Os
Caminhos Feitos de Ferro
Com a chamada Revolução
industrial iniciada a partir da Inglaterra nos primeiros anos do século XIX e
logo em seguida se estendendo pelo restante da Europa, começou a concentração
dos meios de produção em fabricas, substituindo as oficinas caseiras. Está
concentração somente foi possível devido às invenções do século XVIII,
principalmente o tear mecânico e a máquina a vapor. O aumento da produção
acarretado pelas mudanças no sistema de produção levou à necessidade de ampliar
os mercados e dinamizar a distribuição dos produtos.
Assim, a busca por
novos meios de transportes de mercadorias e passageiros começaram a ser
esboçados a partir dos primeiros anos do século XIX: Em 1802, surgiu a
denominada “dirigência a vapor para estrada” construída pelos ingleses Richard
Trevithick e Andrew Vivian; Em 1808, Richard Trevithick apresentou a “Catch me
Who Can”. Em 1825, surgiu a primeira linha férrea considerada prática, que
ligava Darlington a Stockton.
A partir do concurso
promovido pela Estrada de Ferro Liverpool-Manchester em 1829, surgiu a máquina
denominada Rocket, construída por Stephenson. Esta máquina vencedora do
concurso começou a percorrer o trajeto Liverpool-Manchester somente a partir de
1830.
No Brasil, a
necessidade de meios de transporte ágeis e eficientes para o escoamento das
produções agrícolas do interior para o litoral foi sentida ainda nas primeiras
décadas do século XIX. Já em 31 de outubro 1835, o Regente Padre Feijó promulgou
a lei nº 101,[1] baseada
em projeto de lei do deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos, que concedia
favores aos interessados em implantar no país, uma estrada de ferro que pudesse
ligar o Rio de Janeiro à província de São Paulo e Minas Gerais. Está lei, no
entanto, apesar da várias tentativas de
alguns interessados, não surtiu efeito concreto.[2]
Expomos a seguir, trecho da lei:
“(...) conceder a uma ou mais companhias, que
fizerem uma estrada de
ferro
da Capital do Rio de Janeiro para as de Minas Geraes, Rio Grande do Sul
e
Bahia, carta de privilegio exclusivo por espaço de 40 annos para o uso de
carros
para transporte de gêneros e de passageiros.”
(LIMA,
Vasco. A Rêde Sul Mineira de Viação. São
Paulo: Copag, 1934, p.12. Decreto no. 101, de 31 de outubro).
Somente a partir da segunda metade do
século XIX é que o empresário e futuro Barão e Visconde de Mauá, Irineu
Evangelista de Souza, conseguiu construir a primeira estrada de ferro do
Brasil. O projeto de Irineu era construir uma estrada que ligasse o Rio de
Janeiro ao interior de Minas Gerais a partir de Porto Estrela seguindo
inicialmente até Petrópolis.
O projeto do empresário foi aprovado
em 27 de abril de 1852. Em agosto do mesmo ano iniciaram as obras contando com
a presença do Imperador, vários ministros, conselheiros do Estado e oficiais e
grande multidão de populares.[3] A
viagem inaugural aconteceu em setembro do ano seguinte. A extensão de quatorze
quilômetros e meio (14,5 km) da Estrada de Ferro foi inaugurada com grandes
festejos no dia 30 de abril de 1854:
“A agitação tomou conta
do lugarejo: bandas de música, coro de meninos, foguetes, bandeirolas
coloridas. Quando o barco que trazia o imperador chegou ao porto, formaram-se
duas alas de nobres, ministros e funcionários graduados. D Pedro II saudou a
todos e, acompanhado por Irineu, o presidente da companhia, dirigiu-se a um
armazém onde tinham sido montadas arquibancadas, no centro das quais ficavam as
cadeiras do imperador e da imperatriz, além do bispo – que tinha a importante
função de batizar as locomotivas da primeira ferrovia brasileira. Terminada a
cerimônia, a comitiva embarcou nos vagões especialmente decorados para a viagem
de quatorze quilômetros até o vilarejo de Fragoso, feita em pouco mais vinte
minutos. Dos dois lados dos trilhos, oficiais da Guarda Nacional ficaram
perfilados, enquanto os menos afortunados se espalhavam pelos morros para ver o
trem passar. De Fragoso o comboio retornou a Estrela, onde seria servido um
banquete na estação.”(CALDEIRA, 1996.p.291).
