PENSANDO O PATRIMÔNIO CULTURAL - GESTÃO E DESCENTRALIZAÇÃO
INTRODUÇÃO:
A preservação do patrimônio cultural, sempre foi a luta desesperada do ser humano em se fazer lembrar e se lembrar.
Os bens eleitos como culturais nos vários momentos históricos, são suportes da memória, do que se quer preservar e lembrar.
São poderosos ressuscitadores do que foi ou do que se imagina que foi.
Despertadores/receptáculos de glórias reais e imaginárias criadas ou recriadas ao longo de séculos.
Os bens culturais permitem leituras diversas como são diversos os seres humanos que os vivenciam.
Mas podem falar essencialmente de forma semelhante ou parecida às memórias diversas.
Podem ser reconhecidos e apropriados por esses grupos diversos com sentidos parecidos mas diferentes.
A necessidade de sobreviver e permanecer faz com que o ser humano atribua valores aos bens culturais materiais e imateriais de forma individual e coletiva. Sempre nessa ordem:
- Individual, por que somos indivíduos únicos com memórias e vivências próprias.
- Coletiva, por que somos ao mesmo tempo seres plurais e vivemos em grupos com crenças, objetivos, gestos, maneiras e códigos geralmente em comum ou parecidos.
Cabe ao ser humano individual e coletivamente a atribuição dos valores.
Cabe ao ser humano a tarefa de transformar uma pedra “na Pedra”, uma casa “na Casa”, uma praça “na Praça”, uma festa “na Festa”.
Essa incrível capacidade de valorar, de qualificar, de dar sentido às coisas – materiais e imateriais – não é e nunca foi gratuita.
O ser humano precisa de valores e de atribuir valores às coisas para continuar no mundo.
Para continuar vivendo em grupo. Para lembrar de quem foi, é e será.
É necessário se acreditar eterno no que pode durar além da vida humana, além da memória humana.
Memórias genéticas, memórias incrustadas em objetos: Casarões, quadros, objetos ritualísticos, templos, rituais, modos de ser e fazer.
Mesmo que sejam memórias relidas, idealizadas, deturpadas, modificadas, inovadas. Ainda assim, memórias que fortalecem a autoestima de um indivíduo e de um grupo.
A continuidade de um grupo e de um indivíduo enquanto parte de um grupo pode depender de um simples objeto ou rito. A preservação do patrimônio cultural sempre foi a luta desesperada do ser humano em se fazer lembrar e se lembrar. Mesmo que os receptáculos desta memória sejam finitos.
“Mas que sejam eternos enquanto durem”. E cabe ao ser humano e só a ele fazer com durem.
1. - REFLEXÃO INICIAL PARA A REINVENÇÃO DAS INSTITUIÇÕES ESTADUAIS DO PATRIMÔNIO CULTURAL:
1.1 – Paternalismo Federal e Estadual x municipalização da proteção
O bem cultural será legitimado se for reconhecido pela comunidade que o vivencia.
Não podemos esperar a continuidade do paternalismo federal via IPHAN para todos os bens do país (e que acaba não acontecendo).
Precisamos sim, de fundos federais, estaduais e municipais que funcionem e sejam ágeis para atender as demandas dos bens culturais protegidos nos níveis federal, estaduais e municipais e que envolvam o principal: a gestão, revitalização, utilização e sensibilização das comunidades para que haja respeito a esses bens culturais.
Os municípios precisam assumir a responsabilidade pelos bens culturais de importância local sem terem que recorrer (sempre a visão equivocada de que precisa ser tombado pelo Estado ou pelo IPHAN para que seja salvo) aos órgãos estaduais ou federais.
Em Minas Gerais criamos o ICMS PATRIMÔNIO CULTURAL para descentralizar e municipalizar essa proteção ensinando os municípios a protegerem esses patrimônios específicos para aquela comunidade e repassando recursos do imposto quando isso acontece.
Os municípios são orientados para criarem suas leis de proteção, Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, possuir um departamento ou órgão afim para desenvolverem os trabalhos, realizarem o inventário de Proteção ao acervo cultural, tombarem, registrarem bens culturais e cuidarem desses. Desenvolverem projetos de educação patrimonial e criarem o Fundo Municipal do Patrimônio Cultural voltado especificamente para a conservação e restauração desses bem.
Observação: Após quase vinte e cinco anos, apenas o Estado de Minas Gerais definiu a redistribuição do ICMS contemplando além de vários outros critérios importantes, a proteção do patrimônio cultural.
1.2 - Gestão dos Bens Culturais
Durante muitas décadas, a visão dos órgãos de preservação privilegiou a proteção dos bens culturais materiais utilizando o tombamento, único instrumento existente até o ano 2000 quando a visão foi ampliada legalmente, com a criação da proteção do imaterial.
Aos poucos essa visão foi se modificando entendendo que o patrimônio material está impregnado de imaterialidade: afetividade, utilidade, histórias de vidas, visões artísticas e tantas outras.
Aprendemos que a preservação de um bem cultural material não se restringe à proteção por meio do tombamento ou Registro o Imaterial. Não se finaliza com a homologação ou edital de tombamento o Registro. É a partir da proteção que realmente começa todo o trabalho.
Na verdade todo o processo de tombamento ou Registro do Imaterial, desde a decisão do bem cultural a ser tombado ou Registrado deve ser precedido de Educação Patrimonial. envolvendo as comunidade diretamente interessadas na proteção.
O tombamento e o Registro do Imaterial não é o fim e sim o início da preservação dos bens culturais materiais.
(Lembrando sempre que existem outras formas de se proteger e preservar os bens culturais).
Cabe agora a gestão e salvaguarda, conservação e revitalização e reabilitação deste bem cultural. Uma gestão planejada a partir de um diagnóstico do estado de conservação, utilidade, viabilidade, das necessidades do bem, sua relação com a comunidade diretamente envolvida e tantas outras particularidades percebidas para que esse bem continue. E isso deve ser pensado tendo em mente ações a curto, médio e longo prazo.
Acreditamos que o Diagnóstico e Plano de Gestão e Implementação de Medidas de Salvaguarda, Conservação e Reabilitação do bem cultural deve conter cronograma das ações a serem desenvolvidas, por exemplo: no prazo mínimo - 4 anos - aprovado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural.
Devem ser apresentados os problemas encontrados no bem cultural e seu entorno e as medidas de salvaguarda e gestão destas áreas com cronograma das ações a curto , médio e longo prazo, previsões orçamentárias, educação patrimonial e o que mais for necessário, de acordo com a especificidade do bem cultural
Poderia ser estruturado da seguinte forma geral:
a - Identificação dos problemas em tópicos e de forma clara - através de vistoria técnica (produção de um laudo de estado de conservação sobre o bem).
É importante que a comunidade local seja envolvida no levantamento dos problemas por meio de reuniões abertas. Esta(s) reunião(es) deve(m) ser convocada por comunicação pessoal e divulgação na mídia local.
b- Definição de diretrizes/medidas para a gestão, salvaguarda, manutenção, revitalização, reabilitação, promoção, difusão, transmissão, acessibilidade e valorização do bem cultural, ações de educação patrimonial, com cronograma de ações a serem implementadas a curto médio e longo prazo.
É claro que esse Plano deve ser executado sem atrasos e com seriedade.
Assim, teremos uma boa gestão dos bens culturais com grande participação das comunidades, parceira indispensável para que haja a preservação efetiva dos nossos bens culturais.
(Carlos Henrique Rangel).
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