PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

CARTILHA - CARTILHA DE CONSERVAÇÃO - O TURISTA

 CARTILHA DE CONSERVAÇÃO
O TURISTA
Autor: Carlos Henrique Rangel


O Senhor entrou na igreja olhando com admiração o belo teto.
Uma pintura colorida em azul, vermelho, branco.
Uma senhora limpava o chão de tábuas com um esfregão e o Senhor se dirigiu a ela.
- Boa tarde.

- Boa. – Respondeu a senhora parando o seu serviço.

- Linda igreja... – Disse o homem olhando ao redor.

- Ah... É sim. Mas já foi mais... Tem problemas.

- Problemas?- Perguntou o Senhor.

- Sim senhor. Vem cá para o senhor ver. – Chamou a mulher.

O Senhor a seguiu curioso. A pequena gorda senhora apontou
uma trinca na parede.

- Olha só. E tem mais lá na sacristia...

- Senhora... Como é mesmo o nome da Senhora?

- Jandira... Pode me chamar de Jandira... Sou ajudante do Padre Zé.

- Muito prazer... Meu nome é Jorge. Já notou que não sou daqui.

- É turista né?Aqui vem um monte de turista todos os dias...

- É, sou e não sou...

- Ora Seu Jorge, ou é ou não é...

- É que estou de férias sim, mas também nunca deixo de trabalhar...

-Que trabalho bom... Ficar olhando as igrejas dos outros...

Jorge riu.
- É mais ou menos isto que eu faço. Eu sou arquiteto e trabalho com Patrimônio Cultural...


-Espera! Não precisa falar... Eu sei o que é isto: é esse monte de coisa que nossos avós construíram ou fizeram... A igreja por exemplo.


-Isto. Toda a produção cultural de um povo, os bens culturais materiais e imateriais: festas, igrejas, praças, Músicas, causos... Tudo isto é Patrimônio Cultural e diferencia uma Cidade, comunidade ou lugar de um outro...  

-Falou bonito Seu Jorge. –Disse a D. Jandira batendo palma.

- É Dona Jandira, tudo isto está relacionado com passado, memória, identidade e cidadania.

- O senhor tem certeza que é arquiteto? Tá mais para poeta...
Novamente o Senhor Jorge riu.

- Pois é Dona Jandira, eu cuido de igrejas como esta.

- Uai que bom! Então pode começar a cuidar desta que eu vou fazer muito gosto.

– Disse a Dona Jandira entregando a esfregão para o Visitante.

-Não é desse jeito não Dona Jandira... Eu faço projetos, acompanho obras de restauro e oriento...

- restauro?

- Bens culturais como essa igreja devem ser restaurados. Ou seja, As obras devem
manter as características originais do bem...

- Tá bom... Já vi que o piso de lajota que o padre quer vai ficar no querer...

- Disse a Senhora olhando o piso de tábuas.

- Isto não pode. O bonito desta igreja é o que ela tem de original e que vem seguindo anos e anos essa linda comunidade...

- Mas o senhor fala bonito eh! – O Arquiteto sorriu.

- Então tá, Seu Jorge. Já que o senhor não vai esfregar o chão, pode ajudar nestas trincas?O Arquiteto olhou detalhadamente a parede da nave, a parede da Capela Mor, o altar...
- Olha Dona Jandira, essas trincas podem ser um problema com a fundação...

- Pode ser sim.. A igreja foi fundada há tanto tempo...

- Não é esse tipo de fundação... Fundação é o alicerce, a base da igreja...- Sorriu o Senhor.

- Ah bom... O alicerce aqui é todo de pedra... Cada Pedrão...

- Pois é, o alicerce sustenta a igreja... Pode ser que esteja havendo movimentação da terra  que pode está causando afundamento do alicerce. Isto acaba afetando as paredes.

- Será? – Perguntou a senhora pondo a mão no queixo.

- Pode ser.

- Mas então o que pode ser feito nestes casos? – Perguntou a Dona Jandira.

- Para evitar esse tipo de problema é preciso que não se deixe cair a Água da chuva direto no terreno da igreja. Para isto as tubulações, as calhas que recebem as águas da chuva, das torneiras ou do esgoto devem estar em bom estado, sem vazamento.
Temos que limpar periodicamente as caixas de inspeção e valas. E claro, providenciar tratamento de limpeza das peças apodrecidas por insetos...

