PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

AGROPECUÁRIA EM MINAS NO SÉCULO XVIII E XIX - A ALIMENTAÇÃO


Reflexões sobre a agropecuária e a alimentação nas Minas Gerais do século XVIII e XIX
Autor: Carlos Henrique Rangel

“O certo é que, no final do período setecentista, os mineiros já não tinham mais “sua melhor bodega nos matos e rios” (MENESES,2000, p.112)




Figura 1: A economia no Brasil – Século XVIII
Fonte da Imagem: Mapa - Histórico - Brasil - Econômico - séc. XVIII – Café HistoriaVer em tamanho inteiro. Tags: Álbuns: BRASIL - MAPAS HISTÓRICOS cafehistoria.ning.com . Acessado em 29 de abril de 2013.

 

No início da ocupação do território mineiro a preocupação imediata com a exploração aurífera culminou com a falta de alimentos para a multidão de aventureiros que adentraram os sertões. A fome se alastrou entre os anos de 1697/1698 e 1700/1701. Muitos retornaram ao litoral, mas devido a esse inconsequente imediatismo inicial algumas regiões do território mineiro, pouco a pouco se especializaram na produção de alimentos para suprir as áreas mineradoras. Ilustra esses acontecimentos, a expedição de João de Góis e Araújo ao sertão do rio São Francisco por volta de 1700. Acompanhavam esse paulista, um genro e dois cunhados de Borba Gato que adquiriram gado no arraial de Matias Cardoso para levarem às Minas.[1]

A agricultura é a forma mais primária através da qual o homem altera a natureza primeira, o espaço natural. Ao laborar o solo e criar rebanhos o homem passou a produzir o espaço geográfico. O desenvolvimento da agricultura (e principalmente a sua intensificação) possibilitou o surgimento das cidades e a construção de um espaço geográfico cada vez mais artificial. No Brasil, historicamente a ocupação de novas áreas tem como característica a intensificação das atividades agropecuárias. Com a exceção da mineração, a extração vegetal e a agricultura monocultora de exportação foram as atividades econômicas desenvolvidas no Brasil que determinaram unilateralmente a forma de ocupação do território brasileiro até o século XX, quando a industrialização passou a ter importância nas atividades produtivas do País. Até então as regiões efetivamente ocupadas estavam localizadas na costa e a ocupação do interior era bastante rarefeita. (GIRARDI, Eduardo Paulon. A agricultura na ocupação do território brasileiro. Disponível na Internet: http://www2.fct.unesp.br/nera/atlas/agricultura_ocupacao.htm. Acessado em 29 de abril de 2013).

Para abastecer os mineiros e os viajantes, ao longo dos caminhos surgiram roças, vendas e ranchos.

A mera existência física de caminhos não garante a circulação de pessoas. Era necessário que neles existissem locais capazes de fornecer aos viandantes um lugar onde fosse possível o abastecimento, o descanso e a troca de animais. Ademais estavam sujeitos, esses viajantes, a constantes ataques de quilombolas, índios e malfeitores. A ocupação destes caminhos garante por um lado, a subsistência dos viajantes, e por outro lado a segurança da circulação.
(...) no que se refere ao sesmeiro que ocupa as terras ao longo do caminho, a circulação que ai se processa oferece a ele uma possibilidade de renda através da prestação de serviços, bem como do escoamento da sua produção agro-pastoril. (GUIMARÃES, Carlos Magno. LIANA, Maria Reis. Agricultura e Caminhos de Minas (1700/1750) – Revista do Departamento de História. Belo Horizonte, Departamento de História – FAFICH/UFMG, 1987, p.91).

Na terceira década do setecentos já se vislumbrava as dificuldades para a mineração. O ouvidor do Rio das Velhas, Diogo Cotrim de Souza informava em 20 de agosto de 1731: “Hoje... estão acabados os descobrimentos de ribeiros e, por acaso, sucede haver alguns nos morros...” [2]
A partir de meados do século XVIII,  a população das Minas começou a procurar áreas férteis para plantação e criação de gado. As áreas das regiões Leste, zona da Mata e Sul foram ocupadas com roças enquanto a região Oeste passou a se dedicar à criação de gado. A região norte, desde os primeiros tempos da colonização já se ocupava com a criação de gado para suprir as Minas.

