A ESCOLA DE
APRENDIZES MARINHEIROS DE BURITIZEIRO/MG – A VOCAÇÃO PARA SERVIR AOS RIBEIRINHOS
Autor: Carlos Henrique Rangel
Atualizada em 2020.
A conquista da região do São Francisco, após a morte do sertanista
paulista Matias Cardoso, coube a seu filho Januário Cardoso e aos seus antigos
subordinados e descendentes destes.
Primeiramente, Januário teria transferido o antigo arraial fundado por
seu pai para um local que considerava mais adequado, atualmente denominado
Arraial do Meio. As “ruínas de Mocambinho” localizadas no atual município de
Jaíba seriam então, o que restou desse antigo povoado de Matias Cardoso
abandonado às constantes enchentes. (VER TEXTO SOBRE AS RUÍNAS DE MOCAMBINHO AQUI NA PROTEUS).
Constatando as mesmas deficiências do primeiro arraial no arraial do
Meio - também sujeito às inundações - Januário mudou-se novamente, desta vez
para o local definitivo, origem do povoado de Morrinhos, atual cidade de Matias
Cardoso.
Temos como certo que, o arraial novo dos Morrinhos de Domingos do
Prado é o arraial de Morrinhos criado por Januário Cardoso.
A conquista definitiva da região teria ocorrido a partir do Arraial de
Morrinhos, com a consequente ocupação das terras dos dois grandes redutos
caiapós: Guaíbas e Tapiraçaba.
Consolidado o domínio do Rio de São Francisco, estes sertanistas
espalharam suas fazendas e arraiais por toda a região do São Francisco e Rio
Verde reforçando os vínculos com as Minas para onde remetiam o gado.
Januário Cardoso permaneceu como principal líder da região até a
década de trinta do setecentos. Após a
sua morte a liderança do arraial de Morrinhos ficou a cargo de Domingos do
Prado. Com os motins do sertão em 1736, as grandes lideranças locais perderam o
brilho e a região por este e outros fatores entrou em um período de relativo
declínio.
A região mineira do médio São Francisco se relacionou intimamente com
as terras auríferas, durante boa parte do século XVIII, tanto pelo
abastecimento de carne e outros produtos que vinham pelo sertão, importados das
capitanias de Pernambuco e Bahia, quanto pela rota para o descaminho do ouro.
A relação entre as duas regiões – Sertão do São Francisco e região
mineradora – a partir da decadência aurífera terá como consequência certa
estagnação do médio São Francisco e a forçosa necessidade de diversificar suas
atividades econômicas. Em fins do século XVIII, a vocação agropecuária do sertão
do rio São Francisco já estava inteiramente consolidada.
No século XIX, prevalece a economia de subsistência e a exploração de
recursos vegetais — frutas silvestres, ervas medicinais, madeiras de lei,
palmeiras, etc. — animais de caça e minerais: ouro, diamante e salitre. A
agricultura de subsistência com a consequente comercialização do excedente
produziu milho, feijão, cana-de-açúcar e o algodão. Este último produto vai ser
favorecido na segunda metade do século XIX pela instalação de várias indústrias
têxteis que transformam o sertão sanfranciscano no maior fornecedor de
matéria-prima e em mercado consumidor de tecidos produzidos pelas fábricas
mineiras.
Esse comércio se fazia principalmente pelos rios trafegados por
incontáveis barcas e canoas desde o século XVIII. Por meio dessas pequenas
embarcações se fazia o comércio entre Juazeiro - na Bahia - e Januária - em
Minas Gerais e subsequentemente entre Guaicuí e Pirapora. Assim, em 1847,
trafegavam no rio São Francisco 54 barcas.
Os barcos a vapor dinamizavam o comércio e o transporte na região a
partir da segunda metade do século. Em 1870, calculavam-se entre 250 a 300
embarcações percorrendo aquele rio. No final do século XIX - já na república - o estado de
Minas Gerais criou a Companhia Viação Central do Brasil – mais tarde Empresa
Banco Viação do Brasil –, com o intuito de promover o transporte fluvial da
bacia do rio São
Francisco.
