PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

sexta-feira, 19 de junho de 2020

APRENDENDO A OUVIR OS LUGARES DE MEMÓRIA


APRENDENDO A OUVIR OS BENS CULTURAIS:

Lugares de memória existem em toda parte.
Há lugares de memória individuais e específicos que só dizem respeito a uma pessoa ou a um núcleo familiar. Um móvel antigo. Um álbum de fotografia. Uma receita de família.
A preservação destes lugares depende do grupo familiar ou do indivíduo.
De como ele vai lidar com essa memória de sua família.
Se quer que  o bem continue para que o grupo continue se sentindo parte de algo comum.
Em outra vertente - a de um grupo maior, um bairro ou cidade - preservamos os elementos que lembram um passado comum a esse grupo maior: uma escola antiga, um igreja, uma praça, um monumento, uma imagem um núcleo histórico que ainda mantem as características do início daquela urbe.
São lugares da memória.
Lugares que falam a um grupo e que se fazem lembrar aguçando todos os sentidos do grupo.
Assim, do ponto de vista da memória, o que faz lembrar não precisa necessariamente ser belo ou ter sido produzido por um artista ou arquiteto famoso. Ou ter certas qualidades estéticas.
Precisa falar a essa comunidade e ela precisa saber ouvir esse bem.
Seja ele uma estátua, um conjunto urbano, um castelo, uma pequena imagem, um congado, uma receita de bolo, um canto.
Para que essa comunidade continue a ouvir esse bem é necessário que ele seja vivenciado.
É necessário que as novas gerações sejam sensibilizadas para ouvir, sentir esse bem.
Se esse bem deixa de existir, não há mais como fazê-lo falar.
Se as novas gerações perderem a capacidade de ouvir esse bem, ele perde o sentido e vai cair.
E vai se desmanchar. E vai ser esquecido. E vai se perder.
E também essa comunidade perde, porque se torna menor.
Essa comunidade perde parte da sua essência e com ela, parte do seu senso de pertencimento a um grupo, a uma rua, a uma família a uma comunidade.
Essa comunidade se fragiliza e pode se tornar uma sociedade doente e fadada ao desaparecimento, à desagregação.
Não se nasce sabendo escutar os bens.
Isso precisa ser ensinado, sensibilizado, vivenciado.
Por isso sempre defendo a Educação Patrimonial como um trabalho permanente de todos que se querem preservacionistas.

(Carlos Henrique Rangel).

terça-feira, 9 de junho de 2020

O BEM CULTURAL E SUAS BOAS E MÁS MEMÓRIAS:


O BEM CULTURAL E SUAS BOAS E MÁS MEMÓRIAS:


FOTO: Em Bristol, no Reino Unido, manifestantes derrubam estátua de comerciante de escravos. Fonte: Jornal GGN - 08/06/2020.



No calor das dores e das revoluções, muitas coisas que simbolizavam o opressor foram destruídas de forma impensada. 
Muitos castelos foram depredados e destruídos durante a Revolução Francesa. 
A própria Notre Dame quase foi destruída. 
Temos que ter o bom senso e o cuidado para mudarmos o foco em relação aos bens que simbolizam o opressor. Versalhes, que custou muito sangue francês está lá. 
Campos de concentrações nazistas foram preservados para que não esqueçamos o que ocorreu e para evitarmos que se repita tais barbaridades. 
Não é rasgando documentos sobre a escravidão que vamos mudar o racismo ou a discriminação. 
Devemos incorporar novos significados a esses monumentos, imprimindo nova carga de memória sobre as ações dos Homens do passado e do passado recente. 
Serão objetos didáticos e poderão nos ajudar a entender como funcionava a mente e a moral do homem escravocrata, do homem opressor, do homem racista, preconceituoso e machista. 

O caminho não é a destruição pura e simplesmente de obras de arte em homenagem a personalidades que se destacaram no passado. Isso é um ato de diminuição da memória.
De empobrecimento da análise crítica sobre os fatos do passado.
O caminho é redefinir o papel dos personagens do passado sob o ponto de vista da mentalidade e moral da época.
São homens esses pseudo-heróis que foram alçados a monumentos.
Homens inteiramente adaptados ao meio em que viviam.
Sujeitos a erros e acertos da sociedade em que viviam.
Não podemos é perder o foco. Não são santos.
São homens falhos com qualidade e defeitos e como tais devem ser apresentados às novas gerações.
Destruir casas de ex-ditadores ou monumentos centenários em homenagem a Cristóvão Colombo ou aos Bandeirantes paulistas é negar o papel transformador destes expoentes da história.
Devemos sim, apresenta-los como são: Homens movidos por desejos, ambições e com uma moral deturpada de época.
Não é destruindo que poderemos ensinar alguma coisa ou mudar alguma atitude. 
É discutindo, analisando, mudando leis e lutando. 
Formando novas gerações, utilizado esses objetos de memória e de novas e terríveis memórias para nunca esquecermos o que se passou e evitarmos que voltem a acontecer.