A carne, elemento essencial da alimentação da colônia, foi fornecida pelo gado que vinha das fazendas estabelecidas ao longo do curso médio do São Francisco (Bahia). Estimuladas pelo mercado próximo, as fazendas subiram mais a margem do rio, alcançando o território que é hoje mineiro, e penetram até o rio das Velhas. Povoou-se assim uma área contígua ao norte dos centros mineradores. (PRADO JÚNIOR, 1981, p.57).

À medida que o ouro foi rareando, forçando o deslocamento da população para outras áreas do território, diversificaram-se as atividades.

No último quartel do século XVIII a decadência generalizou-se. Os mineiros passaram a procurar as poucas áreas de terra fértil na região das Minas ou dirigiram-se para leste - Zona da Mata, de terras mais ricas - , para as áreas de plantio do sul ou demandaram os campos criatórios situados ao oeste. Superava-se uma fase da vida econômica colonial, as atenções voltaram-se redobradamente para a atividade agrícola (LUNA, Francisco V., COSTA, Iraci Del Nero da. 1982, p. 15, 19).

Surgiram em regiões limítrofes à área mineradora, fazendas agrícolas, legalizadas através de sesmarias[3], atividade às vezes mais rendosa que a mineração. Em muitas localidades a atividade de mineração convivia com a agricultura com certa harmonia.  

Os mesmos escravos que mineravam também roçavam e plantavam no devido tempo. Podemos acrescentar, baseado em outros documentos, que fazendas havia em grande número ainda mais complexas, com plantações de feijão, milho e outros ‘mantimentos’, canaviais, engenho de cana, moinhos, de farinha, fubá etc., gado e mineração. A essas fazendas que possuíam minas e lavouras ou criações chamamos fazendas mistas. Estabelecidas no século XVIII, desde que a extração do ouro no centro do Brasil provocou a formação de arraiais e povoados sem conta, essas fazendas caracterizaram a paisagem econômica de Minas, assinalando uma diferença nítida com a de outras regiões ou capitanias como as de Pernambuco e Bahia, com os seus engenhos de açúcar e, mais tarde, nos sertões, as suas fazendas de criação e os seus currais (...) É bem de ver, porém, que à medida que decresceu a faina mineradora, já no meado do século XVIII, acentuada no último quartel dessa centúria, e mais ainda e cada vez mais na seguinte, as fazendas mistas realmente típicas da Capitania, como aliás das outras que se descobriram, integraram e formaram depois, as de Goiás e Mato-Grosso, foram desaparecendo ou perdendo tipicidade, passando a ser exceções, até sumirem completamente (Costa Filho, 1963: 160 e 164/65).

O intelectual José Vieira Couto em seu relato datado de 1799 deixou as seguintes impressões sobre as terras mineiras:

 As três Comarcas do Rio das Mortes, de Vila Rica e do Sabará ocupam a parte mais fértil dessa serra; as suas montanheiras menos íngremes, cobertas de matos e de amenos campos oferecem aos cultivadores uma fértil superfície, ao mesmo tempo em que os seus interiores, passados e repassados de ricos veios de metais convidam os mineiros para os desentranharem: desta maneira o número de seus habitantes sempre se poderá equilibrar e igualmente repartir-se entre mineiros e agricultores; (COUTO, 1994, p.53).

Segundo a historiadora Mafalda Zemella a atividade rural das Minas Gerais no século XVIII, se caracterizava por pequenas produções de alimentos em roças nas proximidades dos caminhos e estalagens e uma agricultura de subsistência após a decadência aurífera. Por outro lado, Carlos Magno Guimarães e Liana Reis destacam a importância da agricultura e seu sistema escravista[4] para sustentação da atividade mineradora, tornando-se após a decadência do ouro, a alternativa econômica das Minas Gerais.

