“As paisagens são fenômenos de
cultura, portanto a sua autonomia é sempre relativa. Elas são o que significam.
O humano, neste caso, é a paisagem, porque ela não existe antes da
significação: ao compartilharmos o mundo com os outros, somos a paisagem, na
medida em que configuramos as mesmas, no sentido de figurar junto e de
conformá-la de acordo com os anseios e desígnios da sociedade à qual
pertencemos. (...).
Numa paisagem patrimonial,
convergem a imaterialidade e a materialidade das coisas (a aura/ o mana das coisas associados à
materialidade mesma do objeto/artefato), uma
vez que reflete as sutilezas dos arranjos sócio-culturais imersas na
experiência de viver o lugar de pertencimento ao logo do tempo, relacionada ao
gesto técnico (LEROI-GOURHAN, 1965) de conformação do mesmo, bem como nos usos
e sentidos atribuídos a eles pelos grupos sociais que o concebem como um
elemento paisagístico – o sítio, o museu, o parque – representativo da forma de
ser ou das expressões culturais que identificam a pertença a determinada nação –
daí ser a paisagem patrimonializável”.
FONTE:
(SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu, BEZERRA, Márcia. Educação Patrimonial: Perspectivas e Dilemas, sd, p. 91).
(SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu, BEZERRA, Márcia. Educação Patrimonial: Perspectivas e Dilemas, sd, p. 91).
“Subi a todas as serras e
calcorreei todos os vales desta pátria” (1959, p.11), para Torga a paisagem é o
espaço dos encontros mas também o abrigo terapêutico da solidão, do eremita que
ali se refugia, mais alto, para ler o horizonte, para melhor se conhecer a si
próprio. Isto porque só pode refletir a paisagem quem a viu e pisou, só depois
da vivência pessoal, de lá se ter estado, se entende a mensagem que cada pedaço
da superfície terrestre veicula. Para Torga, a observação é o que cada um vê no
espaço geográfico, a resultante de escolhas seletivas, como se olhássemos para
isto e não para aquilo, hierarquizando elementos, valorizando uns, escondendo
outros, tudo orientado por um trabalho cognitivo que nem sempre descobre o
essencial e leva às melhores perspectivas de análise.
É através da paisagem que se
regressa ao ponto de partida, à origem ou, nas palavras de Torga, à nascente,
marca geográfica que condiciona a identidade de cada um. É pela paisagem que se
reconhece o que está longe, não nos é familiar e por vezes se procura num ato
turístico que acrescenta lugares ao mapa mental de cada um. É esta paisagem que
inscreve as ruínas que nos ligam ao passado das civilizações. É esta
espacialidade que denota o dinamismo dos lugares, a sua pujança ou decadência,
como a Bruxelas que Torga visitou e na qual sentiu já terem passado os
gloriosos dias que se revelam no requinte da Grand Place. Para o escritor, a
paisagem é isso mesmo, lugar de extase mas também de angústia pelo que se pode
perder, pela capital belga que já não era a mesma mas também pelo Douro que se
via emparedado em empreendimentos hidráulicos - um espaço geográfico que as
barragens iam alterando sem se saber, assim o vai confessando Torga, qual o
sentido da mudança, se esta iria ou não respeitar a identidade telúrica daquela
região portuguesa.
FONTE:
PAISAGEM CULTURAL: DE UM ESPAÇO
DE RETERRITORIALIZAÇÃO A UM RECURSO TURÍSTICO João Luís Fernandes Departamento
de Geografia da Universidade de Coimbra Centro de Estudos de Geografia e
Ordenamento do Território (CEGOT) jfernandes@fl.uc.pt
,p.270.
MEMÓRIAS
Autor: Carlos Henrique Rangel
Zé lembrava que era Zé, diminutivo do nome José.
Tinha idade e identidade.
Lembrava que tinha nascido e se criado numa cidade com uma
pequena praça.
Uma pequena igreja que viu o
casamento dos pais e seu batizado.
E seu casamento e as lágrimas do fim.
Zé lembrava dos bancos da praça.
Das árvores, das flores, das bolas jogadas, das moças...
Zé lembrava que um dia foi Zezinho,
Garoto bonito, rei dos bailes...
Lembrava da escola que ficava na
praça... De novo a praça...
A praça...
O mundo era a praça: Da igreja, da escola, da casa da avó.
A praça das flores, das bolas, das moças...
Zé lembrava
do fim das coisas:
Da escola
substituída.
Dos jardins
modificados.
Da igreja
ampliada.
Do asfalto
cobrindo as pedras...
Das moças
já não tão moças...
Zé
lembrava.
O mundo já
não era a praça.
O mundo era
maior:
Além da
praça, além da
cidade, além do
país.
Mas Zé sabia.
Sabia que o Zé José
Só era Zé José por causa do mundo.
E o mundo do Zé José era a praça da igreja, da escola, da casa da avó,
das flores e moças.
A praça de ontem, a praça da infância, da adolescência, da juventude,
dos cabelos brancos do Zé idoso.
A praça era o mundo.
O mundo do Zé José...
Fim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário