CARTILHA DE CONSERVAÇÃO
O TURISTA
Autor: Carlos Henrique Rangel
4 de outubro de 2019.
O Senhor entrou na igreja olhando com admiração o belo teto.
Uma pintura colorida em azul, vermelho, branco.
Uma senhora limpava o chão de tábuas com um esfregão e o Senhor se
dirigiu a ela.
- Boa tarde.
- Boa. – Respondeu a senhora parando o seu serviço.
- Linda igreja... – Disse o homem olhando ao redor.
- Ah... É sim. Mas já foi mais... Tem problemas.
- Problemas? - Perguntou o Senhor.
- Sim senhor. Vem cá para o senhor ver. – Chamou a mulher.
O Senhor a seguiu curioso. A pequena volumosa senhora apontou
uma trinca na parede.
- Olha só. E tem mais lá na sacristia...
- Senhora... Como é mesmo o nome da Senhora?
- Jandira... Pode me chamar de Jandira... Sou ajudante do Padre Zé.
- Muito prazer... Meu nome é Jorge. Já notou que não sou daqui.
- É turista né? Aqui vem um monte de turista todos os dias...
- É, sou e não sou...
- Ora Seu Jorge, ou é ou não é... - Riu a senhora.
- É que estou de férias sim, mas também nunca deixo de trabalhar...
-Que trabalho bom... Ficar olhando as igrejas dos outros...
Jorge riu.
- É mais ou menos isto que eu faço. Eu sou arquiteto e trabalho com
Patrimônio Cultural...
-Espera! Não precisa falar... Eu sei o que é isto: é esse monte de
coisa que nossos avós construíram ou fizeram... A igreja por exemplo.
-Isto. Toda a produção cultural de um povo: os bens culturais materiais
e imateriais: festas, igrejas, praças, Músicas, causos... Tudo isto é
Patrimônio Cultural e diferencia uma Cidade, comunidade ou lugar de um outro...
-Falou bonito Seu Jorge. –Disse a D. Jandira batendo palma.
- É Dona Jandira, tudo isto está relacionado com passado, memória,
identidade e cidadania.
- O senhor tem certeza que é arquiteto? Tá mais para poeta...
Novamente o Senhor Jorge riu.
- Pois é Dona Jandira, eu cuido de igrejas como esta.
- Uai que bom! Então pode começar a cuidar desta que eu vou fazer muito
gosto.
– Disse a Dona Jandira entregando a esfregão para o Visitante.
-Não é desse jeito não Dona Jandira... Eu faço projetos, acompanho
obras de restauro e oriento...
- Restauro?
- Bens culturais como essa igreja devem ser restaurados. Ou seja, as
obras devem
manter as características originais do bem...
- Tá bom... Já vi que o piso de lajota que o padre quer vai ficar no
querer...
- Disse a Senhora olhando o piso de tábuas.
- Isto não pode. O bonito desta igreja é o que ela tem de original e
que vem seguindo anos e anos essa linda comunidade...
- Mas o senhor fala bonito né! – O Arquiteto sorriu.
- Então tá, Seu Jorge. Já que o senhor não vai esfregar o chão, pode
ajudar nestas trincas? O Arquiteto olhou detalhadamente a parede da nave, a
parede da Capela Mor, o altar...
- Olha Dona Jandira, essas trincas podem ser um problema com a
fundação...
- Pode ser sim. A igreja foi fundada há tanto tempo... - Disse a senhora pensativa.
- Não é esse tipo de fundação... Fundação é o alicerce, a base da
igreja...- Sorriu o Senhor.
- Ah bom... O alicerce aqui é todo de pedra... Cada Pedrão...
- Pois é, o alicerce sustenta a igreja... Pode ser que esteja havendo
movimentação da terra que pode está causando afundamento do alicerce. Isto
acaba afetando as paredes.
- Será? – Perguntou a senhora pondo a mão no queixo.
- Pode ser.
- Mas então o que pode ser feito nestes casos? – Perguntou a Dona
Jandira.
- Para evitar esse tipo de problema é preciso que não se deixe cair a
Água da chuva direto no terreno da igreja. Para isto as tubulações, as calhas
que recebem as águas da chuva, das torneiras ou do esgoto devem estar em bom
estado, sem vazamento.
Temos que limpar periodicamente as caixas de inspeção e valas. E claro,
providenciar tratamento de limpeza das peças apodrecidas por insetos...
- Não sei como é que anda isto não...- Disse a senhora pensativa.
- Mas pode ser outra coisa... O trafego de veículos também abala as
paredes das casas e igrejas antigas...