Em setembro de 1892, o Banco Viação do Brasil contava nos rios das
Velhas e São Francisco com quatro embarcações de aço movidas a vapor, dois
navios de madeira e o vapor Saldanha Marinho, adquirido por volta de 1890.
No início do século XX, a cidade de Pirapora, anteriormente favorecida
pela instalação do depósito da empresa Cedro Cachoeira, passou a ser a
principal cidade da região, posição fortalecida com a chegada da estrada de ferro,
em 1911, vindo a substituir desta forma a cidade de Januária. Nos novecentos,
as relações comerciais com a Bahia continuaram fortes. Os vapores continuaram
como os grandes transportadores de mercadorias durante toda a primeira metade
do século.
Importante salientar que, devido às constantes destruições das matas
ciliares do rio São Francisco e de seus afluentes, a profundidade de seu espelho
d’água vem diminuindo de ano para ano, causando o surgimento de bancos de
areias que prejudicam a sua navegabilidade. O final do século XX assiste ao fim
da era dos vapores transportadores de passageiros e mercadorias.
A ESCOLA DE APRENDIZES MARINHEIROS DE BURITIZEIRO
As escolas de aprendizes marinheiros surgidas na segunda metade século
XIX se espalharam pelas cidades litorâneas, chegando a 18 instituições durante
o Império. No início do século XX, após reformulação, somavam 17 escolas.
É neste contexto que surge a Escola de aprendizes Marinheiros de
Buritizeiro, à época pertencente à Pirapora. O projeto do conjunto da Escola de
Aprendizes Marinheiros foi elaborado pelo arquiteto de origem italiana, Miguel
Micussi, ficando a coordenação das obras – iniciadas em 6 de maio de 1909 -
sobre a responsabilidade do engenheiro Capitão de Fragata Tancredo Burlamaqui
de Moura. Segundo o Jornal Correio da Manhã, as obras foram iniciadas de fato
em 15 março de 1910, conforme inscrição encontrada na entrada do prédio principal da Escola .[1]
A construção dos imóveis foi concluída em 28 de abril de 1911 e em 13
de junho daquele ano, o Comandante Tancredo Burlamaqui, empreendeu a
inauguração da nova Escola de Aprendizes Marinheiros.
A Escola começou a funcionar
efetivamente somente em 21 de abril de 1913, contando inicialmente com vinte (20) alunos. Esse número de alunos aumentou durante o ano de 1913,
chegando a 82 alunos segundo Relatório do Ministério da Marinha[2] ou
94, conforme o exposto na “Revista Marítima Brazileira”[3]
Única escola de marinheiros em
território mineiro, o complexo arquitetônico construído pela Marinha durante os
anos de 1910-1911, funcionou cerca de sete anos apenas, fechando em 1920. No
entanto, apesar da prematura falência, tornou-se um marco da história da região
e da marinha brasileira.
O HOSPITAL CARLOS CHAGAS
Logo em seguida, em 1922, o conjunto foi transferido em regime de
comodato para o governo de Minas Gerais, passando a abrigar o Hospital Regional
Carlos Chaga, outro importante estabelecimento destinado ao combate às doenças
na comunidade ribeirinha. Em 1939, por meio do decreto-lei federal n.° 1.569,
de seis de outubro, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, o conjunto foi
definitivamente repassado ao Estado de Minas Gerais em troca de um prédio em
Pirapora que se destinaria a sede da Capitania dos Portos no estado.
Apesar de ter se tornado referência
regional, o Hospital Carlos Chagas foi fechado, provavelmente devido à
inauguração de um hospital municipal em Pirapora em fins dos anos 1940 e início
de 1950. Sabe-se que em
1944, o hospital ainda funcionava no prédio da antiga Escola de Aprendizes de
Marinheiros.
