“
Encontros nacionais e internacionais dos
setores envolvidos na preservação do patrimônio, já produziram material
conceitual capaz de nos orientar na abordagem das questões que hoje se colocam
e na definição de uma política para o setor. O discurso porém está defasado da
ação, necessário se faz o desenvolvimento das ações concretas com resultados
efetivos, que comprovem as intenções do
discurso.
Fala-se muito em descentralização política e econômica e autonomia municipal –
direito este garantido pela constituição – mas pouco se faz para que isto
aconteça (vide montante dos tributos concentrados nas mãos da União).
A preservação
do patrimônio no país reflete também na centralização de recursos e decisões,
apesar de muitas vezes, a estrutura técnica municipal ou estadual ser maior e
mais bem aparelhada que a federal responsável ( vide limitações de aplicações
da Lei Sarney a edificações tombadas pela União, excluindo-se dos benefícios,
as protegidas pelos Estados e
Municípios).
Entendemos
como absolutamente imprescindíveis o aumento dos recursos orçamentários
destinados à cultura, em todos os níveis administrativos, a patamares que
possibilitem a realização de uma política que efetivamente se contraponha a
essas atitudes.
Todas as questões relativas à preservação devem estar compatibilizadas com o estágio de desenvolvimento do país. Deve-se buscar vincular à preservação cultural à solução de problemas sociais, da área da saúde e saneamento da habitação, do trabalho, etc., através de um planejamento
integrado dos diversos setores.
Por outro lado, como a preservação do patrimônio não é apenas dever do Estado, mas deve ser também responsabilidade do cidadão, é necessário que a iniciativa privada seja estimulada a participar do processo, através de uma ação eficaz.
A
preservação do patrimônio deve ser
considerada fator de consciência da diversidade e pluralidade da cultura
brasileira. A dependência cultural (referente a modelos externos e internos de
caráter centralizador), gera complexo de inferioridade e um desprezo pelas
raízes culturais próprias e a história local, (...).
Em muitos casos há uma distorção
da compreensão do patrimônio em si, de modo a criar um cenário de consumo para
turismo: o pastiche, “a venda de uma mentira”(...).
(Arquimemória 2,
Segundo Encontro Nacional de Preservação de Bens Culturais Documentos Básicos.
Belo Horizonte, 26 a 30 de agosto de 1987, p.33,34).
MESTRES DO PATRIMÔNIO
SALVAGUARDANDO
A
AUTENTICIDADE
DO
PATRIMÔNIO
HISTÓRICO
“A
preservação do patrimônio não
somente exige a proteção frente aos riscos de destruição causados pelos efeitos
de erosão, mas sobretudo salvaguardar a sua autenticidade arquitetônica contra
possíveis deformações causada por imperícia humana, negligência, ou até
destruição por atos de vandalismo ou intolerância ideológica. A admonição dos
técnicos, no entanto, se refere a trabalhos de reconstrução ou reforma de
prédios históricos, ou construção de novos prédios próximos dos distritos
históricos protegidos, onde a imitação ou falsificação do caráter arquitetônico
pode vir a deturpar para sempre a própria integridade do conjunto em questão.”
(Ephim Shluger. A
Revitalização
de Áreas Urbanas. Curso
de Gestão Urbana
e de
Cidades. EG/FJP – WBI –
LILP –
ESAF –
IPEA. Belo
Horizonte, 14 a 25 de maio de 2001, p. 7).
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“ Michael Bonette sugere que continuidade é a característica
dos processos de mudanças a qual cidades históricas são sujeitas porque essas
também são organismos vivos. “Se discordarmos que as cidades históricas são
organismos vivos e que devem se transformar e se adaptar ao novo conteúdo de
vida, estaríamos correndo o risco de condenar essas cidades à morte, ou serem
relegadas a meros artefatos da história, ou exibição de objetos de uma outra
era, uma espécie de museu. Quem quer morar num museu?” O desafio maior está entregue
às autoridades públicas, pois essas são investidas com a difícil missão de
preservar a integridade do tecido urbano e suas estruturas históricas; e têm
também e cumprir suas metas programáticas, ou seja
executar as obras de expansão e melhoria de prestação de serviços públicos à
população, aprovar projetos de construção e manter e proteger os logradouros
públicos.