Em discurso
proferido aos credores, Mauá expos a sua visão sobre o papel da ferrovia no
sertão brasileiro:
“Ninguem
desconhece que o Imperio do Brazil patenteia aos olhos de todo o homem pensador
que contempla no Mappa-Mundi a extenção de seu territorio e respectiva
posição topographica, a necesidade indeclinavel de vias de communicação
aperfeiçoadas para que os thesouros que elle esconde em seus sertões venhão
auxiliar o desenvolvimento dos grandes recursos que encerra essa zona
privilegiada, contribuindo assim para que a nacionalidade espalhada sobre essa
superficie, alcance, porventura em um futuro não mui distante, a posição que
lhe compete no congresso das nações, isto é, o primeiro lugar.
Com
effeito, será pouca cousa fazer penetrar um caminho de ferro nos mais
afastados confins do nosso territorio,
conquistar ao deserto dezenas de milhares de leguas quadradas, levar-lhes a
população, os meios de trabalhar, habilitar enfim os habitantes de tão remotas
paragens a produzir e a consumir, concorrendo dessa fórma com o seu contigente
para a prosperidade e grandeza da pátria?
Será
pouca cousa arrancar, por assim dizer, as ricas producções que encerram as
entranhas dessa região afastada e conduzi-las por um rápido trajecto de 50
horas a um porto de mar, convertendo em riqueza o que não tem hoje valor algum
apreciável?”
(MAUÁ, Visconde de.
Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & C e ao Publico.
Rio de Janeiro.:Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C, 1878, p.78.)
A
Estrada de Ferro de Irineu Evangelista não teve sucesso. Não chegou a Minas
Gerais. O Império, no entanto se envolveu no processo de instalação de Estradas
de Ferro. Em 9 de maio de 1855, pelo decreto nº 1.598, o Governo Imperial
anunciou o contrato de construção da estrada de ferro D. Pedro II, que teria
como finalidade unir a província do Rio de Janeiro com a de São Paulo. Os
trabalhos foram iniciados em 11 de junho daquele ano. Em 29 de março de 1858
foi inaugurado o tráfego na 1ª seção da linha.[4]
Em 1864, a “D. Pedro II” contava com
duzentos e vinte e um quilômetros (221 km) de linhas distribuídas por três
seções e um ramal. Pioneira em
Minas Gerais , a Estrada de Ferro D. Pedro II, uniu a
província à Corte. Os primeiros trilhos na província foram inaugurados em 1º de
maio de 1869, com a presença dos ministros da Marinha e da Agricultura.[5]
“Prosseguindo os
trabalhos de construção do ramal férreo em direção ao Porto Novo do Cunha, a
linha encontrou o Rio Paraibuna no quilômetro 183,290 nas divisas das
Províncias do Estado do Rio e de Minas Gerais. Nesse ponto, atravessou o
Paraibuna, sobre a ponte denominada Humaitá, que tinha uma extensão de 95,60
metros. Transposta esta obra de arte, ela penetrou no município de Mar de
Espanha, já em território mineiro.
Para assistir ao
lançamento dos primeiros trilhos o território da Província de Minas, em 1º de
maio de 1869, compareceram os Ministros da Agricultura e da Marinha e altas
autoridades do Império e da Província ”.
(PIMENTA, 1971. p.99 e100).
Dois meses depois, já somavam quatorze
quilômetros (14 km) de trilhos em território mineiro e nesse trecho construíram
as estações de Santa Fé e Chiador inauguradas com a presença do Imperador D.