-ah, Eu já cansei de falar para o Padre Zé que esse negócio de caminhão
passando aqui do lado não cheirava bem...
- Isto tem que ser visto com calma. O Trafego de veículos pesados pode
e deve ser desviado para outra área...
- Pois é e estas paredes nem de tijolos são... Quero dizer, não esses
tijolos modernos...São de Adobe... Mas existem algumas de pau-a-pique...
- Mas o Senhor é danado hem? Eu pensei que o
Senhor não sabia. - O arquiteto Jorge riu novamente do jeito engraçado da
Senhora.
- É, temos paredes de pedras, de adobe, de taipa, de pau-a-pique e as
mais modernas, de tijolos de alvenaria. As igrejas de taipa precisam ser
revestidas de argamassa e pintura à base de cal para poderem respirar como esta
aqui. – Disse ele mostrando a parede.
- Não pode colocar cimento? - Perguntou a Senhora.
- Cimento não vai deixar a parede “respirar” e vai acabar deslocando e
caindo. A umidade que sobe dos alicerces pode atingir a parede e os rebocos.
Isto vai gerar manchas e até deslocamento... Até vegetação pode nascer nas
trincas...Também é aconselhável não furar as paredes com pregos. Você pode usar
trilhos para pendurar objetos decorativos que não danificam as paredes.
- Bom saber...- Disse a Senhora abaixando a cabeça.
- Para limpar as paredes de pedra e tijolo, a senhora deve lavá-las com
água e detergente neutro, evitando o excesso de água, utilizando uma escova
suave para não causar desgaste na pintura.
E o chão Seu Jorge? Se não podemos trocar esse piso, como podemos
cuidar dele?
O Arquiteto deu uma boa olhada nas tábuas.
- Olha Dona Jandira, o piso não é só um lugar de pisar.
- Não!? Serve para quê mais? – Perguntou espantada a Senhora.
- Ele é decorativo, enfeita a igreja... Protege os fiéis da umidade que
vem do solo...
- Decorativo... Ehhh... É bonito... E trabalhoso...
- Pois é, Dona Jandira, se não cuidar a senhora vai ter muito mais
trabalho... Esse piso de tábua precisa de cuidados: Não devemos deixar acumular
água ou goteiras para evitar que surjam fungos e apodrecimento da madeira.
Devemos substituir as peças estragadas para não atrapalhar todo o conjunto. E
claro, devemos vigiar e controlar sempre para não deixar surgir cupim e broca.
Para limpar, use sempre um pano levemente umedecido ou quase seco, assim a
senhora tira a poeira... Em seguida deve aplicar a cera de madeira. Depois
disso a Senhora só deve usar uma vassoura de pelo macia para retira a poeira...
Nada deste esfregão...
- Eta homem sabido...
- Os barrotes - as peças de madeira que sustentam o piso, precisam de
cuidados constantes... A senhora ou o Padre devem olhar se não há vazamento das
tubulações de água, de esgoto. O piso pode ser afetado também pelos problemas
no alicerce...
- Ah sei, a tal da Fundação....
- Os pisos de ladrilho hidráulico devem ser limpos com água e sabão
neutro sempre que for preciso. Pode ser usado um pano úmido em outras vezes ou
encerados. Peças quebradas devem ser substituídas.
O arquiteto olhou para o alto e viu algumas manchas.
- A cobertura... O telhado, deve ser constantemente visitado. Como a
senhora sabe, o telhado protege as paredes e tudo mais aqui dentro.
- Isto eu sei. Quando chove é um Deus nos acuda... Chove lá fora e aqui
dentro...
- Pois é, existem telhas quebradas ou deslocada ou mesmo acumulo de
sujeira e isto causa goteiras. Pode ser que o problema seja a pouca declividade
do telhado...
- Pode ser mesmo... Nós nunca colocamos essa tal de “declividade”.
O Arquiteto conteve o riso.
- Declividade é ... Como posso dizer... O telhado tem pouca curvatura e
a água se acumula e acaba descendo para dentro da igreja. Agora, as calhas
também precisam estar limpas para deixar a água descer...
- É... Se o Senhor diz...
- Mas tem as esquadrias...
- Tem não Seu Jorge... Só em junho... – Disse a Senhora balançando o
dedo.
- Não é Quadrilha... Eu disse Esquadrias...
- Ah bom! ...O que é isto? - Perguntou a senhora.
- São as portas e janelas...
- Que nome chique para porta e janela...
- Pois é, as portas e janelas - os vãos da igreja - sofrem muito com as chuvas e com o
Sol...Com os cupins e brocas... E se não cuidarmos constantemente o problema só
piora. Também não se pode trocar janelas antigas por modernas...
