A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL AS COMPETÊNCIAS NOS NÍVEIS FEDERAL ESTADUAL E MUNICIPAL
"A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 mudou
essa já tradicional distribuição de competência. No art. 24, que trata da
competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal, foi
expressamente incluída a matéria pertinente à proteção de patrimônio
histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inc. VII).
Ressalta-se que os §§ 1º e 2º, do art. 24 rezam que, para as matérias dispostas
nos seus incisos, a competência da União é de estabelecer as normas gerais, sem
excluir a competência concorrente dos Estados. E os municípios? Poderão eles
legislar sobre a matéria? Entendemos que sim, pois o art. 30, inc. II, dispõe:
Art. 30 – Compete aos Municípios:
(...)
II – suplementar a legislação federal e a estadual no
que couber (...)
Outrossim,
cabe também aos municípios a competência executiva comum relativa à proteção
cultural, sendo certo que sua competência legislativa é hoje supletiva à
legislação federal e estadual, sobre o assunto16.
Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
III –
proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e
cultural, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (...)
e ainda:
Art. 30 – Compete aos Municípios:
(...)
IX –
promover a proteção do patrimônio histórico cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Face a esta
nova sistemática de distribuição de competência, pode-se afirmar que os
municípios, não obstante continuem a ter competência executiva para proteção de
seus bens culturais, perderam a autonomia legislativa ampla que lhes era
atribuída pelas Constituições anteriores, já que terão de observar as normas gerais
para proteção, de âmbito federal, bem como as normas estaduais sobre o
assunto. Resta-lhes, portanto, observadas as normas referidas, suplementar a
legislação no que lhes for especificamente local.
Assegurada,
no campo constitucional, a distribuição de competências para dispor sobre
proteção ao patrimônio cultural, importante indagar quais os limites da ação de
cada um desses entes políticos. Olimite mais evidente, e sem qualquer
questionamento, é o limite territorial de cada uma dessas entidades17. É princípio constitucional que cada um dos
entes políticos
dispõe unicamente no âmbito dos seus limites territoriais. Por mais evidente
que possa parecer a questão, faz-se necessário acentuá-la, sobretudo com
relação ao eventual interesse de Estados e Municípios de proteger bens móveis
que, embora a eles estejam culturalmente vinculados, estão localizados fora de
suas fronteiras. Neste caso será inconstitucional a ação de qualquer ente
político fora de seus limites territoriais, pois somente no seu território é
que a Constituição lhe garante os poderes políticos próprios de entidade
estatal. Consequentemente, conclui-se que só a União poderá proteger bens em
qualquer parte do território nacional.
Outro limite
que se pode inferir da norma constitucional é o grau de interesse em relação ao
bem a ser protegido. Se os três entes políticos têm competência executiva
concorrente para tombar, qual seria o limite desta competência? Parece-nos que,
neste caso, a competência executiva concorrente impõe a necessidade de se
avaliar o grau de interesse. Isto significa que a União terá competência
para proteger bens que tiverem importância nacional; os Estados, bens que
tiverem significado regional; e os Municípios, aqueles bens de interesse local.
É evidente que, tendo um bem importância nacional, sua importância regional, ou
local, é quase, automaticamente, decorrente. Esta lógica não implica,
entretanto, o exercício necessariamente vinculado da competência de proteção
daqueles outros entes políticos. Eles a exercerão, na forma estabelecida em
legislação pertinente que, de modo geral, atribui ao Poder Executivo a
competência para fixar, por ato administrativo, os bens a serem protegidos.
Para um determinado bem que tenha importância nacional, fica o bastante fácil
demonstrar sua importância regional ou local; mas o inverso pode não ser
verdadeiro. Há bens que têm importância exclusivamente regional ou local; nesta
última hipótese, apenas o Estado, ou Município, terá interesse jurídico em
protegê-los; um bem de importância apenas regional será protegido pelo
Estado-membro, refugindo à União o interesse da proteção18.
Essa questão
vale ser bem esclarecida quanto ao seguinte aspecto: um determinado bem pode
ter vinculação estreita à cultura de uma região ou de um local, isto é, ser
característico de determinada área. Nem por esse motivo passa a ter significado
nacional, porque a cultura de um País não é una, nem uniforme, mas uma
composição, um somatório de culturas regionais ou locais, com elos de ligação
comuns19. Oque diferenciamos na repartição de
competência é a hipótese de um bem desprovido de importância nacional vir a ser
protegido pela União unicamente para suprir a eventual omissão do Estado ou do
Município; neste caso, entendemos não existir interesse jurídico para ação da
União, por falta de amparo legal.
A
Constituição Federal não é explícita quanto à especificação do grau de
interesse. Ao dispor que cabe ao poder público a promoção e a proteção dos bens
de interesse cultural, ela estabelece a concorrência da competência executiva.
Esta competência concorrente deve ser compreendida a partir da sistemática que
deflui de outros princípios constitucionais. Parece-nos evidente que, se
determinado bem não tem importância para a cultura nacional, falece à União
competência para agir na sua proteção por falta de interesse jurídico.