Ao poder público compete também iniciar os processos de requalificação
das áreas históricas, revendo as leis de zoneamento e posturas municipais para
permitir a readaptação de antigos distritos e estruturas à novos usos,
facilitando a formação de parcerias estratégicas, e negociando os detalhes de
financiamento para assegurar a realização do empreendimento. Melhoria das redes
de infra-estrutura e serviços públicos e arruamentos, praças e jardins externos
para se ater um circulação mais eficiente e comportável para os futuros
moradores e visitantes. Os proprietários, por seu turno, são responsáveis pelas
obras de reformas internas dos prédios históricos, i. e. incluindo obras de
remodelação das divisões internas para instalação de cabos de fibra-ótica para
conexão de Internet, melhoria de circulação interna com elevadores e escadas
rolantes, etc.., e criando espaços de estacionamento, bem como da conservação e
manutenção dos imóveis.
As parcerias público-privadas são, sem dúvida, a chave na
formulação de estratégias de transformações urbanas. Compete ao setor público
promover, mobilizar e facilitar a formação das parcerias entre as agências
públicas, e o conjunto de representantes e líderes das comunidades, sindicatos de
trabalhadores, investidores, ONGs e fundações privadas. Compete também ao setor
público, definir e organizar os termos de engajamento dos distintos grupos de
interesse compostos por grupos cívicos, interesses comerciais e investidores,
ONGs e fundações públicas e privadas na formação de estratégias de revitalização
urbana. (...)”
(SHLUGER, Ephim. A revitalização de Áreas Urbanas. Belo
Horizonte – BrasiL – Curso de Gestão urbana e de Cidades EG/FJP – WBI – ESAF -
IPEA – 14 a 25 de maio de 2001. p. 11,12).
MESTRES DO PATRIMÔNIO
O PROCESSO DE REABILITAÇÃO URBANA
DE LISBOA NA DÉCADA DE 1990
“O
processo de Reabilitação Urbana em curso em Lisboa, é suportado por um conceito
integrado pluridisciplinar,
envolvendo o tratamento articulado e simultâneo dos diferentes problemas das
populações, nas variadas vertentes concretas existentes no terreno. É um
processo integralmente voltado para as necessidades reais das populações,
desenvolvido em estreito e permanente diálogo com os cidadãos que são os seus directos
destinatários.
Não
se trata, apenas de reabilitar fisicamente o parque habitacional degradado, o
património edificado, uma dimensão fundamental do problema mas não a única. O
nosso trabalho é mais amplo e ambicioso. Queremos reabilitar e requalificar o
tecido urbano e também o tecido social, cultural, económico e os espaços
públicos, de modo a garantir uma requalificação global das zonas históricas,
favorecendo a fixação das populações que hoje aí residem e de novas que queiram
aí fixar-se, permitindo-lhe o desenvolvimento da sua vida e atividade
quotidianas em condições de dignidade que hoje manifestamente não possuem.
O
processo de Reabilitação Urbana em Lisboa assume, também, características
culturais fundamentais para a Cidade.” (Rui Godinho. Vereador. Reabilitação
Urbana – Núcleos Históricos, Lisboa, março de 1993. p. 9).
MESTRES DO PATRIMÔNIO
O PROCESSO DE REABILITAÇÃO URBANA
DE LISBOA NA DÉCADA DE 1990
“(...).
A permanência e a conservação do Património Urbano preserva a ideia que cada um
de nós tem de si mesmo enquanto utente/artífice da cidade e produto dela. Nela,
e por ela, identificamo-nos com as gerações que até nós chegaram,
construindo-lhe os volumes, desenhando-lhe os
espaços, criando-lhe as significações, enraizando-a no sítio, formando-lhe a
alma e o querer. Nela e por ela, prolongamos a nossa existência, ligando o
passado, assim mantido, ao futuro que, nesta mesma cidade, há-de
acontecer e por uma parte do qual nos
assumimos responsáveis. Por ela e nela, preservamos o nosso ser profundo
de que a identidade é parte insubstituível. (...).”
(Bárbara
Lopes. Homens e Pedras – A Identidade a Reencontrar. Reabilitação Urbana –
Núcleos Históricos, Lisboa, março de 1993. p. 45).