CENTRO EDUCACIONAL DE BURITIZEIRO DA FUCAM
Em 1951, o conjunto de imóveis da antiga
Escola de Aprendizes Marinheiros foi destinado à sede de uma das Escolas Caio
Martins - importante instituição assistencialista do estado de Minas Gerais,
que teve sua origem em 1948, quando a matriz foi instalada pela Polícia Militar
na Fazenda Santa Tereza, no município de Esmeraldas.
A criação do novo estabelecimento de
ensino em Buritizeiro ocorreu em 2 de janeiro de 1952, por Manoel José de
Almeida.
As Escolas Caio Martins foram
transformadas pela lei n.° 6.514, de 10 de dezembro de 1974, em Fundação
Educacional Caio Martins – Fucam - vinculada à Secretaria de Estado de Esportes
e da Juventude (SEEJ), subdividida em seis centros educacionais: Buritizeiro,
Carinhanha, Esmeraldas, Januária, São Francisco e Urucuia.
Atualmente a Fundação encontra-se subordinada
à Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDESE –, tendo
como principal objetivo “o desenvolvimento sustentável e integrado de crianças,
adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, prioritariamente
da zona rural, para a participação cidadã.”
O Centro Educacional de Buritizeiro –
Fucam –, sediado no antigo prédio da Escola de Aprendizes Marinheiros,
apresenta salas de aulas para oficinas de educação complementar, cozinha,
refeitório, biblioteca, sala da sede do 61º Grupo Escoteiro Hélio Marcos, salão
para eventos e, na parte externa, quadras de areia e de futebol. O curso ensina
artesanato de raiz, informática, música, olericultura orgânica, jardinagem,
esportes, além de fornecer apoio pedagógico e ao escotismo. Nos seus 2.117
hectares das fazendas Varginha e Porto, a Escola conta com horticultura,
bovinocultura e avicultura e realiza visitas guiadas voltadas para o ensino,
pesquisa e extensão.
O conjunto arquitetônico e paisagístico
da antiga Escola de Aprendizes de Marinheiros se destaca por ter servido de
sede a três instituições de importância inquestionável para a região
sanfranciscana:
- A Escola de Aprendizes Marinheiros –
única escola desta categoria criada em Minas Gerais, devido à importância do
comércio fluvial interestadual da região.
- O Hospital Regional Carlos Chagas –
importante baluarte na luta contra as epidemias que assolavam o sertão
sanfranciscano.
- O Centro Educacional de Buritizeiro da
Fucam - ainda hoje uma das mais prestigiadas instituições de ensino de Minas
Gerais.
O conjunto arquitetônico é a junção de
suas funções ao longo do tempo, numa sobreposição emoldurada pelo Rio São
Francisco e o Sertão. O sertanejo, seu habitante aprendiz, determinou os usos
na medida de suas necessidades, impregnando os espaços de um simbolismo além da
pedra e cal. À qualidade arquitetônica do conjunto soma-se toda uma aura
atribuída desde a sua origem para servir e engrandecer o homem sanfranciscano.
Seu valor histórico e arquitetônico
desponta como um importante marco da cultural da Região Norte de Minas Gerais e
justificou o seu tombamento como patrimônio cultural do povo mineiro empreendido
pelo IEPHA e pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural – CONEP -em 2017.
[1]
Informação encontrada em inscrição
pelos jornalistas do Jornal Correio da Manhã existente na entrada do prédio
principal. (Jornal O Correio da Manhã, 19 de junho de 1911, p.2).
[2]
brasil, Ministério da Marinha, 1913, p.306.
Em nota no
Jornal do Brasil de 4 de Setembro de 1913, p.9, há informação de que a Escola
possuía matriculados, 88 alunos.
[3]
Revista Marítima Brazileira, dezembro de 1913, vol.XXXIII, n.º 6, p. 767.
Em julho de
1913, a escola possuía 24 alunos. Outros 23 novos alunos vieram do Rio de
Janeiro e outros pontos. (Jornal O Pirapora, 6 de julho de 1913, p.2).
Nenhum comentário:
Postar um comentário