PEÇA TEATRAL
A MATRIZ
Autor: Carlos Henrique Rangel
NARRADOR:
Em uma
cidadezinha não muito distante, igual a tantas existentes neste nosso Brasil,
vivia uma comunidade pacífica e ordeira, feliz com seus pequenos prazeres: a
conversa na calçada, a missa na Matriz, o passeio que se seguia após o culto e
é claro, as festas regionais. Praticamente a vida do lugar acontecia na praça
da Matriz onde todos se encontravam. A Matriz, com suas duas torres era a
presença mais marcante há quase trezentos anos. Símbolo da religiosidade local
acompanhava a vida de todos com sua grandiosidade e imponência.
Esse
símbolo adorado e reverenciado por todos tinha o seu benfeitor. Na verdade, uma
família de benfeitores que há cem anos cuidava da Matriz, trocando telhas
quebradas, pintando, limpando. O último membro desta antiga e rica família de
comerciantes era o Sr. Israel Ferreira do Amaral Neto, conhecido por todos pelo
carinhoso apelido de IFAN. E este rico e respeitado senhor durante cinquenta
anos cuidou da Matriz como se fosse um filho que nunca teve. No entanto a
riqueza acumulada em décadas pela família Ferreira do Amaral, que parecia
inesgotável foi se dissipando em negócios mal feitos e o Sr. IFAN chegou à
velhice praticamente pobre.
Essa
pobreza seria apenas um drama familiar se não houvesse um grande porém: a
Igreja Matriz... Com recursos limitados que mal davam para o sustento de sua
casa, o Sr. IFAN não pôde mais cuidar da Igreja. As telhas não eram mais
trocadas, a pintura não era renovada, os vidros quebrados continuavam
quebrados.
A pacata
comunidade assistia à degradação do seu bem mais precioso sem entender o que
acontecia.
CENA 1:
Grupo
de pessoas olhando a fachada da igreja Matriz.
VELHO MANUEL:
- Olha, o vidro está quebrado – disse mostrando a janela
da fachada principal da Matriz.
D.
MARIA:
- Eh, isso é horrível, Onde está o Sr. IFAN que não resolve
este absurdo? – Exclamou Dona Maria escandalizada com a situação do velho
templo.
VELHO
MANUEL:
- Está toda se perdendo... Coitada da nossa Igreja... –
resmungou o velho Sr. Manuel que passava com uma de suas netas.
PADRE
JOSÉ:
O padre
José que estava na porta ouviu o comentário e balançou a cabeça triste.
- O telhado está todo cheio de furos... Quando chove, a igreja
vira uma piscina... – Disse olhando para a janela.
PIPOQUEIRO
JORGE:
- Isto não está certo, o Sr. IFAN não podia ter deixado isto
acontecer... – Protestou Jorge, o pipoqueiro da Praça.
D. MARIA:
- Concordo com o senhor... Isto é desleixo. Temos que fazer
alguma coisa. – Disse Dona Maria.
VELHO MANUEL:
- Vamos lá na casa dele agora resolver isto de uma vez por
todas. – Disse o Sr. Manuel.
PADRE JOSÉ:
- Isso mesmo vamos todos nós até a casa dele. – Falou o Padre
José se adiantando.
NARRADOR:
E assim
o pequeno grupo se dirigiu à mansão dos Ferreira do Amaral para tomar
satisfação do solitário Sr. IFAN.
Foram
recebidos pela velha criada da família que se assustou com a visita inesperada.
CENA 2 :
Dividida
em dois ambientes:
Sala da
casa do Sr. IFAN.
No
canto do palco cama com o Sr. IFAN deitado.
Grupo
formado pelo Padre José, D. Maria, Pipoqueiro Jorge e Velho Manuel recebido
pela empregada Tia Nenê.
TIA
NENÊ:
- Padre José, Sr. Manuel, Dona Maria... Já ficaram sabendo? –
Espantou-se a Tia Nenê.
PADRE
JOSÉ:
- Sabendo de que mulher? – Perguntou o padre sem entender.
TIA
NENÊ:
- Ih... O Sr. IFAN, coitado, está doente há cinco dias... Não
sai da cama... – Disse ela abrindo a porta para que a comitiva entrasse na
sala.
VELHO
MANUEL:
- Não sabíamos... A verdade é que viemos por outro motivo.