Consequentemente, esta proteção poderá estar na órbita do interesse do Estado,
ou do Município. Por outro lado, nada obsta que ocorra uma ação conjunta dos
três entes políticos. Esta pode acontecer se determinado bem tiver importância
tanto para a União, como para o Estado e o Município.
Aí poderão
agir todos os entes políticos, cada um per si, praticando os atos
necessários à proteção do bem. Oato de proteção de qualquer deles não obsta o
do outro ente político. Poderá haver dois ou mais atos de proteção – tantos
quantos forem as competências correspondentes aos respectivos interesses
jurídicos, e nenhum deles, em princípio, eliminará os efeitos do outro. É bem
verdade que se os efeitos de cada ação forem diversos, mas compatíveis, incidirão todas
as restrições, de modo que, cumprindo a mais restritiva, se cumpra as demais.
Entretanto, se as determinações de cada um dos entes políticos forem diversas e
incompatíveis entre si, aplicar-se-á o princípio do maior interesse,
prevalecendo as exigências do ente federal sobre o estadual e, desse último,
sobre o municipal20."(GRIFOS NOSSOS)
RABELLO ,
Sônia. O Estado
na P r e s e r va ç ã o de Bens Culturais O Tombamento. P. 32 a 36. http://www.soniarabello.com.br/biblioteca/O__Estado__na_Preservacao_de_Bens_Culturais.pdf
Acessado em 02 de dezembro de 2013.)
____________________________________________________
MINHA OPINIÃO
Acredito que um bem cultural para ser tombado e elevado a patrimônio cultural do Estado de Minas deve ter:
- Importância Histórica e cultural para uma região do Estado.
- Importância sentimental, e ou religiosa para uma região do Estado.
- Excepcional valor artístico para o Estado.
- Importância arquitetônica/arqueológica/espeliológica/paisagística/natural para uma região do Estado.
15 “Titulares dos direitos, pretensões, ações ou exceções que nascem
do tombamento, bem como do direito e da pretensão a tombar bens que entrem nas
categorias mencionadas no texto, são a União, o Estado-membro, o Distrito
Federal e o Município em que se achem tais bens (...)
Mas pode o
interesse na conservação e guarda ser mais especialmente para o Estado-membro,
o Distrito Federal, ou o Município.” (Pontes de Miranda, Comentários à
Constituição de 1967, vol. VI, p. 376)
(a) “OPoder
da União não exclui o dos Estados-membros e dos Municípios: a competência
conferida ao serviço federal para o tombamento de bens não exclui a de
serviços congêneres instituídos para o mesmo fim, pelos Estados e Municípios (Revista
do Direito Administrativo, 120, p. 459).” (José Celso Mello Filho, op.cit.,
p. 539).
16 “A
Constituição não situou os Municípios na competência comum do art. 24, mas lhes
outorgou competência para suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber, o que vale possibilitar-lhes disporem especialmente sobre as matérias
ali arroladas e aquelas a respeito das quais se reconheceu à União a
normatividade geral.” (José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional
Positivo, p. 435)
17 Neste
sentido pronunciou-se Prudente de Moraes em voto no Conselho Consultivo do
IPHAN, em 5 de setembro de 1977:“Nestes três níveis, ou âmbito de competência,
entretanto, a pessoa jurídica de direito público interno que exerce jurisdição
sobre a área em que o bem se localiza, tem irrecusável competência para
tombá-la.” (Atas do Conselho Consultivo do IPHAN, Série Conselho
Consultivo, Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro).
18 “O
princípio geral que norteia essa repartição de competência baseia-se na predominância do interesse,
segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante
interesse geral, nacional; ao passo que aos Estados hão de ser afetas as
matérias e questões de predominante ou peculiar interesse regional. No Brasil,
ainda há que considerar a posição do Município, ao qual a Constituição confere
autonomia, especialmente no que concerne aos assuntos de peculiar interesse.
(...) Acontece que, no Estado moderno, se torna cada vez mais problemático
discernir o que é de interesse geral ou nacional do que seja de interesse
regional ou local.” (José Afonso da Silva, Direito Positivo Brasileiro,
1976, p. 60)
19 “(...)
deve-se ressaltar que o tombamento de um bem pela União, Estado ou Município
não está ligado ao seu tamanho, mas à sua relevância nacional, questão esta de
mérito administrativo. A autoridade pública federal, estadual ou municipal –
investida de poderes específicos – apreciará e julgará a importância do
tombamento que for proceder. Como conseqüência, não caberá a nenhuma das entidades
políticas opor-se ao julgamento de mérito de outras.” (Sonia Rabello, Tombamento
e proteção aos bens culturais) Ver, neste sentido, também o parecer de
Paulo Francisco Rocha Lagoa, de 2 de janeiro de 1986 (Ofício 01/86 – CEJUR –
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, p. 4).
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