PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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quinta-feira, 8 de agosto de 2024

História de Vida - Carlos Henrique Rangel

 HISTÓRIA DE VIDA

PARTE I
Meu nome é Carlos Henrique Rangel, filho de Zilá Costa Rangel e Carlos Athayde Rangel.
Nasci na Rua Salinas, bairro Santa Teresa, Belo Horizonte, em 12 de maio de 1958, no mesmo dia de nascimento do meu pai.
Moramos depois na rua Silvianópolis, de frente para o ''Isolado'' um hospital de tuberculosos no bairro Santa Tereza.
Minha mais antiga lembrança vem desta morada.
Marcante é a lembrança do causo dos fantasmas associados ao ''Isolado''. Diziam que após a meia noite, fantasmas de dois enfermeiros carregando uma maca atravessavam os muros altos do hospital.
O engraçado é que, sempre que lembro da estória, consigo visualizar a cena.
Outra lembrança é a do nascimento da minha irmã Tereza Cristina.
Quando ela nasceu - criança que éramos - ouvimos o choro e saímos correndo para fora de casa para ver o avião que a jogara para dentro do quarto e até o vimos.
Tereza nos foi apresentada ainda com machas de sangue e aquilo só provava que o avião a jogara de qualquer jeito.
Depois mudamos para o Bairro Sagrada Família - Rua Genoveva de Souza onde morei até os meu dez anos.
Minha lembrança mais marcante é da minha gata e seus três filhotes.
Eles foram sumindo um por um e acabei descobrindo o mistério quando só restava o ''Amaro".
Em uma noite, vi meu pai saindo de casa e pegar o Amaro. Ele abriu o portão e saiu em direção ao Campo do Sete de Setembro, mais tarde conhecido como ''Independência''. O culpado era meu pai. Quando chegou nos altos muros do campo, ele jogou o pobre gato para dentro do campo.
Voltei para casa antes dele e já sabia o que ia fazer no outro dia.
Bem cedo, fui ao campo e achei o Amaro, levando-o de volta para casa.
A surra que levei compensou.
Pai e mãe acabaram por me deixar ficar com o gato, mas disseram que seria o único que teria.
Quando mudamos para o Vale do Jatobá - em 1968 - levamos o Amaro.
A verdade é que não era por ruindade que meus pais não queriam que eu tivesse um gato.
Eu tinha sérias crises de asmas e apesar de várias simpatias realizadas com presteza por minha mãe, elas não passavam.
- Escarrar dentro de um cará que seria enterrado foi uma delas.
Um dia, minha mãe me fez comer uma carne muito salgada.
O estranho ou a coincidência, é que, nesse mesmo dia, o Amaro desapareceu e nunca mais voltou.
Até hoje não sei se era carne de coelho ou a carne do Amaro.
Mamãe nunca deixou isso muito claro.
Quando mudamos para o ''Vale'', o bairro de casas populares da COHAB ainda não tinha nem água e nem luz.
As casas pequenas e iguais nos faziam perder e errar a casa várias vezes quando íamos à bica buscar água.
Eu e minhas irmãs, Fátima, Simone e Tereza, começamos a contar as casas para encontrarmos a nossa.
Apesar de pobres, lembro de ter televisão em casa desde os sete anos.
Aquele período sem assistir TV nos atormentava mais que a escuridão iluminada por vela ou lamparina.
A luz foi se instalando no bairro aos poucos, começando lá no alto da rua 240, onde morávamos.
Então, de noite, para assistirmos a novela ficávamos no muro de uma casa olhando a televisão de um privilegiado morador.
Não ouvíamos nada, mas as imagens nos reconfortava.
Com o tempo água e luz chegaram e a vida foi se normalizando.
Outras boas lembranças desta época foram se acrescentando com o tempo e abordarei em outra postagem.