Precisamos falar com ele...
PADRE
JOSÉ:
- Calma Manuel... O pobre homem está doente... – Disse o Padre
colocando a mão no ombro do homem.
TIA
NENÊ:
- Olha, se a coisa é urgente, eu vou falar com ele para ver se
pode recebê-los. – Disse Tia Nenê aflita.
PADRE
JOSÉ:
- Não sei não... Será que a gente não poderia resolver isto
outro dia... – Lamentou o Padre José.
VELHO
MANUEL:
- Não, nada disso. Vamos resolver tudo agora mesmo, ou o
senhor esqueceu do estado triste em que está a nossa querida Matriz? – Falou o
Sr. Manuel um pouco alterado.
TIA
NENÊ:
- Olha, eu vou falar com ele e volto já. – Disse Tia Nenê
saindo rapidamente.
Contexto:
Tia
Nenê se dirige à cama onde o Sr. IFAN está deitado. Voltou logo depois pedindo
que todos que a acompanhem ao quarto do velho Sr. IFAN.
TIA
NENÊ:
- Tudo
bem, podem vir.
Contexto:
O grupo
encontrou o Sr. IFAN deitado, com o rosto branco como cera e os finos cabelos
brancos desgrenhados.
Sr.
IFAN:
- Oh meus amigos, desculpem recebê-los assim... A gripe me
derrubou... Nada muito grave... A que devo a honra dessa visita? – Perguntou o
polido Sr. IFAN.
PADRE
JOSÉ:
- Olha Sr. IFAN lamentamos muito incomodá-lo neste momento,
mas temos algo muito sério para tratar. – Disse o Padre José com o semblante
carregado.
Sr.
IFAN:
- Por favor, sentem–se estou doente, mas não estou morrendo. –
Falou o Sr. IFAN.
Contexto:
O grupo
se acomodou nas cadeiras espalhadas pelo quarto e um pequeno silêncio ocupou o
espaço por alguns segundos. Foi Dona Maria que o quebrou.
D.
MARIA:
- É sobre a Matriz... Sabe Sr. IFAN, ela está terrível com
furos no telhado, vidros quebrados, imagens com cupim... – Disse ela
timidamente.
VELHO MANUEL:
- É... Ela está horrível, daqui a pouco cai. – Exagerou o Sr.
Manuel.
PIPOQUEIRO
JORGE:
- É isto mesmo, está suja quebrada e o que o senhor vai fazer?
– Perguntou o Pipoqueiro.
Sr.
IFAN:
- Olha meus amigos, o que eu posso fazer? - disse ele
mostrando a cama.
PADRE JOSÉ:
- O que o senhor pode fazer? Ora Sr. IFAN, o Senhor tem que
dar um jeito nisto. – Disse o Padre José.
Sr.
IFAN:
- Eu? Olhem para mim. Olhem para minha casa... Estou velho,
velho e pobre. Mal, mal tenho recursos para sustentar-me e a está pobre Tia
Nenê... – Lamentou IFAN.
VELHO
MANUEL:
- Mas o senhor sempre cuidou da Igreja. O senhor e toda a sua
família... – Rebateu o Sr. Manuel.
Sr. IFAN:
- Eu sei disso. E olha que é com muito pesar que admito que
não tenho condições de cuidar mais dela. – Falou o velho e doente senhor.
VELHO MANUEL:
- Mas isto não está certo. Tem que cuidar sim senhor – Gritou
o Sr. Manuel.
Sr.
IFAN:
- Meu amigo, você mais do que eu, sabe do amor que minha
família sempre teve pela igreja, mas ela nunca foi nossa. A Matriz é de toda a
cidade. – Disse IFAN.
D.
MARIA:
- A onde o senhor quer chegar? Perguntou Dona Maria.
Sr.
IFAN:
- À verdade. A Matriz é responsabilidade de todos nós, não de
uma família...
PADRE
JOSÉ:
- Mas vocês sempre fizeram tudo sozinhos... – Disse o Padre.
SR.
IFAN:
- É verdade, foi um grande erro e só agora nesta situação
difícil que percebi isto. – Disse IFAN.
PIPOQUEIRO JORGE:
- Mas se o senhor não pode cuidar, quem vai cuidar? –
Perguntou o pipoqueiro.
Sr.
