SOBRE O INVENTÁRIO
“Desde
a sua criação em 1964, o Inventário Geral se sutou numa linha decidida
claramente moderna, mas com a particularidade de se estabelecer graças à
pesquisa in situ, no contato com os
habitantes, os usuários, os interessados. Por essa via, em todos os
lugares, a ligação com os trabalhos de tecnologia concreta ficaram fáceis e,
sobretudo, apostou-se na eficácia da tomada de consciência local
como fator primordial de valorização, de apreciação, de preservação dos bens de
cultura. Gostaríamos que o Inventário Geral assim desenvolvido aparecesse como a
obra de uma vitalidade intelectual, aguçada pelo sentido das realidades
presentes, o que significa, sem dúvida, em última análise, a referência metódica
ao espaço-tempo, que é a dimensão de nossas existências como berço de todo o
valor do patrimônio.”
(...)
“somente um repertório sistemático permitiria guiar as
organizações de turismo, dar suporte às finalidades do ensino, orientar a
pesquisa arqueológica e histórica, e dar, enfim, as comissões responsáveis pelos
monumentos históricos e pelo urbanismo, os elementos de ação
suficiente.”
(CHASTEL, André. Architecture et patrimoine. Paris: Impimerie
Nationale, 1994: 138).
“(...) um trabalho de inventário não poderia ficar limitado a
considerar o bem na sua feição material e formal, mas deveria tratar também de
seu processo histórico de produção e transmissão, e buscar acrescentar á
pesquisa os diferentes sentidos e valores que são atribuídos a esses bens. Ao
lado dos valores históricos, artísticos, etnográficos etc. há um valor de
referência, ou seja, o papel de determinados bens culturais na construção das
identidades coletivas.
(...)Gostaria de lembrar que, nos inventários ditos de
conhecimento, a pesquisa deve ser extensiva, o mais abrangente possível, de modo
a captar o máximo de informações, porque a ideia é justamente captar o novo, e
não sabemos bem onde o novo vai levar. Se já se começa a podar, a seleciona,
pode-se perder informações importantes. Por outro lado, é
impossível conduzir um processo de coleta de informações sem fixar limites no
universo a ser pesquisado. Esse me parece ser um problema metodológico
importante, mas que deve ser equacionado para que os trabalhos de
inventário possam servir a objetivos mais amplos de que apensas
subsidiar a restauração e a proteção legal do bem.”( pág. 34)
(...)
Finalmente, hoje esperamos que os inventários de bens e processos
culturais forneçam informações para enfrentarmos os problemas complexos que se
apresentam não só à área da cultura como às outras áreas (educação, habitação,
urbanização etc.) ou seja, que forneçam também elementos para lidarmos com uma
série de demandas, que num momento democrático como o que estamos vivendo, pelo
menos de democracia política, se manifestam através de uma série de pressões de
grupos mais ou menos organizados, pressões que são muito salutares, que cobram
do Estado decisões e ações. (pág.37)
(...)
Logo,
no caso dos centros históricos, os inventários dizem respeito não apenas a um
conjunto de imóveis, mas também a um ambiente, ao modo como determinados
sujeitos ocuparam aquele solo, como usam e valorizam os recursos naturais e
culturais de que dispõem, como constroem seus prédios, como elaboram sua
história etc. Todos esses conteúdos constituem referências culturais que
singularizam aquele espaço e que possivelmente são marcos para que os grupos que
ali vivem construam sua identidade coletiva. (pág.38)
Nesse
caso, o conhecer é o primeiro passo para proteger essas referências, e o fato de
explicitá-las, enuncia-las, e , na medida do possível de documentá-las, chama a
atenção pra o fato de que se trata de um espaço vivido, e também vivido.
Protegê-las também no sentido de chamar a atenção para a dimensão simbólica do
patrimônio cultural, e para a possibilidade de perda dos marcos dessas
referências. (pág. 38)
A
identificação desses valores possibilita que a intervenção nos centros
históricos signifique, portanto, uma contribuição, para que a atuação dos órgãos
que executam essa tarefa se faça levando em conta o interesse (ou não) de
preservar determinados valores simbólicos.
Trata-se, portanto, de não apenas restaurar os imóveis antigos, como de
dar à área uma distinção que atenda às necessidades e aos interesses de uma
comunidade.(pág. 38)
Ao
lado da preocupação com a dimensão simbólica da recuperação de áreas urbanas
antigas, cada vez se torna mais importante a busca de soluções que garantam
àquelas áreas um mínimo de auto sustentabilidade econômica, pois já se sabe que
dificilmente o poder público tem condições de arcar sozinho com esse ônus. Nesse
sentido, o turismo cultural tem sido a alternativa mais explorada, inclusive por
parte de organismos internacionais como a Unesco, mas já se verificou também que
a dependência apenas do mercado turístico não é suficiente. É preciso aliar essa
alternativa a formas de ocupação e de uso mais contínuas, sedimentadas. As
soluções encontradas nos diversos casos são variadas, e vão desde equipamentos
culturais ateliês de artistas e artesãos, galerias de arte, área de lazer, a
residências, serviços comerciais e assistenciais etc. (pág. 39)
(...)
Concluindo, quero dizer que o termo inventário de conhecimento evoca para mim exatamente essa tentativa constante de apreender uma
dinâmica, à medida que não se levantam apenas aspectos materiais e formais, mas
também referências culturais, valores vivos que estão sendo constantemente
produzidos e reelaborados, ainda que os bens como que lidamos diretamente
pareçam desmentir , com sua solidez e permanência, essa dinâmica." (pág.39)
FONTE: (LONDRES
Cecília. A noção de Referência Cultural nos Trabalhos de Inventário. Inventário
de Identificação: um programa da experiência brasileira/ org. Lia Motta, Maria
Beatriz de Resende Silva. – Rio de Janeiro: IPHAN, 1998. PÁG. 27 a
39.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário