PATRIMÔNIO
CULTURAL – CONCEITOS E DIRETRIZES
A
PRESERVAÇÃO REVISTA
Autor:
Carlos Henrique Rangel
Para viver e sobreviver no mundo, os seres precisam se adaptar
aos espaços/lugares.
Os animais se relacionam com os lugares biologicamente, se
moldando lentamente ao clima e ambiente. Tornam-se perfeitamente aptos para
viver nos espaços que escolheram como lar.
O lugar se torna seu habitat sua morada definitiva e única.
E esse ser não poderá viver em outro lugar a não ser que
seja um lugar muito parecido com o seu lugar de origem.
Sua história está vinculada, moldada no espaço que o
construiu e adaptou.
O Homem[1],
também é um ser adaptado biologicamente, mas não só.
Obrigado a viver em grupo para sobreviver o Homem criou
mecanismos de comunicação para poder transmitir conhecimentos, ideias e
descobertas: gestos e sons que se somam e formam sílabas, palavras e
significados.
Esses códigos dizem algo. Passam algo. Transmitem algo.
“Os homens estavam por natureza desprovidos de
meios para viver isoladamente, (...) é a necessidade que os obriga a juntar-se
uns aos outros, a inventar a vida social em conjunto”
Jâmblico, filósofo Sofista
O Homem se adapta ao lugar culturalmente.
Percebeu cedo que precisava do outro. Precisava
compartilhar com o outro o seu conhecimento e suas experiências para continuar
no mundo.
O lugar o molda, mas também é transformado por ele. O lugar
é domesticado, trabalhado por ele.
Cedo o Homem percebeu o seu mundo e descobriu que ao
contrário dos animais, precisa se adaptar aos lugares transformando-os.
Não possui peles fortes para protegê-lo do calor ou do
frio. Não possui garras para matar ou rasgar os alimentos.
Para sobreviver às constantes mudanças climáticas do meio
ambiente o Homem necessita criar peles artificiais tiradas dos outros animais.
É necessário cria garras artificiais como pedras pontudas
ou paus trabalhados para ferir e nocautear os animais/caças e os inimigos, os
“outros”. E todos esses artifícios estarão sempre em constante evolução para
uma melhor adaptação ao meio.
O Homem produz cultura. O único ser a fazê-lo. E cultura é
essa soma de modos de ser, fazer e se relacionar com os espaços/lugares,
utilizando o que o meio tem a lhe oferecer para sobreviver. Se há pedras, fará
abrigos de pedra. Se há apenas terra, a casa será de barro. Se há gelo, que
seja de gelo o abrigo a protegê-lo.
Cultura
Conjunto de atividades e modos de agir, costumes e
instruções de um povo, meio pelo qual o homem se adapta às condições de
existência, transformando a realidade.
Cultura é um processo em permanente evolução, diverso e
rico.
É o desenvolvimento de um grupo social, uma nação, uma
comunidade, fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento de valores espirituais
e materiais.
Ao contrário dos animais que naturalmente se moldam aos
lugares. O Homem precisa aprender.
Não se nasce com cultura.
É necessário aprender a cultura do grupo. Os modos de ser
de acreditar de se relacionar com o outro.
Cultura se aprende.
Então cultura está relacionada com o passado. Com o que foi
vivenciado no passado e que deve ser transmitido para que continue e ajude o
grupo a se perpetuar no mundo.
Cultura está relacionada com lembrança e com a memória e
define a identidade do grupo.
A Cultura está em gestos e ações dos Homens. É um fazer
portador de sentidos.
E os produtos culturais são consequências deste fazer,
deste agir.
A importância cultural é dada pelos atores deste fazer.
IDENTIDADE
Tudo aquilo que diferencia e que identifica
o homem, um grupo social, político, étnico, religioso, etc,
em relação ao Outro.
São as ações do homem para viver em sociedade ao longo da
história e do dia a dia.
Minha identidade é a soma do que lembro individualmente e
em conjunto.
Minha memória se faz com o meu passado e consequentemente
molda a minha identidade.
Memória:
Lembranças, reminiscências, vestígios.
Aquilo que serve
de lembrança.
Todos nós temos lembranças.
Só lembramos do que passou.
O Homem precisa aprender sempre para lembrar.
Deve ensinar e transmitir para que outros possam lembrar e
futuramente transmitir.
Mas a memória do homem é frágil e mutável. Constantemente é
construída no presente. Nem tudo o Homem lembra e para isso é importante
repetir e transmitir e também atribuir lembranças às coisas e lugares.
Para isso é necessário qualificar as coisas e os lugares
para que esses “falem” e sejam
suportes da memória do indivíduo e do grupo.
Lembrar pode ser a diferença entre sobreviver ou perecer.
Para não esquecer eu guardo o que pode me fazer lembrar.