- Não sei como é que anda isto não...- Disse a senhora pensativa.

- Mas pode ser outra coisa... O trafego de veículos também abala as paredes das casas e igrejas antigas...-ahh, Eu já cansei de falar para o Padre Zé que esse negócio de caminhão passando aqui do lado não cheirava bem...Isto tem que ser visto com calma. O Trafego de veículos pesados pode e deve ser desviado para outra área...

- Pois é e estas paredes nem de tijolos são... Quero dizer, não esses tijolos modernos...São de Adobe... Mas existem algumas de pau-a-pique...

- Mas o Senhor é danado hem? Eu pensei que o Senhor não sabia. - O arquiteto Jorge riu novamente do jeito engraçado da Senhora.


- É, temos paredes de pedras, de adobe, de taipa, de pau-a-pique  e as mais modernas, de tijolos de alvenaria. As igrejas de taipa precisam ser revestidas de argamassa e pintura à base de cal  para poderem respirar como esta aqui. – Disse ele mostrando a parede.  

- Não pode colocar cimento?- Perguntou a Senhora.

- Cimento não vai deixar a parede “respirar”e vai acabar deslocando e caindo. A umidade que sobe dos alicerces podem atingir a parede e os rebocos. Isto vai gerar manchas e até  deslocamento... Até vegetação pode nascer nas trincas...Também é aconselhável não furar as paredes com pregos. Você pode usar trilhos para pendurar objetos decorativos que não danificam as paredes.

- Bom saber...- Disse a Senhora abaixando a cabeça.

- Para limpar as paredes de pedra e tijolo, a senhora deve lavá-las com água e detergente neutro, evitando o excesso de água, utilizando uma escova suave para não causar desgaste na pintura.  

- E o chão Seu Jorge? Se não podemos trocar esse piso, como podemos cuidar dele?
   - O Arquiteto deu uma boa olhada nas tábuas.

- Olha Dona Jandira, o piso não é só um lugar de pisar.

- Não!? Serve para quê mais? – Perguntou espantada a Senhora.

- Ele é decorativo, enfeita a igreja... Protege os fiéis da umidade que vem do solo...
- Decorativo... Ehhh... É bonito... E trabalhoso...

- Pois é, Dona Jandira, se não cuidar  a senhora vai ter muito mais trabalho... Esse piso de tábua precisa de cuidados: Não devemos deixar acumular água ou goteiras para evitar que surjam fungos e apodrecimento da madeira. Devemos substituir as peças estragadas para não atrapalhar todo o conjunto. E claro, devemos vigiar e controlar sempre para não deixar surgir cupim e broca. Para limpar, use sempre um pano levemente umedecido ou quase seco, assim a senhora tira a poeira... Em seguida deve aplicar a cera de madeira. Depois disso a Senhora só deve usar uma vassoura de pelo macia para retira a poeira... Nada deste esfregão...

- Eta homem sabido...

- Os barrotes - as peças de madeira que sustentam o piso, precisam de cuidados constantes... A senhora ou o Padre devem olhar se não há vazamento da tubulações de água, de esgoto.O piso pode ser afetado também pelos problemas no alicerce...

- Ah sei, a tal da Fundação....

- Os pisos de ladrilho hidráulico devem ser limpos com água e sabão neutro sempre que for preciso. Pode ser usado um pano úmido em outras vezes ou encerados. Peças quebradas devem ser substituídas.

O arquiteto olhou para o alto e viu algumas mancha.

- A cobertura... O telhado, deve ser constantemente visitado. Como a senhora sabe, o telhado protege as paredes e tudo mais aqui dentro.

- Isto eu sei. Quando chove é um Deus nos acuda... Chove lá fora e aqui dentro...

- Pois é, existem telhas quebradas ou deslocada ou mesmo acumulo de sujeira e isto causa goteiras. Pode ser que o problema seja a pouca declividade do telhado...

- Pode ser mesmo... Nós nunca colocamos essa tal de “declividade”.
  O Arquiteto conteve o riso.
- Declividade é ... Como posso dizer... O telhado tem pouca curvatura e a água se acumula e acaba descendo para dentro da igreja. Agora, as calhas também precisam estar limpas para deixar a água descer...

