Fonte: RABELLO, Sônia. o Estado na Preservação dos Bens Culturais. Rio de Janeiro, IPHAN, 2009. p. 87 a 89.
5.3.3. Restrições ao tombamento de bens públicos e privados
o art. 2º do Decreto-lei 25/37 estabelece que:
Art. 2º - A presente lei se
aplica às coisas pertencentes às pessoas
naturais, bem como às pessoas
jurídicas de direito privado e de
direito público interno.
Com a menção específica às
pessoas jurídicas de “direito público interno” pode-se inferir que, a contrario
sensu, excluem-se da possibilidade de vir a ser tutelados, através do
tombamento, os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público
externo.
o art. 3º do Decreto-lei 25/37
exclui, expressamente, de integrarem o patrimônio histórico e artístico
nacional as seguintes obras de origem estrangeira:
Art. 3º (...)
1º) que pertençam às representações diplomáticas
ou consulares
acreditadas no país;
2º) que adornem quaisquer veículos pertencentes a
empresas estrangeiras, que façam carreira no país;
3º) que se incluam entre os bens referidos no
art. 10 da Introdução ao
Código Civil, e que continuam
sujeitos à lei pessoal do proprietário;
4º) que pertençam a casa de comércio de objetos
históricos ou artísticos;
5º) que sejam trazidas para
exposições comemorativas, educativas
ou comerciais;
6º) que sejam importadas por empresas
estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos. Feitas
essas exceções, todos os demais bens existentes no território nacional, sejam
eles públicos ou privados, podem sujeitar-se ao tombamento pelo órgão federal.
Portanto, não há o que se discutir quanto à possibilidade jurídica de a
autoridade federal competente tombar bens pertencentes à própria União, ou pertencentes
aos Estados ou aos Municípios. A eventual existência de outro interesse federal
sobre um mesmo bem não impede, necessariamente, seu tombamento, já que não há
na lei qualquer restrição a este fato. Isto pode ocorrer quando o órgão federal
decide tombar determinada paisagem que tenha de ser modificada em função de construção
de obra pública federal. Neste caso, há duas possibilidades: ou o ministro não
homologará a decisão do Conselho à vista do outro interesse federal ou, sendo o
interesse superveniente, o assunto inserir-se-á na competência do presidente da
República, que poderá proceder ao cancelamento do tombamento, “atendendo a
motivo de interesse público”, tanto de bens públicos, quanto de bens privados
(Decreto-lei 3.866/41).
Há outra hipótese: é a de
tombamento federal sobre bem estadual que impeça a construção de obras públicas
também de interesse estadual. teria o Estado direito ao cancelamento? Aí
teríamos um conflito de interesses: o federal, de preservar; e o estadual (ou
municipal), de construir a obra pública. ocorrendo esta hipótese, o Estado (ou
Município) não teria direito ao cancelamento, pois se sobre o mesmo bem houver
conflito de interesses, prevalecerá o interesse federal sobre o interesse
estadual, e deste sobre o municipal.
Com relação a tombamento de bens
públicos, a dúvida geralmente levantada é quanto à possibilidade jurídica de Município tombar bens da União ou dos Estados,
ou de Estados tombarem bens públicos federais. Há quem argumente quanto à impossibilidade
de entidades políticas “menores” procederem à proteção de bens públicos de
entidades
“superiores”, por analogia à lei
de desapropriação. Não cabe de forma alguma este entendimento, pois seria
estender a outro instituto uma interpretação restritiva, fazendo exceção onde a
própria lei não o faz; não há qualquer razão de se fazer a transposição
analógica restritiva de um instituto (desapropriação) para outro (tombamento).(grifo nosso)
A Constituição garante e prevê o
dever de qualquer das entidades políticas proceder à proteção de bens culturais
de seu interesse, não excluindo ou restringindo este exercício pelo fato de o titular
de domínio ser ou não pessoa de direito público. Ora, se o particular pode
ter limitações à sua propriedade, tendo em vista o interesse coletivo, não há
razão para que entidade de direito público também não as possa ter, já
que em qualquer caso existe o interesse público. (grifo nosso)
As entidades políticas não se
podem subtrair ao legítimo exercício, pelas outras, do poder de polícia contido
no âmbito de suas atribuições, de conformidade com o sistema jurídico. Em nosso
sistema federativo, o ato administrativo legal deve ser cumprido, e impõe
respeito a toda pessoa jurídica de direito público. Em função disso, mesmo
um tombamento realizado em nível municipal não poderia ser revisto, cancelado
ou tornado
sem efeito pela União ou pelo
Estado, se tiver sido legalmente praticado. (grifo nosso)
Ressalte-se apenas a hipótese de
acontecer conflito de competência sobre o mesmo objeto. Neste caso, haverá
prevalência do interesse federal sobre o estadual ou municipal, ou daquele em
relação a estes. Se existe, sobre o bem tombado, interesse federal, como, por
exemplo, relativo à segurança nacional, que seja incompatível com a manutenção do
tombamento estadual ou municipal sobre este bem, prevalecerá, obviamente, o
interesse federal em detrimento do tombamento de interesse estadual ou
municipal.
(“A
União, os Estados e os Municípios têm competência concorrente para preservar o
patrimônio histórico e artístico. Quanto à possibilidade de algumas dessas
pessoas jurídicas tombar bem do domínio de outra não há, na Constituição,
proibição expressa. o tombamento, por sua vez, é comparado com a limitação
administrativa como se vê no seguinte trecho: ‘os efeitos do tombamento, em
grande parte, afetam o exercício do direito de construir, e as normas que os
discriminam
se inscrevem entre os “regulamentos administrativos”, integrando a chamada
“legislação edilícia”.’ ora, não há porque supor que a União, ou qualquer outra
entidade de direito público, fique imune à observância de tais
regras.
Editadas pelo Município, no uso de competência que o sistema constitucional lhe
reconhece, não exclui a respectiva incidência o fato de pertencer o imóvel a
outra pessoa jurídica de direito público, ainda que de nível superior. (...) Na
aplicação destes princípios (...): ‘Assim também se há de entender mesmo no
tocante a outros aspectos da matéria. Fazendo competentes o Estado e o
Município para proverem a tutela do interesse, que acaso tenham, no resguardo
de valores históricos, artísticos ou paisagísticos, não diz a Lei Maior,
explícita ou implicitamente, que tal competência deva cessar, e desproteger-se
o interesse, quando porventura hajam de recair sobre a União os ônus impostos
por aquela atividade protetora.’ (...) Em termos mais gerais, poder-se-á
afirmar que as entidades políticas maiores não se subtraem, pela mera
circunstância, da sua preeminência, ao legítimo exercício, pelos menores, do
poder de polícia contido no âmbito de suas atribuições, de acordo com o
ordenamento. (...) o que deve reconhecer é tão-somente a prevalência do
interesse federal (...) quando as restrições decorrentes do tombamento, por
entidade menor deste ou daquele imóvel do domínio federal, viessem a revelar-se
incompatíveis com as exigências da segurança nacional, que à União incumbe
tutelar. (...)
Assim,
em princípio, inexiste óbice a que a administração municipal tombe bens do
Estado ou da União.” (José Carlos Barbosa Moreira, Revista da Procuradoria
Geral do Estado, p. 42 e segs.)
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