Posso escrever, posso documentar e posso incorporar valores
e lembranças às coisas para que elas me façam lembrar.
O que sou está no passado, no presente e nos espaços que me
rodeiam.
Sou influenciado pelos lugares e pelos outros seres
humanos.
O que sou eu aprendi e construí com os meus e guardo em
minha memória.
MEMÓRIA
“Mais que apenas via de acesso ao passado, a memória é uma
estrada para a compreensão do Eu”
(Cunha, João Paulo. Editor de Cultura do Jornal Estado de Minas)
Todo ser humano é
em um lugar. E nesse lugar deixa sua marca e sua essência, moldada e
influenciada pelo lugar.
O Ser humano está no lugar. O lugar faz o Ser. O Ser também
faz o lugar.
Então, a permanência de um grupo depende da sua cultura,
que depende do lugar.
Depende da memória de grupo e dos suportes da memória: os lugares que falam.
Essa produção cultural de um grupo é uma herança
compartilhada.
Podemos herdar os bens culturais, mas não herdamos a sua
compreensão.
Para compreender é preciso aprender, conhecer, vivenciar,
apreciar.
Aquilo que eu compreendo e conheço, eu respeito.
“A espécie humana é a única que precisa
Ser educada” (Kant)
“Depois do pão, é de educação que o povo
Precisa” (Danton)
Onde tem gente tem cultura transplantada, recriada,
reconstruída, adaptada, inovada e novamente criada.
Onde tem cultura tem bens culturais: materiais e imateriais
produzidos pelo Homem para viver e sobreviver no mundo que o cerca.
Todo lugar de Homem... De muitos Homens produz cultura.
Cada ser humano carrega em si o seu mundo e sua cultura e é
direta e indiretamente
transmissor, reprodutor, inovador e criador de cultura.
“A história social e pessoal, pode qualificar as coisas, os
objetos, os lugares da casa, os lugares de um bairro. Até mesmo a natureza vira
memória.”
(GONÇALVES FILHO, José Moura. 1991)
O que o Homem é está no passado, no presente e nos espaços
que o rodeiam.
O Homem é influenciado pelos lugares e pelos outros seres
humanos.
O que ele é aprendeu e construiu com os outros e guarda em
sua memória e em suportes.
É por isso que o Homem guarda coisas.
As coisas falam. Fazem com que se lembre do que aconteceu
no passado e que precisa para continuar.
Alguns “bens”, falam só para um indivíduo ou para a sua
família.
Falam de coisas que vivenciou e de coisas e seres que quer
lembrar.
Há outros bens que falam para o grupo/comunidade/nação e
transmitem o conhecimento que necessitam para que possam sobreviver com dignidade
e autoestima.
Esses são os “bens culturais”, produtos do processo
cultural de um grupo e que são importantes não por serem históricos artísticos
ou arquitetonicamente únicos, mas por que são essencialmente suportes da
memória do Homem.
O valor de um bem cultural está nessa capacidade de “falar”
ao grupo tanto coletivamente como individualmente. Está impregnado de
lembranças e dá sentido ao grupo e o diferencia de um outro.
Esse bem só terá
sentido para um grupo se for um suporte vivo de lembranças.
Esse bem precisa estar vivo no cotidiano do grupo para
realmente falar a esse grupo.
“...o conceito de bem cultural extrapola a dimensão
elitista, de "o belo e o velho".E entra numa faixa mais importante da
compreensão como manifestação geral de uma cultura.
É
o conjunto de bens culturais materiais e imateriais, de um povo.
Suas
festas, modos de fazer, criar e viver.
Suas
criações científicas, artísticas, tecnológicas e documentais.
O gesto, o habito, a maneira de ser da nossa comunidade se
constituem no nosso patrimônio cultural. (...)"
(Aloísio de Magalhães)
Preservar os bens culturais materiais e ou imateriais de um
grupo é manter a identidade deste grupo garantindo a sua continuidade. Mas isso
só será possível se esse grupo continuar a “ouvir as vozes” dos bens culturais.
Ninguém nasce sabendo cultura e sempre será necessário
ensinar o respeito às coisas que falam para podermos ouvir. É preciso romper a
miopia cultural e aprende a escutar o que os lugares e os suportes da memória
têm a dizer.
Só respeito o que conheço. Só preservo o que significa
algo. Só protejo o que é caro à minha memória e sobrevivência.
O mais importante na Educação Patrimonial é o caminho para se chegar aos objetivos.
É o que se aprende no caminho.
Aprender a olhar é mais importante que o próprio olhar.
Aprender a fazer é mais importante do que o que vai ser feito.
Aprender a sentir dará sentido ao que foi sentido, ao que vai ser sentido.
Por que mais que um projeto a ser executado é um mundo a ser desvendado.