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“Não
posso e não quero dar uma definição autoritária do patrimônio, mas o que eu
lhes disse de mais próximo de uma definição é que o patrimônio cultural é um
aspecto do patrimônio global da humanidade. (...). O patrimônio se compõe de
três elementos: o meio ambiente do homem, o conjunto de conhecimentos
acumulados pelo homem e o conjunto dos bens culturais, isto é, o que o homem
fabricou para responder às necessidades de sua vida e de seu desenvolvimento. E
é uma definição, se quisermos, intelectual e filosófica do patrimônio cultural.
Naturalmente, estamos aqui para discutir sobre os bens culturais. E eu já lhes
disse que na minha opinião não devemos isolá-los separadamente em relação a
outros, mas que só poderiam ser considerados como fazendo parte de um conjunto
cujo valor e realidade dependem da referência que é o homem. O homem é que é o
critico final do conjunto cultural .”
(Hugues de Varine-Bohan. 12
de setembro de 1974, p.12). ------------------------------------------
PANORAMA INSTITUCIONAL O IEPHA PÓS- CONSTITUIÇÃO DE 1988.
“(...) A gestão seguinte, Presidente a advogada Maria Eugênia Murta Lages e Diretor Técnico o arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho, é a primeira administração do IEPHA pós Constituição Federal de 1988.
O princípio da municipalização, materializado pela
Constituição, vem confirmar uma tendência já defendida há longa data pelos
órgãos de preservação.
A diretriz adotada pelo IEPHA foi a de assumir uma postura
cada vez mais normativa e de assessoria, reduzindo sua atuação direta em obras
e projetos – as obras cada vez mais assumidas pelas prefeituras e os projetos,
pelos profissionais do mercado.Testemunho dessa tendência foi o grande volume de projetos apresentados pela Prefeitura de Belo Horizonte nesse período, monopolizando a Superintendência responsável, tanto com a análise quanto com o acompanhamento da execução das obras. Também o Conselho Curador interrompeu suas atividades em parte pela expectativa de uma grande reformulação administrativa, o que de fato veio a ocorrer com a implantação do no regime trabalhista do funcionalismo público estadual e com a Lei de Organização do IEPHA, promulgada em 1993. Essa Lei, no meu entendimento, reflete uma instituição mais madura, rigorosamente simétrica no peso dado às áreas de conservação/restauração e de pesquisa/proteção.
E como a municipalização é um processo em curso, gostaria de voltar a esse tema para conduzir a conclusão da minha fala.
Afora a compreensão de que a municipalização é o
aprofundamento da democracia, (com o que todo mundo concorda), sinto nessa
tendência o reflexo de um movimento muito maior da cultura, que é, justamente,
o que dá o testemunho, ou seja, aquele que é o sensor dessa chamada “crise da
modernidade”. Sinto que há um desejo generalizado da memória, que toma corpo
além da nossa vontade e da vontade dos governos. Tenho repetido isso frequentemente,
porque é o que vejo no dia-a-dia do IEPHA. Esse desejo implica (e, porque esse
é um fenômeno geral, os estudiosos de diversas áreas o registram) na afirmação
do individual em oposição à reprodução de princípios universais, o que, em
última análise, pode levar à supressão de dogmatismos tão onipresentes no
Movimento Moderno. Sendo assim, o nível local, ou seja, a cidade, é o nível
mais imediato entre a memória individual e a coletiva. Cada vez menos procura-se identidade em grandes
grupos. Os movimentos sociais são os dos negros, das mulheres, dos sem-terra,
dos homossexuais. Não mais de grandes classes sociais monolíticas.
E o que nós temos com isso?
Nessa hora, temos dois papeis irrecusáveis: o de compreender
esse momento – o fim do moderno, o pós-moderno, ou seja lá que nome tenha - e veicular, através do que possa haver nele de
fértil, a retomada de potencialidade fixadas historicamente pelas comunidades e,
também, contribuir para o encontro dessas (e é no plural mesmo, de propósito)
tão procuradas identidades. (...)”
(Jurema de Souza Machado. Panorama Institucional Preservação:
A Ética das Intervenções (1996: Belo Horizonte). Anais do Seminário Preservação:
A Ética das Intervenções/ realização IEPHA/MG, FAFEMIG. Belo Horizonte:
IEPHA,1997, p. 26 a 28).
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