A historiadora Cláudia Chaves em trabalho datado de 1999 detecta uma economia diversificada já no início da colonização do território mineiro, havendo um mercado consumidor forte com uma articulação entre a mineração, agricultura e comércio que mais tarde permitiu a superação da decadência aurífera. Ressalta em seu trabalho, a diversidade econômica mineira e o dinamismo do comércio entre as regiões mineiras.[5]

As áreas consideradas periféricas, ou melhor, dizendo, que se situavam fora do perímetro minerador, vão desenvolver atividades complementares à praticada na região mineradora à medida que esta vai se desenvolvendo e tornando-se mais populosa. (LAMAS, Fernando Gaudereto. Para além do ouro das Gerais: outros aspectos da economia mineira no setecentos. Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada. Jan/jun. 2008. Vol.3, nº 4, p.42).

 Nesta época a alimentação dos mineiros caracterizada pela carne de porco, frango, batatas, inhame batata-doce, mandioca e outros, exemplificava a fase de desenvolvimento da economia diversificada permitindo o acesso da população mais pobre aos alimentos “menos nobres”, ficando a carne bovina e os cereais destinados à população com maior poder aquisitivo.” [6]

“O certo é que, no final do período setecentista, os mineiros já não tinham mais “sua melhor bodega nos matos e rios”, como os paulistas que ocuparam a região e os nativos dos primeiros anos do século. Há uma rede comercial que lhes oferta uma maior diversidade de produtos e há, sobretudo uma produção local que responde à demanda da população. Se a fome era a companheira constante da aventura paulista dos primeiros anos de colonização, a subsistência foi a garantida e aperfeiçoada com o processo de sedentarização no decorrer de todo o período da mineração.” (MENESES, 2000, p. 112).

 Inicialmente negligenciada a agricultura foi pouco a pouco ocupando seu espaço na nova sociedade exercendo importante papel na sustentação da mineração. Conforme o historiador José N.C. Meneses, a agricultura nas “Minas Colonial” não poderia ser considerada de subsistência, uma vez que no sistema de subsistência, ainda está ausente o cálculo econômico intelectualizado e o custo de produção é simples, havendo apenas a medição do trabalho em unidade de tempo. Enquadrar tais características na unidade de produção da agricultura de alimentos do período colonial mineiro é forjar uma estrutura que não se sustenta. Meneses em seu estudo sobre a Comarca do Serro demostra que havia conciliação entre as atividades mineradoras e agrícolas. Minerava-se no tempo “das secas” e no tempo “das águas” aravam e plantavam. A mão de obra escrava e livre era disposta de acordo com o tempo, aptidão e o interesse produtivo, comercial ou de prestação de serviços.[7]

A atividade agrícola tornou-se segunda metade do século XVIII, uma das alternativas econômicas, juntamente com a mineração e o comércio.[8] A atividade permitiu não só a ascensão econômica e social de homens livres brancos, como a sobrevivência de muitos negros, que, através da atividade conseguiam comprar a liberdade.

Os mineiros em sua maioria dedicavam-se tanto à mineração como a agricultura e pecuária, utilizando a mão-de-obra escrava. Abordando em seu trabalho, precisamente a região da demarcação Diamantina, Meneses concluiu que “a atividade mineradora dividia espaço e mão-de-obra com a agricultura, a pecuária e atividades manufatureiras, em uma mesma fazenda, sítio ou chácara.” [9]
Outro fator a salientar era a distribuição de terras. Na colônia, as terras objetivavam a ocupação do território e consequente produção de bens exportáveis e a manutenção da população. O sesmeiro deveria ser capaz de cultivar a terra, possuindo escravos e animais, além de arcar com os custos da medição, pagas a partir de 1763, ao Juiz de Sesmaria.[10] As fazendas produziam basicamente gêneros alimentícios necessários à sobrevivência, destacando-se o milho[11], a mandioca[12], arroz, feijão, açúcar, carnes de boi, porco e frango, além de aguardente, algodão e azeite para a iluminação.[13]
A maioria da população dos distritos mineradores, e é ainda assim no alvorecer do séc. XIX apesar da decadência da mineração ocupa-se aí na extração do ouro e diamantes, que ao contrário da grande lavoura, não permite este desdobramento de atividades que encontramos nesta última, e que torna possível aos indivíduos nelas ocupados dedicarem-se simultaneamente a culturas alimentares de subsistência. O trabalho das minas é mais contínuo e ocupa inteiramente a mão-de-obra nela empregada. Sob este aspecto, as populações mineradoras se assemelham às urbanas. Tal fato provocou em Minas Gerais, mais densamente povoada que outros centros de extração de ouro, o desenvolvimento de certa forma apreciável de uma agricultura voltada inteiramente para a produção de gêneros de consumo local. (PRADO JÚNIOR, 1981, p. 162).