COMPLEMENTANDO:
A questão não é a criação de novas estátuas e sim a destruição das que existem há décadas ou talvez há séculos. 
Toda revolução ou revolta trás sua carga de vandalismo destruidor de memórias - templos, castelos, monumentos comemorativos - que podem prestar um desserviço à sensibilização e conscientização das novas gerações. 
Não se falou em preservação de estátuas de monstros como Hitler ou Mussolini em praça públicas, mas elas poderiam sim, serem acondicionadas em museus ou espaços de memória com toda a carga de responsabilidades que carregam. 
A maior preocupação é com o alcance destas manifestações destruidoras dos falsos "heróis". 
Até onde iria essa revisão destruidora das personalidades representadas em estátuas e monumentos? 
Destruir o monumento aos Bandeirantes seria aceitável? 
Claro que não devemos manter viadutos, ruas e praças com nomes de ditadores militares ou torturadores. 
Mas destruiríamos monumentos dedicados a D. Pedro I e D. Pedro II? 
Destruiríamos a casa de um comandante Farroupilha assassino de uma brigada negra? 
Não seria mais adequado usá-la como um museu dedicado à escravidão, à denúncia da opressão e ao racismo sem esquecer a quem pertenceu? 
Tem que haver limites. Mas quem definiria os limites? 
O herói de hoje pode ser o bandido de amanhã. 
Nenhum deles são santos ou puros. 
São homens do tempo e da moral que vivenciaram e é desta forma que devem ser estudados e avaliados para que a humanidade aprenda a não cometer novamente os erros do passado.

O QUE NÃO VEJO NÃO EXISTE?
O Absurdo dos absurdos.
Como dizia um grande mestre. "Quem não tem pecado que atire a primeira pedra".
Esquecem que os seres humanos são fruto dos seus tempos e agem conforme a moral e ética deste tempo.
Modismo barato e hipócrita.
Não é destruindo estátuas e monumentos que se resolve preconceito e racismo.
Se resolve ensinando, apontando os erros do passado, resolvendo as questões legalmente e moralmente, no presente e acenando para o futuro.
Temos que analisar os fatos e personagens com senso crítico e não com ódio irracional.
Não se apaga preconceito e racismo com destruição e ódio e sim com inteligência, análise, debate e mudança interior e consequentemente, exterior. 


Museus são lugares de memória mas as Cidades objetos, casa, casarões, sobrados, monumentos, estátuas são coisas de lembrar. 
Todas as coisas materiais e imateriais que tocam uma comunidade, são coisas de lembrar, de memória e elevação da autoestima de um povo. 
São lugar de memória se fazem as pessoas lembrarem de si mesmas e a se pensarem como parte do lugar. Estátuas são homenagens sim, mas também fazem lembrar e podem fazer repensar a história de um lugar. 
Por isso mantemos em algumas cidades coloniais, os pelourinhos e marcos de vila. 
Por isso homenageamos e fazemos lembrar o fundador de uma cidade ou um conquistador e desbravador independente do seu caráter ou qual era o seu objetivo ao embrenhar pelos sertões. 
Não é só para homenagear, mas para lembrarmos do feito deste sujeito e de seu grupo e por que estamos aqui. 
Podemos repensar essa lembrança reforçando-a nas placas das estátuas e nas escolas e livros didáticos. Destruir essas estátuas é destruir memórias.


O NOVO HOMEM VELHO:
O Passado e o presente não mudam só porque destruímos uma estátua, um monumento, um documento.
Esquecimento não transforma o mundo.

Ódio e atitudes irracionais não transformam o mundo.
Conhecimento, análise, debate, transparência, educação, leis e transformação interna, sim.
Se transforme na mudança que deseja para o mundo
e o mundo será um novo mundo.


A MUDANÇA QUE QUEREMOS:
A mudança que queremos tem que ocorrer dentro de nós e não fora.
A mudança externa virá quando a mudança interna acontecer.
A destruição de objetos de lembrar só nos fazem esquecer.
Não nos muda.
O objeto de lembrar tem uma incrível capacidade de armazenar memórias e podemos lhes atribuir novas memórias e conhecimentos. Os objetos de lembrar podem transmitir essas novas memórias atribuídas, às novas gerações, desde que consigamos sensibiliza-las para escutarem o que eles dizem.
A destruição de objetos de lembrar é um ato de violência irracional e diz mais sobre quem destrói do que sobre quem estão querendo esquecer. Não se clareia um quarto apagando uma vela.
Não mudamos o mundo apagando memórias.
Sejamos a mudança que queremos ver surgir.