- É... Se o Senhor diz...

- Mas tem as esquadrias...

- Tem não Seu Jorge... Só em junho... – Disse a Senhora balançando o dedo.

- Não é Quadrilha... Eu disse Esquadrias...

- Ahhh bom! ...O que é isto? - Perguntou a senhora.

- São as portas e janelas...

- Que nome chique para porta e janela...

- Pois é, as portas e janelas sofrem muito com as chuvas e com o Sol...Com os cupins e brocas... E se não cuidarmos constantemente o problema só piora. Também não se pode trocar janelas antigas por modernas...
Não em bens culturais como essa igreja, protegidos pelos órgãos de preservação.

- Mas então como é que fica. Se estraga a janela não pode trocar?

- Pode sim. Quando não tem mais jeito substitui-se a janela por modelo parecido, de preferência construído com madeira idêntica às outras janelas.

- E tem que trocar os vidros quebrados...

- Isto mesmo Dona Jandira. Quebrou, trocou... Assim não entra água e não apodrece a madeira. No caso das ferragens das janelas, é necessário lubrificar de quando em quando e retirar o excesso de tinta que impede a janela de fechar direito.Peças enferrujadas devem ser lixadas...

- E o forro? Sei que depois que arrumarmos o telhados vamos ter que reformar...

- Restaurar. O Forro tem que passar por uma restauração feita por um especialista.
- Aqui tem. O Manuel sambista. Ele faz tudo para a Escola de Samba... Restaurou
a imagem de Nossa Senhora que ficou lindinha... Até ruge ele pôs...

- Não, Dona Jandira, restauração é coisa séria, tem que chamar um profissional que estudou para isto. – Disse o Arquiteto horrorizado procurando a imagem de Nossa Senhora. 
- Dona Jandira, as imagens e o altar devem ser limpos adequadamente. A senhora deve olhar se tem sujeira. Se o pó está preso à imagem... Deve olhar se tem ataque de insetos se há furos... Olhar se a pintura ou douramento está desprendendo... Se existem partes soltas...Muitas vezes o local onde a peça está não é adequado. O local deve ser limpo... Sem pó nos pisos e paredes...
 No caso de pinturas na parede a senhora  não deve encostar móveis nem elementos que possam desgastar ou danificá-la. Não furar com pregos ou coisa parecida para pendurar objetos; Evitar iluminação direta sobre as pinturas;Não fixar avisos e cartazes diretamente sobre as pinturas;Orientar os fiéis para não tocar as pinturas.
Para limpar as imagens e os altares a senhora deve usar uma trincha
macia, limpa e seca. Tudo isto com muito cuidado. Removendo sempre os fungos porque eles podem se espalhar contaminando as outras imagens e até a senhora.

- Deus me livre! – Se benzeu a Senhora assustada.

- Olha Dona Jandira, para carregar uma peça destas a Senhora tem que usar as duas mãos...E luvas....

- Ai que chique...

- E com delicadeza... Suave mas com firmeza...Dona Jandira, o mais importante é a conservação que nós chamamos de “Preventiva”. Ou seja, devemos cuidar para impedir os danos e a deterioração. Há coisas simples que podem ser feitas; acondicionar o lixo dentro de sacos plásticos e colocá-lo na rua na hora do lixeiro passar... Olhar periodicamente as caixas de papelão ou caixotes que estão atrás de armários, gavetas para ver se tem roedores...Evitar acumulo de entulhos...Colocar telas metálicas nas aberturas  dos telhados ou telas de nylon em beirais por causa dos pombos...Os ninhos destes devem ser removidos...- Continuou o Arquiteto.

- Ai meu Deus... Mais trabalho para mim...
-Para a Senhora sozinha não... A igreja é de todos e toda a comunidade deve ser envolvida para cuidar sempre deste patrimônio maravilhoso que vocês possuem. Vigie sempre...

- Vamos vigiar sim...

- Agora Dona Jandira, sempre que o problema for além das possibilidades da comunidade, chamem um técnico especialista.

- Pois é Seu Jorge, que tal o senhor parar essas suas férias...?

O arquiteto sorriu.
-          Vou pensar...- ajoelhou diante do altar e começou a orar.
FIM

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