No oitocentos a agropecuária assume de vez o título de principal atividade econômica do  território mineiro, o que se pode perceber pelas observações do viajante francês, Auguste de Saint-Hilaire[1], sobre a vida dos fazendeiros nas primeiras décadas do século:

Entre os mineiros, os homens de maior consideração são seguramente, os que habitam o campo e, sobretudo, os fazendeiros das zonas auríferas do centro da província. Esses proprietários, e, particularmente, os que exploram minas, geralmente superiores pelo trato e pureza de linguagem, não só aos nossos simples campônios, como ainda, aos nossos mais ricos lavradores, e, como já tive ocasião de dizê-lo, existem mesmo vários deles que fizeram alguns estudos. Quase todos os homens brancos não trabalham pessoalmente e contentam-se em dirigir os escravos. (...)
Suas casas oferecem, em regra, poucas comodidades e não possuem. Em geral nenhum ornato sobre a brancura das paredes. Como custaria muito dinheiro mandar vidraças em lombo de burro desde o litoral até o interior, deixam-se as janelas completamente abertas durante o dia e à noite fecham-se com a aldrobas. Não se conhecem nas casas de fazendeiros nenhum desses móveis que acumulamos em nossos aposentos. Guardam-se as roupas nas malas, ou, antes, dependuram-se em cordas, afim de preservá-las da umidade e dos insetos. As cadeiras são raras e as pessoas se sentam em bancos, tamboretes de madeira e escabelos. Nas casas dos ricos, os leitos são os móveis que merecem maiores cuidados; as cortinas e as colchas são muitas vezes de damasco, e os lençóis de um tecido de algodão muito fino, tem guarnições de renda. Quanto ao colchão, compõe-se simplesmente de um fardo de palha de milho desfiada; mas, em país tão quente, dormir-se ia pior sobre lã ou penas. (...)
Os habitantes do Brasil, que fazem geralmente três refeições por dia, têm o costume de almoçar ao meio dia. Galinha e porco são as carnes que servem mais comumente em casa dos fazendeiros da Província das Minas. O feijão preto forma prato indispensável na mesa do rico, e esse legume constitui quase a única iguaria do pobre. Se a esse prato grosseiro ainda se acrescenta mais alguma coisa, é arroz, ou couve ou outras ervas picadas, e a planta geralmente preferida é a nossa serralha que se naturalizou no Brasil e que, por uma singularidade inexplicável se encontra frequentemente em abundância nos terrenos em que recentemente se fizeram queimadas de mata virgem. Como não se conhece o fabrico da manteiga, é substituída pela gordura que escorre do toucinho que se frita. O pão é um objeto de luxo; usa-se em seu lugar a farinha de milho, e serve-se esta última ora em pequenas cestinhas ou pratos, ora sobre a própria toalha, disposta em montes simétricos. (...)
É muito raro encontrar vinho em casa de fazendeiros; a água é a sua bebida ordinária, e, tanto durante as refeições como no resto do dia, é ela servida em um copo imenso levado em uma salva de prata, e que é sempre o mesmo para todos. (SAINT-HILAIRE, 1975, p.126 a 129).
