Em defesa
do patrimônio colonial e eclético
Carlos
Henrique Rangel
Historiador - Agente Cultural
Historiador - Agente Cultural
JORNAL ESTADO DE MINAS, SABADO - 11 DE AGOSTO DE 2018.
Uma cidade não é feita apenas de uma categoria estilística de bens
imóveis legitimados por um órgão maior, como o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). E a cultura de um povo, a
exemplo da produção de bens culturais, extrapola um estilo arquitetônico ou
artístico e se constitui de bens imateriais e materiais diversos, porque, afinal,
não existe um povo no singular e sim povos-comunidades que têm identidades
próprias e produzem suportes de memória diversos e ricos, mesmo em um espaço
limitado pelo município.
A alegação de que bens culturais fora do perímetro de tombamento
dos conjuntos tombados pelo Iphan não estão protegidos ou não interessam é um
grande equívoco cometido durante muitos anos por municípios detentores de bens
protegidos em nível federal. Minas concentra inúmeras e diversificadas
manifestações culturais espalhadas por toda sua extensão territorial, fruto de
suas raízes históricas, suas potencialidades socioeconômicas e rica herança
cultural.
É por esse e outros equívocos que Minas vai perdendo muitos bens
culturais, como ocorreu mês passado em Cataguases, na Zona da Mata. O município
de Cataguases que tem um conjunto de edificações no estilo moderno protegidas
pelo Iphan não é só constituído desse patrimônio material reconhecido pelo
órgão federal. Não. Cataguases surgiu muito antes dessa produção – importante
sim – mas não única. Se o Iphan protegeu os bens culturais modernos isso não
quer dizer que os outros estilos arquitetônicos e artísticos não são
importantes. Cabe ao Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Cataguases
proteger esses resquícios do patrimônio mais antigo de estilos que remontam à
origem da cidade e parar de usar o tombamento do Iphan como desculpa para não
agir.
Os resquícios coloniais do século 19 e os casarões ecléticos do
início do século 20, hoje ameaçados pela omissão e negligência do Conselho
Municipal do Patrimônio Cultural que se esconde por trás do tombamento federal
para justificar a sua “não ação”, precisam e devem ser protegidos. Uma coisa é
o tombamento do Iphan, que tem uma motivação específica. Outra coisa é o
patrimônio que só interessa ao município. Esse é responsabilidade do instituto
local que foi criado por esse motivo.
Cataguases não é somente uma cidade moderna. Vai além.
O Iphan cumpriu seu papel de proteger aquilo que extrapola o
interesse local e interessa a todos os brasileiros enquanto um povo diverso e
rico em cultura.
Cabe ao município proteger o que interessa a sua localidade.
Aquilo que fala e transpira a alma de Cataguases muito além do moderno.
O empenho para a criação de uma instituição destinada à preservação
do patrimônio cultural coube aos intelectuais modernistas, encantados com a
homogeneidade das cidades do período colonial mineiro, que preservavam
praticamente intacto o seu acervo arquitetônico e artístico do século 18.
Graças a esses expoentes da intelectualidade brasileira dos anos 1920, foi
criado em 1936 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual
Iphan, regulamentado pelo Decreto –Lei n.º 25 de 30 de novembro de 1937. Esse
órgão de proteção sustentado pelo instituto do Tombamento e sob a direção de
Rodrigo Melo Franco de Andrade, cujos 120 anos de nascimento são lembrados este
ano, que empreendeu a proteção dos grandes núcleos históricos e dos monumentos
mais expressivos de nossa cultura até os anos 1970 superando dificuldades e se
consolidando.
Durante décadas, o Iphan foi a única proteção aos bens culturais
do país, usando a política de tombamento para proteger os bens culturais –
único instrumento de proteção até o ano de 1988, quando a nova Constituição
Federal definiu outros instrumentos, entre eles o Registro e o Inventário.
A relação com os municípios foi mesclada, durante muito tempo, por
um paternalismo doutrinário e autoritário. Isso teve consequência a dependência
e a submissão, que impedia que os municípios das chamadas “cidades históricas”
entendessem que havia patrimônio cultural além das fronteiras definidas e
impostas pelo órgão federal. Essa visão durou pouco mais de 50 anos e a muito
custo foi rompida.
Em abril 1970, o encontro de governadores realizado em Brasília
(DF) definiu que os estados e municípios deveriam compartilhar a proteção do
patrimônio de expressão local, criando os seus órgãos de preservação. Seguindo
a orientação do Encontro de Brasília, em 1971, o governo de Minas criou o
Iepha-MG, fundação integrante do Sistema Estadual de Cultura com a atribuição
básica de preservar o patrimônio cultural do estado empreendendo a
identificação, registro, fiscalização e restauração dos bens culturais
tangíveis e, a partir de 2002, dos bens imateriais.
Guardando as devidas proporções, a mesma visão
paternalista-autoritária acabou se impondo aos municípios com bens tombados em
nível estadual durante algumas décadas, somente rompida a partir da
descentralização da proteção do patrimônio cultural ocorrida por meio do Programa ICMS
Patrimônio Cultural, um dos critérios criados em dezembro de 1995 pela Lei 12.040 (atual 18.030/2009) que ganhou
o apelido de Lei Robin Hood. Esse ainda hoje revolucionário programa de
proteção incentivou os municípios mineiros a criar suas leis e institutos de
proteção do patrimônio cultural local e por esse motivo temos hoje mais de 700
municípios com os conselhos municipais de Proteção do Patrimônio Cultural e
mais de 4 mil bens culturais protegidos pelo tombamento e pelo Registro do Patrimônio
Imaterial.
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