Pedro II, da Imperatriz e várias autoridades, em 27 de junho de 1869.[6]
Até Queluz, atual Conselheiro
Lafaiete, foi utilizada a bitola larga. A partir desta localidade as linhas
foram construídas em bitola métrica prosseguindo para Miguel Burnier, Sabará,
General Carneiro, ganhando o Rio São Francisco.
Assim, a partir de 1869, o território
mineiro passou a ser trilhado por várias estradas de ferro, de diversas
companhias: a Estrada de Ferro Leopoldina, 1871; Companhia Mogiana de Estrada
de Ferro, 1872; Estrada de Ferro Bahia e Minas,1879; Estrada de Ferro Minas e
Rio, 1884; Estrada de Ferro Vitória-Minas,1890; Viação Férrea Sapucaí, 1891;
Estrada de Ferro Muzambinho, 1892; Estrada de Ferro Três-Pontana, 1895; Estrada
de Ferro Goiás, 1907; Estrada de Ferro Machadense, 1910; Estrada de Ferro São
Paulo-Minas, 1910; Estrada de Ferro Piranga, 1911; Viação Férrea Leste
Brasileiro, 1951 e a Estrada de Ferro Oeste de Minas, 1878.[7]
“A construção das
ferrovias em Minas Gerais, em grande medida, se deu pela ação das elites
regionais que exigiam, para sua área de domínio e ação, meio de transporte que
dinamizasse a chegada ao mercado das
mercadorias produzidas em vasta região.
Inicialmente foram
atendidos os produtores de café do Vale do Paraíba, e, consequentemente, para
seu entorno, como a Zona da Mata Mineira e o Oeste Paulista, e logo o mercado
interno demandaria modernização semelhante.” (SANTOS, Welber Luiz dos. A Estrada de Ferro Oeste de
Minas: São João Del-Rei (1877-1898)
Universidade Federal de Ouro Preto,Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-Graduação em História. Mariana, 2009. p. 121).
Estava claro que Minas Gerais havia
superado bem a decadência do ouro e do diamante e conseguido diversificar sua
economia ao ponto de justificar a instalação de ferrovias em seu território.
“Percebeu-se que a
sociedade mineira encontrou maneiras de preservar a economia das áreas
produtoras de alimentos mesmo com o declínio da produção de metais e pedras
preciosas. Os estudos demográficos apontam
para isso, justificando a permanência da demanda por gêneros. É
importante lembrarmos também do acúmulo da demanda sobre a produção de Minas
Gerais propiciado pelas exportações interprovinciais, principalmente para o Rio
de Janeiro (...).” (SANTOS, 2009. p.34).
Essa grande evolução do novo transporte de mercadorias
e pessoas, trouxe como consequência a mudança de hábitos das comunidades interioranas
e o fortalecimentos da moral burguesa, como nos informa Lídia Posas:
“(...) os caminhos de ferro não só construíram uma
territorialidade, na ocupação do espaço físico, mas neste mesmo espaço esquadrinharam práticas
sociais, estratégias de controle e tarefas rotineiras para o exercício de um
poder disciplinar que a sociedade burguesa exigia para a reprodução do capital
e, consequentemente, para sua acumulação”
(POSAS, 2001. P. 44).
Em
1889, a Estrada de Ferro D. Pedro II foi transformada na Estrada de Ferro
Central do Brasil, tornando-se o elo entre o Brasil do interior e sua produção,
com o litoral.
[1]
PIMENTA, José Demerval. Caminhos de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1971.
p. 95.
[2]
CALDEIRA, Jorge. Mauá: Empresário do Império.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.
247.
[3]
CALDEIRA, Op. Cit. p. 260.
[4] SILVEIRA,
Victor (Org.). Minas Geraes: 1925. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926. p. 286.
[5] SILVEIRA, Op. Cit. p. 286.
[6]
PIMENTA, Op. Cit. p. 15.
[7]
pimenta, Op. Cit. p. 81 a 83.
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