 Quanto à alimentação do mineiro comum e dos tropeiros, os alimentos mais consumidos durante os séculos XVIII e XIX foram a farinhas de mandioca e de milho e as carnes de sol ou conservadas na banha. Há de se lembrar de que durante o período colonial a farinha de mandioca na forma de bolos, beijus, sopas e angus ou mesmo misturada à agua, feijão e carnes era o alimento mais utilizado. Em Minas Gerais, o milho substituía a farinha de mandioca.[15] Os mais pobres se alimentavam geralmente de feijão preto, arroz, couve ou outro tipo de folhas.
Como não se conhece o fabrico da manteiga, é substituída pela gordura que escorre do toucinho que se frita. O pão é um objeto de luxo; usa-se em seu lugar a farinha de milho, e serve-se esta última ora em pequenas cestinhas ou pratos, ora sobre a própria toalha, disposta em montes sistemáticos. Cada conviva salpica com farinha o feijão ou outros alimentos, aos quais se adiciona salsa, e faz-se assim uma espécie de pasta: mas, quando se come carne assada, cada vez que se leva um pedaço à boca, junta-se uma colher de farinha, e , com uma destreza inimitável, arremessa-se a colherada sem deixar cair um só grão.. Um dos pratos favoritos dos mineiros é a galinha cozida com os frutos do quiabo (hibiscos esculentus), de que se desprende uma mucilagem espessa semelhante à cola; mas os quiabos não se comem com prazer senão acompanhados de angu, espécie de polenta sem sabor (...).(SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias  do Rio de Janeiro e Minas Gerais; Belo horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1975, p. 96).
Cerca de cinquenta anos depois da viagem de Saint Hilaire – 1867 - Richard Burton descreve um jantar oferecido em uma estalagem entre Barroso e São João Del Rei:
A carne consistia em um naco de porco assado, no qual se absterá de tocar qualquer estrangeiro, no Brasil, depois de ter travado conhecimento com o sistema de criação do animal preferido por São Jorge. Diante dele, os porcos vendidos nos mercados da índias são um exemplo de boa criação. Há em geral galinha “au riz”, com cabeça e pescoço, miúdos e quatro pés, mas, provavelmente, faltando uma asa e uma coxa. Os ovos fritos são tão comuns como os pombos e omeletes na Itália. O Brasil, como a Inglaterra, é uma terra de um só molho, pimentas vermelhas e amarelas, colhidas no quintal e esmagadas com caldo de limão. A feijoada, conhecida na região como tutu de feijão, é o pão de cada dia de muitos lugares onde o pão de trigo não é procurado e o pão de milho é desconhecido. Ouvi um irlandês chama-lo de “cataplasma de feijão”, e essa denominação cabe, sem dúvida alguma. É uma mistura de farinha com feijão, temperada com toucinho – o óleo, e a manteiga de cozinhar do país. O tecido adiposo do porco, depois de serem tirados os ossos, as entranhas e a carne, ligeiramente salgado, fica higienicamente bem adaptado ao feijão, combinando carbono com nitrogênio; infelizmente, ele faz parte de quase todos os pratos, e não faz bem à digestão do “jovem Brasil”. (...) O arroz é cozido sensatamente. Os brasileiros conhecem o processo, ao passo que os ingleses e anglo-americanos ainda persistem em comer a casca.
