PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ALOÍSIO MAGALHÃES

ALOÍSIO MAGALHÃES


“Definir o que seja bem cultural implica por princípio numa antidefinição, dada a multiplicidade das manifestações que emergem das estruturas sociais formadoras da civilização brasileira.
Assim, chegaríamos a tantos conceitos de bem cultural quantas fossem as situações específicas geradoras de cultura. Cultura entendida aqui como o processo global que não separa as condições do meio ambiente daquelas do fazer do homem. Que não privilegia o produto – habitação, templo, artefato, dança, canto, palavra – em detrimento das condições do espaço ecológico em que tal produto se encontra densamente inserido.
Dessa forma, cultura e educação evidenciam também a sua indissolubilidade, uma vez que a formação erudita do profissional que projeta a casa, a escola, a igreja, a cidade, tem o seu equivalente na aprendizagem só aparentemente informal do artífice popular, que desde a infância absorve dos mestres locais a elaborada tecnologia ligada à atividade da agricultura, da pesca, e à produção de olaria, de trançado, de tecelagem.
Já em 1937 Mário de Andrade, autor do anteprojeto que deu origem a Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, propunha a superação do “sofisma sentimental do ensino primário” e acrescentava: “Ele é imprescindível, mas são imprescindíveis igualmente os institutos culturais em que a pesquisa vá de mãos dadas com a vulgarização, com a popularização da inteligência.” Enfatizando que “defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização” , Mário insistia também num “maior entendimento mútuo”, num “maior nivelamento geral da cultura que... a torne mais acessível a todos, e em consequência lhe dê uma validade verdadeiramente funcional.” Reivindicava ainda um movimento recíproco de maior conhecimento entre saber erudito e saber popular através de uma atividade que provocasse  “o erguimento das partes que estão na sombra, pondo-as em condição de receber mais luz”.
O pensamento de Rodrigo Mello Franco de Andrade encontrava-se em perfeita consonância com o de Mário. No “Programa” da revista do novo órgão, lançada em 1937, Rodrigo ressaltava: “O presente número desde logo se ressente de grandes falhas, versando quase todo sobre monumentos arquitetônicos como se o patrimônio histórico e artístico nacional consistisse principalmente nestes. A verdade, entretanto, é que, tal como foi definido pelo decreto-lei de 30 de novembro, aquele patrimônio se constitui do ‘conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por se acharem vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico’. Equiparam-se ainda a esses valores ‘os monumentos naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana’.” Era de esperar a ênfase conferida, na época, aos bens monumentais arquitetônicos. Fazia-se realmente necessária uma política de proteção, com caráter de emergência, diante da ameaça de total destruição a que achavam expostos aqueles bens na década de 30. E o Serviço do patrimônio teve o descortino de não só tomar consciência das prioridades de ação exigidas pelo momento como também de efetivamente atuar para atende-las. A geração de Rodrigo e de Mário preservou pra nós os monumentos expressivos do passado ainda existentes no território nacional, quando assumiu essa responsabilidade.
Contradiz também a auto-exigência e o rigoroso escrúpulo de Rodrigo Quanto às  “grandes falhas” da primeira publicação, o fato de constarem dela, e das subsequentes, ensaios sobre a proteção à natureza, culturas indígenas, arquitetura popular, pesca, arqueologia.
Diante de uma sociedade em permanente e desigual transformação, num momento histórico diverso, é nossa tarefa procurar adequar os serviços deste Instituto às solicitações do nosso tempo.
Inscrevem-se nessa preocupação os estudos atualmente em curso objetivando integrar ao IPHAN dois outros órgãos que nos últimos anos vêm ampliando nosso envolvimento com os bens culturais brasileiros: o Programa de Cidades Históricas e o Centro Nacional de Referência Cultural. A fusão desses esforços nos permitirá enfrentar o desafio de hoje com a esperança de acerto que nos compele a solicitar a participação de todos – do indivíduo à comunidade – para o diálogo contínuo e aberto, imprescindível e contemporâneo a qualquer ação que se faça sentir sobre um patrimônio cultural comum.
Esta publicação é um primeiro passo nesse sentido.
Terá cumprido a sua função quando as respostas e iniciativas que suscitar venham integrar-se a uma prática coletiva, elaborada continuamente, que entenda os bens culturais como expressão completa da qualidade de vida do homem.”
( Aloísio Magalhães Diretor-Geral do IPHAN – Editorial do n.º0 Publicação IPHAN – 1979)


_________________________________________________________________________________
"(...)
O IPHAN orientou-se pela ideia de cobrir todo o país, nem sempre ouvindo a comunidade sobre a conservação de seu patrimônio. Não sou a favor desta ideia. Esta postura elitista de tantos anos talvez seja consequência do próprio sistema político brasileiro, no seu sentido histórico e tradicional. a ação que vamos procurar empreender é tentar fazer com que a comunidade, nos seus afazeres e na sua vida, se conscientize de sua ambiência cultural. Isto é, temos que procurar dar à comunidade um status de vida que lhe permita entender por que determinado prédio está sendo preservado. Em outras palavras, a própria comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio."
( Aloísio Magalhães - Secretário do Patrimônio Histórico e Artístico nacional e Presidente da Fundação Nacional Pró-Memória - Publicação IPHAN N.º 4 DE  janeiro/fevereiro 1980. p. 11 Artigo: "Bem cultural é fator de desenvolvimento")
_____________________________________________________________________________
"(...)
Todos os esforços, todos os recursos financeiros, todas as metodologias que se possam fazer através da ação federal, da ação estadual, da ação municipal, eles têm sentido de apoio tecnológico, de recursos financeiros, de interação com a realidade. Mas, fundamentalmente, é a comunidade quem deve determinar esta política, quem deve participar na escolha, na defesa, na maneira como que deve se proceder dentro dos critérios tecnológicos determinados pela legislação competente, o que deve ser preservado, como deve ser preservado, e, sobretudo, a guarda desses bens."

(...)
É nesse sentido que a tarefa da preservação do patrimônio cultural brasileiro em vez de ser uma tarefa de cuidar do passado é, essencialmente, uma tarefa de refletir sobre o futuro. Muita pouca gente, e são poucas as áreas no nosso país que estão preocupadas com esse tipo de reflexão. É verdade que estamos diante de problemas muitos complexos, que temos que "apagar incêndios", que temos que resolver problemas terríveis: balanço de pagamento, inflação. Tudo isso constitui essa realidade impressionante, do dia-a-dia de nós todos. É opressivo e é terrível. Mas não sairemos desse buraco, não conseguiremos construir um desenho projetivo do Brasil, nem nenhum modelo que seja verdadeiramente importante para a Nação brasileira, se isso não for feito à base daquilo que nós somos, das referências da nossa identidade. De forma que a mensagem do Patrimônio, a mensagem de nós que nos ocupamos da preservação do em cultural é uma mensagem projetiva, é uma mensagem para o futuro, que nada tem a ver com o saudosismo, com os componentes de uma memória apagada e morta, guardada por uma questão puramente de saudosismo.

(Aloísio Magalhães. O Papel do Patrimônio Cultural no Futuro da Nação. Publicação SPHAN PróMemória . Agosto de 1982. pág. 17, 18).

Nenhum comentário:

Postar um comentário