 (Carlos Henrique Rangel).

segunda-feira, 8 de junho de 2020

IDENTIDADE E AUTOESTIMA:

IDENTIDADE E AUTOESTIMA:


Quer destruir a autoestima de um povo?
Destrua sua história.
Destrua os símbolos de sua memória.
Destrua os objetos de lembrar.
Assim se enfraquece o elo do povo e das comunidades com a sua cidade. Com sua Terra.
Enfraquece até mesmo a vontade de lutar por uma vida melhor, por qualidade de vida.
Por uma vida mais saudável.
Matar a memória de um povo é matar a livre iniciativa e a criatividade de uma geração que se perde no nada de si mesma.
Sem história, sem um lugar de lembrar, sem uma manifestação imaterial. Sem raiz e sem futuro.
Vive melhor quem sabe de si.
Só pode saber de si, quem sabe de onde veio, quando veio, porque veio e onde pode e quer chegar.

Preservamos nossos bens culturais para podermos continuar enquanto indivíduos, uma comunidade e um povo.

(Carlos Henrique Rangel).

sábado, 6 de junho de 2020

AS COISAS FALAM


AS COISAS FALAM
Muitos já me ouviram falar sobre isso.
As coisas, tanto materiais como imateriais não só falam aos ouvidos como "falam" a e com todos os sentidos: Ao olfato, a audição, ao tato.
Há coisas que falam apenas a uma pessoa, como um objeto pessoal, uma boneca a uma criança. A criança cria um elo com aquela boneca um carinho que lembra o carinho dedicado a uma pessoa.
Há objetos e coisas que falam a uma família: Um móvel que pertenceu a avó que foi herdado e preservado pelo neto, não porque era raro ou bonito. Mas porque o faz lembrar da avó e dos momentos felizes que viveram juntos.
Um relógio estragado que não marca mais as horas, mas que a pessoa guarda como uma relíquia, um talismã. Não importa mais se funciona ou não. Importa o outro tempo que ele marca. O tempo do pai que se foi, mas que sempre vem à memória quando o relógio é visto ou manuseado.
O relógio fala do pai. Tem o poder trazer de volta a imagem daquele ente querido que se foi. Tem o poder de transmitir o som da voz, o sorriso, os gestos do pai. O Relógio fala e por isso é guardado mesmo não tendo mais a sua função original.
Há aqueles bens que falam para a coletividade. Uma igreja, uma praça, uma imagem, uma comida, uma festa.
Todas essas e tantas outras coisas falam a um grupo. E nunca falam a mesma coisa ou da mesma forma aos indivíduos do grupo. Cada pessoa se relaciona com aquele bem - praça, igreja, rua, festa, comida - de uma forma individual.
Suas lembranças são diferentes, e no entanto, todos possuem um elo com aquele bem.
Um elo que os une e lhe dá a coesão e o sentido de grupo. Uma cumplicidade compartilhada e vivenciada que lhes dizem: Nós somos.
Nós somos belorizontinos. Nós somos mineiros.
Nós somos brasileiros.
Esse bem fala. Conta histórias do grupo e histórias individuais. Ele importa porque já não é uma praça, uma igreja, uma comida, uma festa.
Não.
Esse bem é muito mais.
Ele é a Praça, a Igreja, a Comida, a Festa.
Esse bem é parte da alma daquele grupo, daquela comunidade. Estão interligados e se sustentam. Estão em simbiose.
A continuidade do bem é a continuidade da comunidade.
Essa "Caixa de Memória" e de vidas, emoções e sentimentos diversos, precisa ser preservada para que a comunidade continue.
Sua voz precisa continuar ressoando para que o grupo continue com sua autoestima valorizada e motivada e que as gerações futuras possam aprender a ouvi-la
Esse grupo vai fazer tudo para que esse bem que significa muito para a sua cultura, continue a falar para as gerações futuras.
Vai cuidar desse bem cultural como o filho cuida do relógio do pai. Como a menina cuida da sua boneca. Como o neto cuida do móvel herdado da avó.
As coisas falam.
E para continuarem a falar, a comunidade deve fazer tudo para que os novos membros ouçam o bem cultural.
Ninguém nasce ouvido as coisas. É preciso motivar os novos membros da comunidade, ensinando a ouvir, sentir, manusear, vivenciar e entender a voz das coisas e o que elas dizem para cada um em particular e para o grupo.
O que aquele bem diz sobre você, sua família e seu grupo.
As coisas falam. E os bens culturais falam muito.
Ouçam, Ouçam, OUÇAM!
(Carlos Henrique Rangel).