Como sobremesa, aparecem a canjica, milho cozido, e doces apreciadíssimos por todas as classes e idades. A canjica é temperada com rapadura, e acompanhada de marmelada ou goiabada. As duas últimas são apresentadas em caixas de pau ou latas rasas. São as preferidas de todos, supondo-se que facilitam a digestão, e acompanhadas de queijo salgado, do mesmo modo que em Yorkshire se serve queijo junto com pudim. O vinho, quando há é chamado Lisboa, e é um rum de melaço, com corante e valendo metade do pior vinho das uvas de Barbacena; seu nome popular é “cáustico”. Às vezes, há um vinho de Bordeaux,(...). Toda refeição termina, invariavelmente, com uma xícara de café, não a “água de batata” da Inglaterra, mas embora forte, mal feito.
Pouco tempo depois, o engenheiro inglês James Wells no início de sua entrada em Minas no ano de 1873, descreveu a alimentação servida em um hotel em que ficou hospedado em Chapéu das Uvas,  atual Paula Lima:
Logo um odor de cebolas, banha e alho, e café torrado invade o estabelecimento; uma negra velha emurchecida, com aparência de bruxa, meio – vestida com trapos andrajosos e escurecidos de gordura e fumaça, estende sobre a mesa  uma toalha grossa de algodão de Minas e volta com pratos de feijões cozidos e toucinho, frango ensopado e arroz, um pernil indefinível, um monte de carne de porco assada, outro monte de carne de boi estorricada até às cinzas ( uma ilha em um lago de gordura amarelo-clara), uma vasilha de farinha, algumas porções de massa de pão dura, duas caixas de madeira de goiabada, laranjas, bananas e queijo holandês, umas poucas garrafas de cachaça e “cinta-negra” (vinho português, vinho tinto ou “figueira”), pratos, facas e garfos de cabo de ferro, que nunca foram polidos, e “o jantar está pronto”. (WELLS, James W. Explorando e viajando – Três mil milhas através do Brasil – do rio de Janeiro ao Maranhão. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1995, vol. I,  p. 75).
Já em sua estadia no antigo arraial de São Gonçalo da Ponte – atual Belo Vale – Wells externou sua visão sobre a culinária mineira que lhe parecia repetitiva:
O cardápio era o inevitável frango cozido com arroz, feijão preto, batatas, abóbora, couve e farinha de mandioca, restilo (aguardente de cana, ou cachaça, redestilada) e vinho português (cinta negra). Estávamos todos famintos demais para criticar o que quer que fosse, e rude e malservida como era a nossa mesa, nunca um jantar foi tão bem apreciado. (WELLS, 1995, vol. I,  p. 104).
A partir do século XIX, a agropecuária substituiu o ouro como principal atividade econômica de Minas Gerais, predominando a criação de gado e porcos, a plantação de milho, mandioca e café. As Minas Gerais, com sua economia “autossuficiente e limitada”, ainda assim abastecia com seus produtos agrícolas o Rio de Janeiro e São Paulo. O café sul mineiro mostrava a sua força, sendo responsável pela maior parte da arrecadação de impostos da província, deixando a pecuária em segundo lugar. O território mineiro chegou a ser ocupado em 96% - noventa e seis por cento - por fazendas que absorviam 79% - setenta e nove por cento - da mão de obra escrava da província.
A concentração de propriedades rurais em determinadas regiões originou vários povoados que mais tarde tornaram-se importantes municípios mineiros.