IFAN:
- Ela não é de todos? Então todos vão cuidar...- Falou o
doente com a voz rouca.
VELHO MANUEL:
- Mas não temos dinheiro... – Falou o Sr. Manuel
levantando-se.
Sr.
IFAN:
- É verdade, individualmente somos todos pobres e o conserto
da nossa querida Igreja é caro...Mas juntos... Juntos podemos muito. – Disse o
Sr. IFAN.
PADRE
JOSÉ:
- Como? Não entendi. – perguntou o Padre José.
Sr.
IFAN:
- É simples, vamos buscar os recursos na comunidade. – Falou
IFAN sentando-se na cama.
D.
MARIA:
- Buscar como? – Perguntou Dona Maria.
Sr.
IFAN:
- Ora, vamos criar comissões... O Padre José pode organizar um
leilão...
PADRE
JOSÉ:
- Leilão de que Sr. IFAN, a Igreja não tem nada para
leiloar... – Riu o Padre.
Sr. IFAN:
- Leilão das coisas que vamos recolher da comunidade... Um
leitão do Sr. Pedro fazendeiro, uma cesta de frutas do pomar da Dona Maria, uma
toalha bordada da Dona Rita...
PADRE
JOSÉ:
- Que ótima ideia Sr. IFAN, eu conheço muita gente que pode
oferecer coisas interessantes. – Falou radiante o Padre José.
D.
MARIA:
- Podemos fazer barraquinhas... Vender pastéis após a missa. –
Disse Dona Maria sorrindo.
VELHO
MANUEL:
- Isso mesmo. Dona Maria fica encarregada de montar a comissão
das barraquinhas, Jorge conhece muita gente e pode ficar encarregado de
recolher objetos para o leilão junto com o Padre...- Falou o Senhor Manuel.
PADRE
JOSÉ:
- E o senhor, o que vai fazer? – Perguntou Padre José ao velho
Manuel.
VELHO
MANUEL:
- Vou procurar os pedreiros e marceneiros e explicar o
problema... Pedir o apoio deles. – Falou o Senhor Manuel.
PADRE JOSÉ:
- Que ótimo. Então vamos logo resolver isto. – Gritou o Padre
José levantando-se. Os outros o seguiram radiantes. O grupo se despediu do
doente e foi tratar dos assuntos.
NARRADOR:
O Padre
José aproveitou a hora da missa para convocar voluntários e o apoio de toda a
comunidade. Não demorou muito para que todos contribuíssem com alguma coisa ou
com alguma atividade. O Senhor Haroldo da Gráfica fez os convites que foram
espalhados por toda parte convocando para o leilão em prol da Matriz e para as
barraquinhas na Praça. Em dez dias tudo estava pronto. No domingo de manhã aconteceu
o leilão regado à fogos de artifício e balões. À noite as barraquinhas fizeram
a festa como nunca havia se visto na cidade. Na Praça toda colorida de
bandeirinhas multicores e de toldos brancos das barracas oferecia-se de tudo um
pouco: pastéis da Dona Nhonhô, toalhas de renda da Dona Rita, bijuterias da
Martinha... E tinha bebidas: refrigerantes e cervejas... Uma festa. Tudo e
todos pela Matriz era o lema.
Praticamente
todo mundo participou, até mesmo o senhor IFAN, coitado, ainda gripado.
O dinheiro
arrecadado não foi muito, mas permitiu o início das obras realizadas por
técnicos especializados. Logo alguém teve a ideia de vender santinhos e postais
para conseguir mais dinheiro. O Sr. Alfredo do mercado ofereceu camisetas com
estampas da igreja, um sucesso. Os pastéis de Dona Nhonhô viraram mania da
cidade... Mas ainda era pouco.
CENA 3:
Reunião
Semanal da Comissão. Todos reunidos. Cadeiras voltadas para o público.
VELHO
MANUEL:
- Gente do céu! E os santos? Como ficam os santos? - Perguntou
na reunião semanal da Comissão.
D.
MARIA:
- É mesmo, a Santa Rita está toda carunchada, coitada! – Disse
D. Maria.
PADRE JOSÉ:
- Não é só ela não, o São José parece um queijo suíço de tão
esburacados. – Falou o Padre José.
PIPOQUEIRO
JORGE:
- Oh gente! Está aí a solução. – Falou levantando com os olhos
brilhantes de euforia.
