A PRESERVAÇÃO REVISTA
Autor: Carlos Henrique Rangel
Fazenda Fonte Limpa - Santana dos Montes
Tombada pelo IEPHA/MG.
Para viver e sobreviver no mundo, os seres precisam se
adaptar aos espaços/lugares.
Os animais se relacionam com os lugares biologicamente, se
moldando lentamente ao clima e ambiente. Tornam-se perfeitamente aptos para
viver nos espaços que escolheram como lar.
O lugar se torna seu habitat sua morada definitiva e única.
E esse ser não poderá viver em outro lugar a não ser que
seja um lugar muito parecido com o seu lugar de origem.
Sua história está vinculada, moldada no espaço que o
construiu e adaptou.
O ser humano, também é um ser adaptado biologicamente, mas
não só.
Obrigado a viver em grupo para sobreviver o ser humano
criou mecanismos de comunicação para poder transmitir conhecimentos, ideias e
descobertas: gestos e sons que se somam e formam sílabas, palavras e
significados.
Esses códigos dizem algo. Passam algo. Transmitem algo.
O ser humano se adapta ao lugar culturalmente.
Percebeu cedo que precisava do outro. Precisava
compartilhar com o outro o seu conhecimento e suas experiências para continuar
no mundo.
O lugar o molda, mas também é transformado por ele. O lugar
é domesticado, trabalhado por ele.
Cedo o ser humano percebeu o seu mundo e descobriu que ao
contrário dos animais, precisa se adaptar aos lugares transformando-os.
Não possui peles fortes para protegê-lo do calor ou do
frio. Não possui garras para matar ou rasgar os alimentos.
Para sobreviver às constantes mudanças climáticas do meio
ambiente o ser humano necessita criar peles artificiais tiradas dos outros
animais. É necessário cria garras artificiais como pedras pontudas ou paus
trabalhados para ferir e nocautear os animais/caças e os inimigos, os “outros”.
E todos esses artifícios estarão sempre em constante evolução para uma melhor
adaptação ao meio.
O ser humano produz cultura. O único ser a fazê-lo. E
cultura é essa soma de modos de ser, fazer e se relacionar com os
espaços/lugares, utilizando o que o meio tem a lhe oferecer para sobreviver. Se
há pedras, fará abrigos de pedra. Se há apenas terra, a casa será de barro. Se
há gelo, que seja de gelo o abrigo a protegê-lo.
Ao contrário dos animais. Que naturalmente se moldam aos
lugares, precisamos aprender. Não se nasce com cultura. É necessário aprender a
cultura do grupo.
Os modos de ser de acreditar de se relacionar com o outro.
Cultura se aprende.
Então cultura está relacionada com o passado. Com o que foi
vivenciado no passado e que deve ser transmitido para que continue e ajude o
grupo a se perpetuar no mundo.
Cultura está relacionada com lembrança e com a memória e
define a identidade do grupo.
A Cultura está em gestos e ações dos Homens. É um fazer
portador de sentidos.
E os produtos culturais são consequências deste fazer,
deste agir.
A importância cultural é dada pelos atores deste fazer.
Minha identidade é a soma do que lembro individualmente e
em conjunto. Minha memória se faz com o meu passado e consequentemente molda a
minha identidade.
Todos nós temos lembranças.
Só lembramos do que passou.
O ser humano precisa aprender sempre para lembrar.
Deve ensinar e transmitir para que outros possam lembrar e
futuramente transmitir.
Mas a nossa memória é frágil e mutável. Constantemente é
construída no presente. Nem tudo lembramos e para isso é importante repetir e
transmitir e também atribuir lembranças às coisas e lugares. Para isso é
necessário qualificar as coisas e os lugares para que esses “falem” e sejam
suportes da memória do indivíduo e do grupo.
Lembrar pode ser a diferença entre sobreviver ou perecer.
Para não esquecer eu guardo o que pode me fazer lembrar.
Para não esquecer eu guardo o que pode me fazer lembrar.
Posso escrever, posso documentar e posso incorporar valores
e lembranças às coisas para que elas me façam lembrar.
O que sou está no passado, no presente e nos espaços que me
rodeiam.
Sou influenciado pelos lugares e pelos outros seres
humanos.
O que sou eu aprendi e construí com os meus e guardo em
minha memória.
Todo ser humano é em um lugar. E nesse lugar deixa sua
marca e sua essência, moldada e influenciada pelo lugar.
O Ser humano está no lugar. O lugar faz o Ser. O Ser também
faz o lugar.
Então, a permanência de um grupo depende da sua cultura,
que depende do lugar. Depende da memória de grupo e dos suportes da memória: os lugares que falam.
Essa produção cultural de um grupo é uma herança
compartilhada.
Podemos herdar os bens culturais, mas não herdamos a sua
compreensão.
Para compreender é preciso aprender, conhecer, vivenciar, apreciar.
Aquilo que eu compreendo e conheço, eu respeito.
Onde tem gente tem cultura transplantada, recriada,
reconstruída, adaptada, inovada e novamente criada.
Onde tem cultura tem bens culturais: materiais e imateriais
produzidos pelos seres humanos para viver e sobreviver no mundo que o cerca.
Todo lugar de Homem... De muitos Homens produz cultura.
Cada ser humano carrega em si o seu mundo e sua cultura e é
direta e indiretamente
transmissor, reprodutor, inovador e criador de cultura.
O que o ser humano é está no passado, no presente e nos
espaços que o rodeiam.
O Homem é influenciado pelos lugares e pelos outros seres
humanos.
O que ele é aprendeu e construiu com os outros e guarda em
sua memória e em suportes.
É por isso que guardamos coisas. As coisas falam. Fazem com
que nos lembremos do que aconteceu no passado e que precisamos para continuar.
Alguns “bens”, falam só para um indivíduo ou para a sua
família.
Falam de coisas que vivenciou e de coisas e seres que quer
lembrar.
Há outros bens que falam para o grupo/comunidade/nação e
transmitem o conhecimento que necessitam para que possam sobreviver com
dignidade e autoestima.
Esses são os “bens culturais”, produtos do processo
cultural de um grupo e que são importantes não por serem históricos artísticos
ou arquitetonicamente únicos, mas por que são essencialmente suportes da
memória do Homem.
O valor de um bem cultural está nessa capacidade de “falar”
ao grupo tanto coletivamente como individualmente. Está impregnado de
lembranças e dá sentido ao grupo e o diferencia de um outro.
Esse bem só terá
sentido para um grupo se for um suporte vivo de lembranças, vivências e
significados.
Esse bem precisa estar vivo no cotidiano do grupo para
realmente falar a esse grupo.
Preservar os bens culturais materiais e ou imateriais de um
grupo é manter a identidade deste grupo garantindo a sua continuidade. Mas isso
só será possível se esse grupo continuar a “ouvir as vozes” dos bens culturais.
Ninguém nasce sabendo cultura e sempre será necessário
ensinar o respeito às coisas que falam para podermos ouvir. É preciso romper a
miopia cultural e aprende a escutar o que os lugares e os suportes da memória
têm a dizer.
Assim, só respeito o que conheço. Só preservo o que
significa algo. Só protejo o que é caro à minha memória e sobrevivência.
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