A FOTO
DA BISA
Autor:
Carlos Henrique Rangel
Casamento de Carlos Ataíde Rangel e Zilá Costa Rangel em 1957.
Ao fundo minha Bisavó "Mocinha" - Maria Josefina Velho Barreto Rangel.
Vovô Carlos estava sentado em sua poltrona
preferida lendo um livro quando Paulinho se aproximou.
- Vovô pode interromper o senhor um pouco?
O velho senhor fechou o livro e sorriu para
o garoto.
- Claro Paulinho, o que você quer perguntar?
– Perguntou o avô esperando a dúvida do neto.
- Na minha escola vai ter um projeto de
educação patrimonial... Escolheram a minha sala para participar...
- Interessante... Que sorte a sua...
- É esse o problema... Eu nem sei o que é
essa tal de educação patrimonial...
-Essa é a dúvida? – Perguntou o avô.
O menino puxou uma cadeira e se sentou
enfrente ao ancião.
- É sim. O que é essa educação Patrimonial?
- Bem, educação patrimonial são ações e
situações elaboradas pelos professores que pretendem motivar vocês alunos para
o reconhecimento e valorização do patrimônio cultural da cidade onde vocês
vivem...
- Patrimônio Cultural eu sei. São as
igrejas, prédios antigos... – Respondeu o menino mostrando conhecimento.
- Você está certo. Mas o patrimônio cultural
não é só o que é antigo ou artístico, ou só as igrejas. Na verdade Patrimônio
Cultural é o conjunto de bens culturais de um povo, comunidade ou grupo,
reconhecido ou não pelos órgãos de proteção – Completou o avô.
- Não
entendi... – Disse o menino coçando a cabeça.
- Me deixa ser mais claro... Bens culturais
são aqueles que por alguma razão... Histórica, artística, arquitetônica ou
sentimental são valorizados por um grupo de pessoas ou mesmo um cidade inteira.
Esses bens são como caixas de memórias desta comunidade... Carregam a história,
a alma deste grupo...
- Nossa! Eu achava que era só porque eram
antigos, não entendia desta forma. – Exclamou o menino admirado.
- Esses bens são importantes para a
comunidade porque permitem que ela se reconheça enquanto um grupo particular
diferente de outro, e isso faz com que essa comunidade se sinta bem, se sinta
unida. Esses bens estão relacionados com a vida de cada membro daquela
comunidade. Eles “falam” a todos, mas falam diferente para cada indivíduo...
- E a educação patrimonial...
- Bem, às vezes alguns elementos da
comunidade perdem esse referencial. Não entendem mais o porquê de preservar
certos bens... E isso é em função de vários fatores: Crescimento desordenado da
cidade, mudança de costumes, enfraquecimento da memória...
- Enfraquecimento da memória? – Perguntou o
menino sem entender.
- Se ninguém conta para uma pessoa a
história desse bem... Se aquela pessoa não vivencia mais o bem, por que mora
longe ou por que ninguém nunca a levou lá, esse bem vai ser esquecido. Essa
pessoa não vai mais conseguir ouvir a voz do bem cultural.
- Nossa! É ai que entra a educação
patrimonial? – Perguntou o menino empolgado.
- Isso. A educação patrimonial visa
estimular essas lembranças esquecidas. Fazer aquela pessoa enxergar de novo
aquele bem e ouvir o que ele tem a lhe dizer.
- Mas nós crianças não esquecemos... Nós nem
sabíamos... – retrucou o menino.
- Eu sei. E é por isso que vão fazer
educação patrimonial com vocês. Não porque esqueceram, mas porque vocês
precisam descobrir esses bens com os seus sentidos. Não porque alguém disse que
é importante, mas por que vocês mesmos vão passar a entender aquele bem como
algo importante para vocês e a comunidade... Ele agora vai falar para vocês.
- O senhor falou várias vezes de que os bens
falam... E o que eles falam?
O Avô sorriu.
- Como eu disse, dependendo do bem ele
falará mais para mim do que para você ou vice- versa. Nenhum bem cultural fala
igual para as pessoas. Mas uma coisa é certa: Ele fala para todas elas.
- Mas fala sobre o que? – Perguntou o menino
ainda sem entender.
- Ele fala de lembranças passadas, histórias
de um povo, de sentimentos e momentos esquecidos mas sempre rememorados... Esse livro que estou
lendo é muito bom. Eu já sabia que era bom por que a sua mãe tinha lido. No
entanto, eu tive que ler para poder saber e entender porque ele é bom. – Disse
o avô mostrando o livro. Depois abriu a carteira e retirou uma foto antiga.
- Esta é a sua bisavó, minha mãe... Sabe por
que eu guardo essa foto? – Perguntou o ancião.
- Uai, para lembrar dela... – Falou o menino admirando a foto que o avô
mostrava.
- Sim. Eu tenho memória, mas eu não guardo
tudo. Para lembrar eu atribuo lembranças às coisas para elas me fazerem
lembrar... E é diferente sempre. Todas as vezes que vejo essa foto eu me lembro
de alguma coisa relacionada à minha mãe... Ás vezes fico triste... Outras vezes
fico alegre...
- Nossa! E ela só fala para o senhor...
- Mas pode falar para você de outra forma se
eu começar a contar as histórias desta sua bisavó e do mundo em que ela vivia.
E você Paulinho, mesmo não tendo conhecido a Bisa, vai lembrar das historias
dela e de mim todas as vezes que olhar essa foto.
- Acho que agora entendi. Quando o senhor me
contar as histórias da Bisa o senhor estará fazendo educação patrimonial sobre
a nossa família... – Disse o menino com os olhos brilhantes.
- Isso. E essa foto que antes não
representava nada para você, passa a representar.
-E eu vou fazer tudo para que ela dure mais
e continue “falando” para mim e também para os meus filhos... – Complementou o
menino.
- Isso é educação patrimonial. Quando as
pessoas começam a ouvir um bem elas passam a defender, conservar e usar esse
bem...
O menino ficou pensativo por um segundo e
sorriu.
- Vô Carlos...
- Sim Paulinho...
- Me fale da Bisa... – O velho senhor
sorriu.
Fim
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