PADRE
JOSÉ:
- Que solução? – Perguntou Padre José.
PIPOQUEIRO
JORGE:
- Ora, não estão vendo? Muitas meninas, moças e senhoras
chamam-se Rita por causa da Santa Rita...
PADRE
JOSÉ:
- É mesmo. Muitos homens chamam-se José por causa do São
José... – Falou o Padre José.
Sr. IFAN:
- Entendi. Vamos procurar as Ritas e os Josés. – Falou o Sr.
IFAN.
NARRADOR:
E assim
a Comissão dos santos saiu pelas ruas da cidade visitando as Ritas e os Josés pedindo
ajuda para restaurar as imagens.
CENA 4:
D. Rita
pendurando roupas no varal.
D.
MARIA:
- Olá Dona Rita, como vai? – Perguntavam:
D. RITA:
- Vou bem...
D.
MARIA:
- Sabe Dona Rita, A senhora chama Rita por causa da imagem de
Santa Rita, não é?
D.
RITA:
- É sim...
D.
MARIA:
- Pois então, a Coitada da Santa está lá toda cheia de
cupim... Precisa ser restaurada. Quanto a senhora pode dar para ajudar a Santa?
NARRADOR:
E assim
fizeram com o São José, com o Santo Antônio, com tantos outros santos. Restauraram
as imagens com a ajuda das Marias, dos Joãos, das Ritas e dos Josés.
A
igreja vivia cheia de gente querendo ajudar ou assistir as obras. Os
professores das escolas levavam os alunos para verem os trabalhos em horários
pré-determinados e os restauradores prestativos explicavam tudo. Todos ajudavam
e aprendiam ajudando.
Mas
havia o forro. O belo forro rococó da Matriz fora muito danificado pelos anos
de goteira.
CENA 5:
Reunião
da Comissão Semanal. Todos sentados em cadeiras voltadas para o público.
VELHO
MANUEL:
- Gente! Agora é o forro, olha só o estado dele. – Disse o Sr.
Manuel apontando para o alto.
PIPOQUEIRO
JORGE:
- Agora ficou difícil, não conheço ninguém que se chama
forro... – Brincou.
D. MARIA:
- Engraçadinho. Se não tem ninguém tem todo mundo... – Disse
Dona Maria.
PIPOQUEIRO
JORGE:
Pensaram
um pouco em silêncio e Jorge que fizera a brincadeira teve uma ideia.
- E se a gente fizesse um desenho do forro e dividisse em
pedaços iguais. Podíamos vender os pedaços...
PADRE
JOSÉ:
- Que ideia ótima. – Gritou o Padre José.
NARRADOR:
E isto
foi feito. Fizeram o desenho do forro e saíram oferecendo a todos.
Conseguiram
restaurar o forro com a ajuda de todos.
CENA 6
- CENA FINAL
Dia da
inauguração dentro da Igreja:
No dia
da inauguração as pessoas apontavam para certos lugares no forro sorrindo.
VELHO
MANUEL:
- Está vendo aquele pedaço ali, foi eu que ajudei a restaurar.
– Disse.
D. MARIA:
- Grande coisa, aquele outro ali foi eu. – Falou Dona Maria
rindo.
NARRADOR:
Foi uma
grande festa na cidade quando as obras terminaram. A igreja brilhava de tão
bonita. A Praça estava toda enfeitada... Fogos de artifício coloriam o céu. As
mulheres vestiram suas melhores roupas. Os homens pareciam noivos de tão
elegantes. O Padre José parecia o rei da festa de tão feliz. A pacata cidade
que sempre era muito calma e feliz estava mais unida do que nunca. A Igreja que
sempre fora adorada por todos, agora era de fato de todos. E este sentimento se
espalhou para todos os lugares da cidade. Agora os casarões eram de todos, a
praça era de todos, as cachoeiras, as árvores, as festas...Um sentimento
comunitário de respeito por tudo imperava.
O Sr.
IFAN?
Sarou
da gripe e passeava todas as tardes de braços dados com Tia Nenê. Continua
muito respeitado por todos.
PADRE
JOSÉ:
- VIVA
A IGREJA MATRIZ! – Grita o Padre.
TODOS:
- VIVA!
VELHO
MANUEL:
- VIVA
A COMUNIDADE!
TODOS:
- VIVA!
FIM
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