Não em bens culturais como essa igreja, protegidos pelos órgãos de
preservação.
- Mas então como é que fica. Se estraga a janela não pode trocar?
- Pode sim. Quando não tem mais jeito substitui-se a janela por modelo
parecido, de preferência construído com madeira idêntica às outras janelas.
- E tem que trocar os vidros quebrados...
- Isto mesmo Dona Jandira. Quebrou, trocou... Assim não entra água e
não apodrece a madeira. No caso das ferragens das janelas, é necessário lubrificar
de quando em quando e retirar o excesso de tinta que impede a janela de fechar direito.
Peças enferrujadas devem ser lixadas...
- E o forro? Sei que depois que arrumarmos o telhado vamos ter que
reformar...
- Restaurar. O Forro tem que passar por uma restauração feita por um
especialista.
- Aqui tem. O Manuel sambista. Ele faz tudo para a Escola de Samba...
Restaurou
a imagem de Nossa Senhora que ficou lindinha... Até ruge ele pôs...
- Não, Dona Jandira, restauração é coisa
séria, tem que chamar um profissional que estudou para isto. – Disse o
Arquiteto horrorizado procurando a imagem de Nossa Senhora. Dona Jandira, as
imagens e o altar devem ser limpos adequadamente. A senhora deve olhar se tem
sujeira. Se o pó está preso à imagem... Deve olhar se tem ataque de insetos se
há furos... Olhar se a pintura ou douramento está desprendendo... Se existem
partes soltas...Muitas vezes o local onde a peça está não é adequado. O local
deve ser limpo... Sem pó nos pisos e paredes...
No
caso de pinturas na parede a senhora não deve encostar móveis nem elementos que
possam desgastar ou danificá-la. Não furar com pregos ou coisa parecida para
pendurar objetos; evitar iluminação direta sobre as pinturas; não fixar avisos
e cartazes diretamente sobre as pinturas; orientar os fiéis para não tocar as
pinturas.
Para limpar as imagens e os altares a senhora deve usar uma trincha
macia, limpa e seca. Tudo isto com muito cuidado. Removendo sempre os
fungos porque eles podem se espalhar contaminando as outras imagens e até a
senhora.
- Deus me livre! – Se benzeu a Senhora assustada.
- Olha Dona Jandira, para carregar uma peça destas a Senhora tem que
usar as duas mãos...E luvas....
- Ai que chique...
- E com delicadeza... Suave, mas com firmeza...Dona Jandira, o mais importante
é a conservação que nós chamamos de “Preventiva”. Ou seja, devemos cuidar para
impedir os danos e a deterioração. Há coisas simples que podem ser feitas;
acondicionar o lixo dentro de sacos plásticos e colocá-lo na rua na hora do
lixeiro passar... Olhar periodicamente as caixas de papelão ou caixotes que
estão atrás de armários, gavetas para ver se tem roedores...Evitar acumulo de
entulhos...Colocar telas metálicas nas aberturas dos telhados ou telas de nylon em beirais por
causa dos pombos...Os ninhos destes devem ser removidos...- Continuou o
Arquiteto.
- Ai meu Deus... Mais trabalho para mim...
-Para a Senhora sozinha não... A igreja é de todos e toda a comunidade
deve ser envolvida para cuidar sempre deste patrimônio maravilhoso que vocês
possuem. Vigie sempre...
- Vamos vigiar sim...
- Agora Dona Jandira, sempre que o problema for além das possibilidades
da comunidade, chamem um técnico especialista.
- Pois é Seu Jorge, que tal o senhor parar essas suas férias...?
O arquiteto sorriu.
-
Vou pensar...- ajoelhou
diante do altar e começou a orar.
FIM
VEJA OS MANUAIS A SEGUIR:
MANUAIS DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DO IPHAN
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MANUAL DO MINISTÉRIO PUBLICO DE MINAS GERAIS
http://patrimoniocultural.blog.br/wp-content/uploads/2018/09/288-12_manual_patrimonio_cultural_sacro.pdf
DIRETRIZES PARA INTERVENÇÃO:
https://proteuseducacaopatrimonial.blogspot.com/2016/04/diretrizes-para-intervencao-em.html
PORTARIA Nº 366, DE 04 DE SETEMBRO DE 2018
http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/portaria_n_3662018__incendios.pdf
DIRETRIZES PARA INTERVENÇÃO:
https://proteuseducacaopatrimonial.blogspot.com/2016/04/diretrizes-para-intervencao-em.html
PORTARIA Nº 366, DE 04 DE SETEMBRO DE 2018
http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/portaria_n_3662018__incendios.pdf
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