- Uma nova visão.
- Uma nova percepção.
- Entender diferente o que se achava entendido.
Educação Patrimonial é a busca do entendimento de se mesmo e do seu mundo.
Por que o que somos é parte do que vimos. Do que vemos.
Seremos seres humanos melhores se nos compreendermos, tendo como base o passado e os vestígios deste passado.
As coisas nos falam sempre.
E sempre de nós mesmos...
PENSAR ALÉM
Entendemos
que o Patrimônio Cultural está no ar que respiramos no dia a dia. Porque como
seres humanos, somos constituídos de lembranças, memórias e coisas do passado que nos movem no presente e nos
remetem para o futuro. Precisamos lembrar para continuarmos e aprendermos o que
dizem as coisas do passado que continuam no presente. E aprender o porquê
preservar essas coisas para que elas continuem a nos dizer o que somos.
Mas
educação patrimonial não pode e não deve se restringir às escolas. Ela deve
permear todos os nossos atos e atitudes e para isso precisamos usar todos os
meios disponíveis e necessários... Mídia impressa e televisiva, vídeos,
campanhas publicitárias, internet, etc. Tudo que possa ser usado para valorizar
e divulgar o patrimônio cultural, contribuindo para elevar a autoestima de um
grupo, comunidade, cidade ou nação.
Algumas pessoas ainda estão
pensando em educação patrimonial apenas como algo dentro das escolas...
Precisamos avançar ir além da visão simplista das coisas. Os órgãos de preservação
precisam amadurecer pensar holisticamente as "coisas" que falam. Temos
que ser criativos, sem medo de errar. Na verdade, em se tratando de educação
patrimonial não se erra nunca, pois sempre ficará alguma coisa.
O OUTRO
Vivendo em grupo por necessidade e sobrevivência, o ser humano cedo necessitou de símbolos e códigos para se fazer entender e compreender o seu mundo e os seus iguais. Essa necessidade do outro e a convivência com este só foi possível através de um consenso coletivo para se entenderem em relação a tudo. Desde as pequenas como a nominação de um objeto, às regras de convivência.
Vivendo em grupo por necessidade e sobrevivência, o ser humano cedo necessitou de símbolos e códigos para se fazer entender e compreender o seu mundo e os seus iguais. Essa necessidade do outro e a convivência com este só foi possível através de um consenso coletivo para se entenderem em relação a tudo. Desde as pequenas como a nominação de um objeto, às regras de convivência.
Se esse consenso se deu através de lideres carismáticos ou autoritários, ou mesmo de forma democrática, essa não é a questão. O fato é que o consenso existiu para que fosse possível a convivência em grupo e a adaptação a um espaço determinado.
A identidade desse grupo será definida pelo consenso. Pela crença em valores assimilados por todos ou pelo menos a maioria dos membros do grupo. Os que não aceitam as regras do grupo são excluídos e se tornam os “outros”.
Também esses, denominados “outros” são necessários para a formação da identidade do grupo e a consolidação de suas crenças, costumes e ideais. A identidade de um ser ou de um grupo é definida pela contraposição à identidade de outro. O outro indivíduo, grupo ou comunidade ou nação será sempre a referência até mesmo para o fortalecimento da identidade.
Ao mesmo tempo, uma comunidade por mais homogênea que seja sempre terá grupos discordantes – “os outros” que também possuem identidade própria, cultura própria, mesmo que identificados de uma forma geral com o grupo dominante.
Essa minoria dentro de uma comunidade maior ainda assim é parte desta e merecem respeito quanto a sua memória, identidade e suas produções culturais.
O outro que me acompanha e que produz cultura comigo, o que permite a diversidade cultural merece ser reconhecido, respeitado e valorizado como parte do grupo maior.
Numa sociedade consensual a diversidade deve ser o consenso para que a o grupo se renove culturalmente e sobreviva com a autoestima valorizada e fortalecida.
Esse outro também ele é parte do grupo e mesmo o outro culturalmente diferente, aquele de outro grupo/nação, também esse merece respeito. Ser diferente não é ser pior ou melhor.
É apenas diferente. Outra forma de ser e de se relacionar com o mundo e seus lugares.
O outro é o meu céu e meu inferno. É o meu contraponto.
O outro sou eu diferente.
DESCENTRALIZAÇÃO
É no âmbito
municipal, nas localidades e comunidades é que se encontra a verdadeira
proteção.
É junto aos
vivenciadores e com os vivenciadores é que se protege o patrimônio cultural.
Se quisermos de fato
efetivar e consolidar essa proteção temos que descentralizar nossas ações.
Temos que ir ao encontro destes detentores do patrimônio cultural.
Levar nossos cursos,
nossas angústias, nossas dúvidas e certezas a onde estão as comunidades e os
seus agentes culturais.
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