ferrovia no sertão brasileiro:

“Ninguem desconhece que o Imperio do Brazil patenteia aos olhos de todo o homem pensador que contempla no  Mappa-Mundi  a extenção de seu territorio e respectiva posição topographica, a necesidade indeclinavel de vias de communicação aperfeiçoadas para que os thesouros que elle esconde em seus sertões venhão auxiliar o desenvolvimento dos grandes recursos que encerra essa zona privilegiada, contribuindo assim para que a nacionalidade espalhada sobre essa superficie, alcance, porventura em um futuro não mui distante, a posição que lhe compete no congresso das nações, isto é, o primeiro lugar.
Com effeito, será pouca cousa fazer penetrar um caminho de ferro nos mais afastados  confins do nosso territorio, conquistar ao deserto dezenas de milhares de leguas quadradas, levar-lhes a população, os meios de trabalhar, habilitar enfim os habitantes de tão remotas paragens a produzir e a consumir, concorrendo dessa fórma com o seu contigente para a prosperidade e grandeza da pátria?
Será pouca cousa arrancar, por assim dizer, as ricas producções que encerram as entranhas dessa região afastada e conduzi-las por um rápido trajecto de 50 horas a um porto de mar, convertendo em riqueza o que não tem hoje valor algum apreciável?”
(MAUÁ, Visconde de.  Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & C e ao Publico. Rio de Janeiro.:Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C, 1878, p.78.)


A Estrada de Ferro de Irineu Evangelista não teve sucesso. Não chegou a Minas Gerais. O Império, no entanto se envolveu no processo de instalação de Estradas de Ferro. Em 9 de maio de 1855, pelo decreto nº 1.598, o Governo Imperial anunciou o contrato de construção da estrada de ferro D. Pedro II, que teria como finalidade unir a província do Rio de Janeiro com a de São Paulo. Os trabalhos foram iniciados em 11 de junho daquele ano. Em 29 de março de 1858 foi inaugurado o tráfego na 1ª seção da linha.[4]

Em 1864, a “D. Pedro II” contava com duzentos e vinte e um quilômetros (221 km) de linhas distribuídas por três seções e um ramal. Pioneira em Minas Gerais, a Estrada de Ferro D. Pedro II, uniu a província à Corte. Os primeiros trilhos na província foram inaugurados em 1º de maio de 1869, com a presença dos ministros da Marinha e da Agricultura.[5]

“Prosseguindo os trabalhos de construção do ramal férreo em direção ao Porto Novo do Cunha, a linha encontrou o Rio Paraibuna no quilômetro 183,290 nas divisas das Províncias do Estado do Rio e de Minas Gerais. Nesse ponto, atravessou o Paraibuna, sobre a ponte denominada Humaitá, que tinha uma extensão de 95,60 metros. Transposta esta obra de arte, ela penetrou no município de Mar de Espanha, já em território mineiro.
Para assistir ao lançamento dos primeiros trilhos o território da Província de Minas, em 1º de maio de 1869, compareceram os Ministros da Agricultura e da Marinha e altas autoridades do Império e da Província ”.
(PIMENTA, 1971. p.99 e100).

Dois meses depois, já somavam quatorze quilômetros (14 km) de trilhos em território mineiro e nesse trecho construíram as estações de Santa Fé e Chiador inauguradas com a presença do Imperador D. Pedro II, da Imperatriz e várias autoridades, em 27 de junho de 1869.[6]

Até Queluz, atual Conselheiro Lafaiete, foi utilizada a bitola larga. A partir desta localidade as linhas foram construídas em bitola métrica prosseguindo para Miguel Burnier, Sabará, General Carneiro, ganhando o Rio São Francisco.

Assim, a partir de 1869, o território mineiro passou a ser trilhado por várias estradas de ferro, de diversas companhias: a Estrada de Ferro Leopoldina, 1871; Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, 1872; Estrada de Ferro Bahia e Minas,1879; Estrada de Ferro Minas e Rio, 1884; Estrada de Ferro Vitória-Minas,1890; Viação Férrea Sapucaí, 1891; Estrada de Ferro Muzambinho, 1892; Estrada de Ferro Três-Pontana, 1895; Estrada de Ferro Goiás, 1907; Estrada de Ferro Machadense, 1910; Estrada de Ferro São Paulo-Minas, 1910; Estrada de Ferro Piranga, 1911; Viação Férrea Leste Brasileiro, 1951 e a Estrada de Ferro Oeste de Minas, 1878.[7]
“A construção das ferrovias em Minas Gerais, em grande medida, se deu pela ação das elites regionais que exigiam, para sua área de domínio e ação, meio de transporte que dinamizasse a chegada ao  mercado das mercadorias produzidas em vasta região.
Inicialmente foram atendidos os produtores de café do Vale do Paraíba, e, consequentemente, para seu entorno, como a Zona da Mata Mineira e o Oeste Paulista, e logo o mercado interno demandaria modernização semelhante.” (SANTOS, Welber Luiz dos. A Estrada de Ferro Oeste de Minas:  São João Del-Rei (1877-1898) Universidade Federal de Ouro Preto,Instituto de Ciências Humanas e Sociais Programa de Pós-Graduação em História. Mariana, 2009. p. 121).

Estava claro que Minas Gerais havia superado bem a decadência do ouro e do diamante e conseguido diversificar sua economia ao ponto de justificar a instalação de ferrovias em seu território.
“Percebeu-se que a sociedade mineira encontrou maneiras de preservar a economia das áreas produtoras de alimentos mesmo com o declínio da produção de metais e pedras preciosas. Os estudos demográficos apontam  para isso, justificando a permanência da demanda por gêneros. É importante lembrarmos também do acúmulo da demanda sobre a produção de Minas Gerais propiciado pelas exportações interprovinciais, principalmente para o Rio de Janeiro (...).” (SANTOS, 2009. p.34).

Essa grande evolução do novo transporte de mercadorias e pessoas, trouxe como consequência a mudança de hábitos das comunidades interioranas e o fortalecimentos da moral burguesa, como nos informa Lídia Posas:
“(...) os caminhos de ferro não só construíram uma territorialidade, na ocupação do espaço físico, mas  neste mesmo espaço esquadrinharam práticas sociais, estratégias de controle e tarefas rotineiras para o exercício de um poder disciplinar que a sociedade burguesa exigia para a reprodução do capital e, consequentemente, para sua acumulação”  (POSAS, 2001. P. 44).

Em 1889, a Estrada de Ferro D. Pedro II foi transformada na Estrada de Ferro Central do Brasil, tornando-se o elo entre o Brasil do interior e sua produção, com o litoral.














[1] PIMENTA, José Demerval. Caminhos de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1971. p. 95.
[2] CALDEIRA, Jorge. Mauá: Empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 247.
[3] CALDEIRA, Op. Cit. p. 260.
[4] SILVEIRA, Victor (Org.). Minas Geraes: 1925.  Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926. p. 286.
[5] SILVEIRA, Op. Cit. p. 286.
[6] PIMENTA, Op. Cit. p. 15.
[7] pimenta, Op. Cit. p. 81 a 83.

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