TOMBAMENTO DE USO E FUNÇÃO SOCIAL
Bem, a propósito, vem o preciso
magistério da professora SONIA RABELLO DE CASTRO, consagrando a inviabilidade
do tombamento daquilo que não seja bem móvel ou imóvel (a este equiparado o
monumento natural) susceptível de apropriação e de conservação, ou seja, a
inconstitucionalidade do emprego, pelo Poder Público, do chamado tombamento de
uso:
“Ainda dentro
dessa linha de argumentação, é insusceptível de tombamento o uso específico de
determinado bem. Ainda que se tombe o imóvel, não poderá a autoridade pública
tombar o seu uso, uma vez que o uso não é objeto móvel ou imóvel. Com relação ao aspecto do uso, o que pode
acontecer é que, em função da
conservação do bem, ele possa ser adequado ou inadequado. Assim, se determinado
imóvel acha-se tombado, sua conservação se impõe; em função disto é que se pode
coibir formas de utilização da coisa, que comprovadamente, lhe causem dano,
gerando sua descaracterização. Nesse caso poder-se-ia impedir o uso danoso ao
bem tombado, não para determinar um uso específico, mas para impedir o uso
inadequado” (o Estado na preservação dos bens culturais. Rio de Janeiro: Ed.
Renovar, 1991, p.108). (...).
Carta de Veneza de 1964, Artigo
5º:
A conservação dos monumentos é
sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade; tal
destinação é, portanto desejável, mas não pode nem deve alterar a disposição ou
a decoração dos edifícios. É somente dentro desses limites que se deve conceber
e pode autorizar as modificações exigidas pela evolução dos usos e costumes
(ICOMOS, 1964).(...).
Assim, todo tombamento impõe
restrições ao direito de uso ou à faculdade de uso do imóvel. Logo, quando o
Poder Público tomba um bem integralmente ou em sua fachada restringe-lhe a
faculdade de uso que se manifesta sobre o direito sendo o uso um bem. Em
síntese, quando o Poder Público tomba bem com o fim protege-lo mediante a
imposição de restrição ao uso do imóvel à atividade econômica de natureza
artístico-cultural, o faz com o mesmo fundamento da lei (Decreto-Lei nº25 de
1937, ou Lei nº 3.802, de 1984), que o autoriza impor restrição ao direito de
construir.
Por outro lado, parafraseando
Liam Murphy e Thomas Nagel, em O Mito da
Propriedade, que afirmam ser a existência de propriedade privada, antes da
tributação, em economias capitalistas, um mito eu diria: propriedade privada, em democracias populares fundadas em valores
como cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III, da
CR/88), com o objetivo de promoção da justiça social (art. 3º, incisos I e II,
da CR/88), somente existe após a identificação de sua função social. Assim,
haveria restrição ilegal ao direito de propriedade do particular se não
houvesse função social da propriedade manifesta no ato de tombamento, o que não
ocorre no caso de bens tombados, em razão do interesse público que justifica o
tombamento representar meio de conformação desse direito à sua função social.
(ARAUJO, Marinella
Machado.Tombamento de Uso na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In.:
Revisitando o instituto do tombamento./ Coordenadores: Edésio Fernandes,
Betânia Alfonsin. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 184 a 193).
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