A CIDADE DO SONHO
Autor: Carlos Henrique Rangel
Em uma cidade não muito distante, havia um
homem que era muito rico, dono de muitas casas e lojas chamado Luciano. Um dia
Luciano resolveu demolir uma velha casa que ficava no centro da cidade.
-
Uma
cidade precisa crescer... E para crescer é preciso fazer coisas novas e
modernas. O futuro é o concreto e os arranha-céus. Cidade progressista é aquela
que tem grandes edifícios de concreto. Progresso, progresso, é disto que
precisamos, uma cidade que acompanha o seu tempo...Por isso vou demolir esta
velha casa e construir um lindo prédio. Nossa cidade não pode parar no tempo.
Temos que acompanhar o progresso do mundo... – Dizia a todos o senhor Luciano
com orgulho.
Muitas pessoas não se importaram. Alguns
garotos e velhos não gostaram.
-
É
um absurdo o que o Senhor Luciano vai fazer. Ele não pode demolir o casarão. –
Disse o menino Gabriel.
-
Bobagem
existem tantos... Um não vai fazer falta...- Falou um homem.
-
Vai
sim... É assim que começa, primeiro derrubam um, depois outro... Uma casa ali
outra acolá... E ai lá se vai a nossa memória... – Rebateu o velho senhor Juca.
-
Deixem
que ele faça o que quiser, a casa é dele... – Disse uma moça.
- Não acho isto certo, com a destruição do
casarão toda a cidade perde... – Falou o menino Gabriel.
-
Isto
mesmo, temos que defender a nossa cidade. Se nós que moramos aqui não fizermos
nada, ninguém mais fará. – Disse Pedro, o dono do cinema local.
-
Vocês
deviam é cuidar das suas vidas, deixem o homem fazer o que quiser. – Falou
novamente a moça.
- Isto não está certo... Ele não tem o direito
de destruir parte da história de nossa cidade...
-
Tudo
bem, mas o que vamos fazer?... O que podemos fazer? – Perguntou o senhor Juca.
- Não há nada a fazer... A não ser que vocês
tenham muito dinheiro para comprar o casarão... – Disse um homem rindo.
-
Vamos
falar com o Senhor Luciano, quem sabe conseguimos convencê-lo. – Falou Gabriel.
-
Boa
ideia menino. Vamos lá na mansão falar com o Senhor Luciano, tenho certeza que
ele vai mudar de ideia.
-
Isto
mesmo temos que defender a nossa cidade. Se nós que moramos aqui não fizermos
nada, ninguém mais fará.... Estranho, acho que alguém já disse isto...
Montaram uma comissão e foram até a mansão do
homem rico, pedir para que não destruísse a casa.
- Quanta gente, a que devo a honra desta
visita? – Perguntou Luciano.
-
Senhor Luciano, estamos aqui para pedir que em nome da história de nossa
cidade não destrua o casarão... – Disse Gabriel.
-
Por
que não? Ele é muito velho, já deu o que tinha que dar...
-
Por
isto mesmo. Por que é uma casa do tempo em que a cidade nasceu.
-
Quantas
coisas aconteceram ali... Alegrias e tristezas. Festas, aniversários...
Velórios... – falou o velho senhor Juca.
- Daquelas janelas, quantos olhares viram o
tempo passar, a vida passar... – Lamentou outro velho.
-
Lembro
da Mariazinha sua avó, linda e faceira na janela sorrindo para todos que
passavam...Os homens passavam devagar olhando apaixonados... – Continuou o
velho senhor Juca.
-
Era
linda... Olhos brilhantes, lábios
vermelhos como morangos... Dançávamos no grande salão nas festas de
aniversários... A banda tocava lindas canções de amor e Mariazinha flutuava... Namorei
ela, lembra?
-
Sim, mas foi o avô do Senhor Luciano que casou com ela...
-
Chega
de falar em minha avó que já morreu há muito tempo... A casa está abandonada
agora... Ninguém mais vive lá... O que passou, passou... – Gritou Luciano com
raiva.
-
Pode
ser usada. Nossa cidade precisa de uma Biblioteca Pública.
-
Uma
casa de cultura. – Disse um menino.
-
Porque
não um museu!? Nossa cidade não tem museu...
-
Chega!
Que engraçado, vocês falam da casa como se fosse de todo mundo...Já decidi, vou
construir no lugar um prédio enorme, cheio de lojas. E vocês... Saiam da minha
casa, me deixem em paz. – Falou Luciano nervoso.
-
Mas
Senhor Luciano...
- Chega de mas... O casarão é meu e faço o que
quiser... No futuro vocês vão me agradecer...
O grupo foi embora triste por não ter
conseguido convencer o homem rico.
-
Que
atrevimento deste povo vir aqui na minha casa e me dizer o que eu devo fazer
com o casarão... Ora bolas, Biblioteca... Vejam só...
Luciano então fechou a porta de sua casa e foi
deitar no sofá da sala ainda com raiva.
E dormiu. E sonhou. Sonhou que estava numa rua
barulhenta, cheia de carros, onde quase não se via o Sol por causa dos prédios.
Luciano andava pela rua em meio a multidão
nervosa. Havia muita gente. Gente triste e suada por causa do calor que fazia.
Luciano olhava para um lado e para o outro e não via uma árvore. Os prédios
pareciam iguais. As pessoas pareciam iguais. Caminhou então pela rua até chegar
em uma praça. Uma praça sem árvores, com uma igreja enorme de concreto.
Luciano a achou feia. Sentou em um banco da
praça e ficou vendo todo aquele barulho, sentindo muito calor e muita saudade
de sua cidade.
- Que cidade é essa? Que lugar triste e feio. Onde será que estou? – Lamentou sem entender nada.
Resolveu saber perguntando a alguém: Um menino
que passava.
-
Ei
menino, que cidade é essa?
O
menino riu.
-
Ora
senhor Luciano, não reconhece? Essa é a sua cidade.
-
Minha
cidade? Mas onde estão os casarões? Onde está a Matriz? E a praça?
-
Os
casarões foram demolidos, eram muito velhos. A Matriz, ora, o Padre quis uma
igreja maior.
-
E
a praça? Onde está aquela bela praça cheia de árvores?
-
Está
aí, não está vendo?
-
Mas
não pode ser... Onde está a casa do Manuel, meu amigo? E a casa da Dona
Cotinha...? Onde está a padaria do seu Juca? E o cinema, onde eu costumava ir
ver os filmes de aventuras...?
Luciano não conseguia entender. Aquela não
parecia a sua cidade.
Não havia mais nada que lembrasse o seu
passado.
- Ei você, O que aconteceu com o cinema? –
Perguntou a um transeunte.
-
Ah...
Aquele monstrengo? Foi demolido, ninguém mais ia assistir filmes lá.
-
Mas
era tão bonito... E a padaria do seu Juca, o que aconteceu com ela?
-
Ora
seu Luciano, todo mundo agora compra pão na padaria moderna lá do Supermercado.
-
Eu
não entendo mais nada... Onde será que está a minha mansão... Ficava aqui nesta
rua...
Saiu andando procurando a sua mansão. Não
encontrou.
Em seu lugar havia um feio edifício de vinte
andares.
-
Nossa
Senhora, cadê a minha casa? Quem foi o atrevido que construiu este prédio aqui?
Saiu caminhando triste pela avenida Principal.
Barulhenta e cheia de placas, não lembrava em nada a avenida que conhecia,
cheia de árvores e casarões coloridos.
Chegou finalmente enfrente a um velho prédio
que estava sendo demolido.
-
O
que está acontecendo?
-
Estamos
demolindo este prédio. Foi o primeiro da cidade, mas agora não serve mais, vão
construir um prédio mais moderno em seu lugar.
-
O
primeiro?
-
É,
não se lembra Senhor Luciano? O senhor demoliu o casarão que existia aqui e
construiu este prédio.
-
Eu?
– Perguntou espantado Luciano.
-
Sim
Senhor. Depois deste vieram os outros.
-
O
padre gostou da idéia e demoliu a velha igreja...
-
O
prefeito achou que as árvores da praça e da avenida escureciam a cidade e
mandou cortar...
Ficou
melhor não acha?
-
Não,
não acho... Faz um calor danado aqui... Não tem sombra, nem canto dos
pássaros... O povo parece triste e apressado... Os prédios são feios e
iguais... Não sobrou nenhum casarão?
-
Claro
que não. Nossa cidade é moderna. – Disse o homem.
-
E
ser moderno é isso? Não reconhecer mais nada na nossa cidade? É ficar perdido
como se estivéssemos em terra estranha?
Luciano começou a chorar... E foi chorando que
acordou. Levantou depressa e correu para a janela. Lá fora a cidade brilhava
com seus velhos casarões coloridos. A torre da igreja despontava alta e
pássaros cantavam nas árvores da avenida. Luciano limpou o suor da testa
aliviado e correu para o casarão. Aquele que ele queria demolir e os velhos e
garotos queriam salvar.
Luciano chegou a tempo de impedir a sua demolição.
-
Parem
os trabalhos. – Gritou com toda sua força.
-
O
senhor não vai mais demolir o casarão? – Perguntou um operário.
-
Não.
Este casarão faz parte da nossa história. Vamos transformá-lo em uma
biblioteca, ou quem sabe em um museu. O certo é que não será mais demolido e
voltará a fazer parte da vida de nossa cidade.
-
E
o progresso?
-
Preservar
nosso passado também é progresso. Os nossos casarões, sobrados, casas simples,
nossas igrejas... Cheios de suor, lágrimas, alegrias, vivências, esperanças e
fé do povo é que diferenciam a nossa cidade das outras. Nossas praças e ruas
estão impregnadas das vidas de nossos bisavôs, avós e pais e merecem respeito.
Nossas festas são as nossas festas... Diferentes das festas das outras cidades
vizinhas. Progresso não é viver em uma
cidade sem rosto igual a tantas outras. Progresso é conciliar o velho e o novo,
as manifestações tradicionais com as novas tecnologias. Os prédios novos podem
ser construídos em outro lugar fora do centro da cidade, sem afetar o nosso
passado.
-
Isto
mesmo Senhor Luciano. Preservar é crescer com identidade... – Gritou um menino
todo alegre.
- É continuar com
dignidade... – Falou o Senhor Juca.
- Viva o Senhor Luciano!
– Gritou um outro senhor.
- Viva!
– Gritaram todos.
E assim, gritando vivas o grupo de
preservacionistas, operários e o Senhor Luciano se abraçaram felizes. Alguém
trouxe um pandeiro, outros um tambor, uma cuíca e uma viola.
Toda a avenida Principal virou uma grande
festa.
FIM
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