[1] Márcio Santos cita o documento: Carta de João de Góis e Araújo para Dom João de Lencastro, 06/03/1701. Arquivo da Casa de Cadaval. cód. 1087 (k viii 1k), fls. 482-483. Publ. em Antonil, op. cit., p. 393-395. (SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. trabalho “a cópia setecentista do mapa de Jacobo Cocleo: leituras e questões”, Anais do 1º simpósio brasileiro de cartografia histórica. 10 a 13 de maio de 2011. p.14. Disponível na Internet: https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/santos_marcio_roberto_a.pdf. Acessado em 29 de abril de 2013. Miguel Costa Filho, também informa essa data. (COSTA FILHO. 1963, p.57, 58)
[2] barbosa, waldemar de Almeida. A decadência das Minas e a fuga da Mineração. Belo Horizonte: Imprensa da universidade Federal de Minas Gerais, 1971, p.17.
[3] Sesmaria deriva, para alguns, de sesma, medida de divisão das terras do alfoz; como, para outros, de sesma ou sesmo, que significa a sexta parte de qualquer cousa; ou ainda, para outros, do baixo latim caesina, que quer dizer incisão, corte. Herculano parece tê-la como procedente de sesmeiro, cuja filiação etimológica, entretanto, não indica”(LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4 ed.Brasília: ESAF, 1988.p.19).
Durante todo o período colonial a forma de aquisição de terras ocorria por meio de sesmarias. As cartas de sesmarias foram instituídas em 1375 em Portugal, quando da sua formação enquanto nação. As sesmarias garantiam que os seu recebedor teria posse vitalícia da terra doada desde que a mantivesse produtiva.  Martim Afonso de Souza concedeu as primeiras sesmarias no Brasil no século XVI. Em 17 de julho de 1822, a Resolução n.º 22 – Resolução de Consulta da Mesa do Desembargador do Paço – extinguiu o sistema de distribuição de terras por sesmarias. Somente em 18 de setembro de 1850 é que surge uma nova regulamentação para a posse de terras – a lei n.º 601, denominada Estatuto das Terras Devolutas ou Lei de Terras. (PANIAGO, Einstein Almeida Ferreira. Sesmarias, Registros paroquiais e Políticas Expropriantes das Terras em Goiás. Disponível na Internet: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=4&ved=0CEQQFjAD&url=http%3A%2F%2Fwww.revistas.ufg.br%2Findex.php%2Frevfd%2Farticle%2Fview%2F15154%2F9537&ei=y3GCUaXNJsjz0gHzxIG4BQ&usg=AFQjCNGb5k6JFsC0-dWGLNd0lAxCgvoR9Q&sig2=us9X72bXlm8pwfjW3_s3aw . Acessado em 2 de maio de 2013).
 [4]Os escravos trabalhavam nos engenhos, nas lavouras e exerciam as funções de ferreiros e carpinteiros, além de serem envolvidos no transporte de mercadorias pelos caminhos de Minas e para o abastecimento do Rio de Janeiro.
[5] MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina: Maria Fumaça, 2000, p. 88,89.
[6] MENESES, 2000, p. 96, 97.
[7] MENESES, 2000, p. 166 a 168.
[8] A partir das últimas décadas do século XVIII as fazendas começaram produzir alimentos e vestimentas. Nos oitocentos, surgiram as plantações de café e a indústria de laticínios. A produção de café iniciada no Rio de Janeiro se estendeu pelo sul de Minas Gerais e pelo sul do território do Espírito Santo e finalmente leste de São Paulo.  Tornou-se o principal produto nacional a partir de meados do século XIX e início do século XX.
[9] MENESES, 2000, p. 159. Por causa das dificuldades dos primeiros tempos os mineiros do setecentos preferiam alimentos cozidos e evitavam desperdício. As sobras eram utilizadas em farofas e sopas.
[10] MENESES, 2000, p. 153,154.
[11]Planta da família gramineae  o milho é originário da América Central, cultivado a sete mil anos. Foi muito cultivado pelos Maias, Astecas e Incas. No período colonial os escravos negros eram alimentados com milho e mandioca.
[12] A mandioca é cultivada na América há mais de dois mil e quinhentos anos antes de Cristo. O alimento tem lugar de destaque na formação socioeconômica e cultural do Brasil e ainda hoje compõe o prato de vários segmentos da população.  Já no século XVI a sua utilização pelos índios era mencionada pelos jesuítas que perceberam a sua importância vital para a sobrevivência da colônia.
[13] MENESES,2000, p. 169.
[14] Durante as suas viagens Saint-Hilaire e seus acompanhantes almoçavam regularmente o que carregavam: feijão preto cozido com toucinho, arroz e algumas xícaras de chá, farinha de milho ou mandioca. (SAINT-HILAIRE, 1975, p.66).
[15] HISTÓRIA da Vida Privada. 1997, vol.1, p. 124.
 [1] Durante as suas viagens Saint-Hilaire e seus acompanhantes almoçavam regularmente o que carregavam: feijão preto cozido com toucinho, arroz e algumas xícaras de chá, farinha de milho ou mandioca. (SAINT-HILAIRE, 1975, p.66).

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