PARTE 2

Continuando a minha estada no Vale do Jatobá, uma boa lembrança de fim de semana eram os nossos passeios à Cachoeira do Coquinho que fica - se não me engano - no município de Betim.
Subíamos a rua 240, passávamos a caixa d’água do bairro, entravamos em uma trilha no mato.
Descíamos morro. Subíamos morro e novamente descíamos chegando em um pequeno riacho com uma pequena cachoeira onde nadávamos um pouco. Fazíamos um lanche e voltávamos cansados quase ao fim da tarde.
Erámos como bandeirantes desbravando o interior.
Um bando de famílias com crianças de 12 a 6 anos avançando arriscadamente em mato escorregadio.
O ponto alto era o túnel feito de pedra que chamávamos de Túnel dos Escravos.
Pouco depois da boca, havia uma escadaria cheia de musgo devido a água que vinha do seu interior.
Meninos que éramos, não arriscávamos muito além da boca, com medo do que abrigava.
Até hoje não sei o que era ou a que servia.
Outra diversão era pescar na lagoa que havia no início do bairro.
Eu costumava pescar até uns vinte peixes de uns dez centímetros, que punha em uma lata com água, para em casa colocá-los no barril com água que tínhamos em casa.
Um dia mais feliz de pescaria, eu havia adquirido bastante peixe. Cheguei em casa animado, mas ao despejar o conteúdo no barril constatei que havia sido roubado, me restando apenas uns três peixinhos.
Nunca mais confiei nos colegas de pescaria.
Outra lembrança, essa um pouco sinistra e cruel: As caminhadas para a Escola Sesi Minas – onde estudava - em época de migração de sapinhos que saiam do córrego e caminhavam às centenas para a lagoa seguindo no encostamento da estrada.
Saímos pisando-os, nos deliciando com o barulho que faziam ao serem esmagados pelos pés destes pré-adolescentes cruéis.
De triste lembrança foram as caçadas que fazia com a minha espingarda de chumbinho que ganhei do Tio Haroldo.
Ainda bem que não era muito bom de mira e matei poucos passarinhos.
Uma vez persegui um casal de coruja por todo o mato indo e voltando, para, por fim, acertar uma delas. A maior ave que já matei.
Cedinho, mesmo nas manhãs frias ouvia o grito do padeiro cortando o silêncio.
- Padeirooo!
Aquele grito, no início me parecia sobrenatural, solto no ar. Sem uma boca e garganta que o emitia.
E era mágico.
Sempre após a sua passagem, sabia que ia encontrar na sacola de pano previamente esquecida no lado de fora da porta da cozinha, uma bisnaga de pão ainda quente.
Minha mãe recolhia a sacola e logo íamos tomar café nos preparando para ir para a Escola.
Um dia o grito do padeiro ganhou boca, garganta e corpo, quando o vi pela janela.
Uma figura de jaleco e boné brancos carregando uma enorme cesta abarrotada de pão.
Seria de se esperar que a magia se diluísse após esse encontro da boca que gritava a palavra mágica, que fazia surgir o pão que nos alimentava todas as manhãs.
Isso não aconteceu. Só aumentou o respeito e a curiosidade por essa pessoa boa que entregava pão de casa em casa.
Devia ser muito rica e sem muito o que fazer para sair com chuva ou com escuridão para levar pão para todo mundo.
Havia outras mágicas e constantes presenças sem as quais o dia não nasceria bem.
Logo depois do padeiro, vinha o Luís e o seu tradicional assovio chamando os seus três cachorros.
E então o dia podia nascer com todos os seus sons, Sol e correria para ir para a Escola.
Eu corria para ir para o Colégio SESI Minas "Hamleto Magnavacca", onde chegava às seis e meia, antes de todos os alunos e professores.
Encontrava o portão fechado sempre, já que a aula só começava às sete horas.
Fazia isso desde o grupo e depois continuei a fazer quando estudei no IMACO.
Era o primeiro a chegar na porta do Colégio escondido no meio das árvores do Parque Municipal.
A diferença é que no IMACO eu tinha concorrência. Um outro aluno queria me destronar do posto de “primeiro a chegar”. De certa forma isso animava o dia. Ter um concorrente nessa disputa sem prêmio ou troféu. Mas isso foi alguns anos depois, quando voltamos para a Sagrada Família.
O Vale do Jatobá sempre foi um lugar diferente e mágico para nós crianças.
Logo quando mudamos para lá - em 1968 - não havia água nem luz e as casas da COHAB eram todas iguais.
Com o tempo, humanos que somos, fomos deixando nossas marcas nas casas.
Uma cortina, uma cor diferente, um cercado de arame.
O bairro deixou de ser um pombal homogêneo.
Depois do Vale, nunca mais vi aquele tipo de padeiro.
*Carlos Henrique Rangel.

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