Reflexões sobre a agropecuária e a
alimentação nas Minas Gerais do século XVIII e XIX
Autor: Carlos Henrique Rangel
1 – As
Atividades Economia das Minas no Século XVIII
“O certo é que, no final do período setecentista, os mineiros já
não tinham mais “sua melhor bodega nos matos e rios” (MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico:
abastecimento Alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina: Maria
Fumaça, 2000, p.112)
No início da ocupação do território mineiro a
preocupação imediata com a exploração aurífera culminou com a falta de
alimentos para a multidão de aventureiros que adentraram os sertões. A fome se
alastrou entre os anos de 1697/1698 e 1700/1701. Nesses momentos difíceis os
mineiros aproveitavam as sobras de carnes, legumes, feijões e verduras nas
farofas e sopas, prática que acabou se incorporando à culinária mineira. Devido
a esse inconsequente imediatismo do início da colonização das minas, muitos
retornaram ao litoral, outros, no entanto, pouco a pouco se especializaram na
produção de alimentos para suprir as áreas mineradoras. [1]
Ilustra
esses acontecimentos, a expedição de João de Góis e Araújo ao sertão do rio São
Francisco por volta de 1700. Acompanhavam esse paulista, um genro e dois
cunhados de Borba Gato que adquiriram gado no arraial de Matias Cardoso para
levarem às Minas.[2]
A agricultura é a forma mais primária através da qual o homem
altera a natureza primeira, o espaço natural. Ao laborar o solo e criar
rebanhos o homem passou a produzir o espaço geográfico. O desenvolvimento da
agricultura (e principalmente a sua intensificação) possibilitou o surgimento
das cidades e a construção de um espaço geográfico cada vez mais artificial. No
Brasil, historicamente a ocupação de novas áreas tem como característica a
intensificação das atividades agropecuárias. Com a exceção da mineração, a
extração vegetal e a agricultura monocultora de exportação foram as atividades
econômicas desenvolvidas no Brasil que determinaram unilateralmente a forma de
ocupação do território brasileiro até o século XX, quando a industrialização
passou a ter importância nas atividades produtivas do País. Até então as
regiões efetivamente ocupadas estavam localizadas na costa e a ocupação do
interior era bastante rarefeita.
(GIRARDI, Eduardo Paulon. A agricultura na
ocupação do território brasileiro. Disponível na Internet: http://www2.fct.unesp.br/nera/atlas/agricultura_ocupacao.htm.
Acessado em 29 de abril de 2013).
Para
abastecer os mineiros e os viajantes, ao longo dos caminhos surgiram roças,
vendas e ranchos.
A mera existência física de caminhos não garante a circulação de
pessoas. Era necessário que neles existissem locais capazes de fornecer aos
viandantes um lugar onde fosse possível o abastecimento, o descanso e a troca
de animais. Ademais estavam sujeitos, esses viajantes, a constantes ataques de
quilombolas, índios e malfeitores. A ocupação destes caminhos garante por um
lado, a subsistência dos viajantes, e por outro lado a segurança da circulação.
(...) no que se refere ao sesmeiro que ocupa as terras ao longo
do caminho, a circulação que ai se processa oferece a ele uma possibilidade de
renda através da prestação de serviços, bem como do escoamento da sua produção
agro-pastoril. (GUIMARÃES, Carlos Magno. LIANA, Maria Reis. Agricultura e
Caminhos de Minas (1700/1750) – Revista do Departamento de História. Belo
Horizonte, Departamento de História – FAFICH/UFMG, 1987, p.91).
Na
terceira década do setecentos já se vislumbrava as dificuldades para a mineração.
O ouvidor do Rio das Velhas, Diogo Cotrim de Souza informava em 20 de agosto de
1731: “Hoje... estão acabados os descobrimentos de ribeiros e, por acaso,
sucede haver alguns nos morros...” [3]
Os mineiros inicialmente nômades constituíram famílias e se fixaram nas
proximidades da mineração que se tornara mais complexa. Dessas concentrações de
mineiros surgiram os primeiros núcleos urbanos fixos.
No povoado, aos domingos, começou a estruturar-se a vida em
comunidade. As pessoas apresentavam-se nas festas religiosas incorporadas às
respectivas confrarias e cada qual se esforçava para dar à sua irmandade mais
prestígio e brilho. Depois da missa percorriam as casas de comércio e faziam as
compras para toda a semana. Os primeiros povoados chamaram-se
"arraiais"– nome que em Portugal se dava ao acampamento, à reunião
festiva do povo quando das romarias. Em cada área de maior densidade de
mineração surgiu um núcleo urbano. Os senhores das lavras acabaram por se
instalar nestes povoados, embora continuassem a manter suas residências nas
lavras. Os arraiais, oriundos da fixação do comércio ambulante, avolumaram-se
com o duplicar das moradas. Na casa da cidade, o minerador habitava, quando há
negócios. As construções mantiveram-se estritamente citadinas, sem jardins,
árvores ou alpendre. As casas, sem luxo, alinhavam suas fachadas bem sobre a
rua.
(COSTA, Iraci Del Nero. As populações das Minas Gerais no século XVIII um
Estudo de demografia histórica. Revista Crítica Histórica, Ano II, n.º 4,
dez/2011, p. 180,181. Disponível na Internet: http://www.revista.ufal.br/criticahistorica/attachments/article/122/As%20popula%C3%A7%C3%B5es%20das%20Minas%20Gerais%20no%20s%C3%A9culo%20XVIII.pdf.
Acessado em 15 de janeiro de 2014).
A partir
de meados do século XVIII, a
decadência da exploração das riquezas minerais generalizou-se. A população das
Minas começou a procurar áreas férteis para plantação e criação de gado. As
áreas das regiões Leste, zona da Mata e Sul foram ocupadas com roças, enquanto
a região Oeste passou a se dedicar à criação de gado. A região norte, desde os
primeiros tempos da colonização já se ocupava com a criação de gado para suprir
as Minas.
A carne, elemento essencial da alimentação da colônia, foi fornecida
pelo gado que vinha das fazendas estabelecidas ao longo do curso médio do São
Francisco (Bahia). Estimuladas pelo mercado próximo, as fazendas subiram mais a
margem do rio, alcançando o território que é hoje mineiro, e penetram até o rio
das Velhas. Povoou-se assim uma área contígua ao norte dos centros mineradores.
(PRADO JÚNIOR, Caio.
Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia – São Paulo: Brasiliense, 1981, p.57).
À medida que o ouro foi rareando, forçando o
deslocamento da população para outras áreas do território, diversificaram-se as
atividades.
No último quartel do século XVIII a decadência generalizou-se.
Os mineiros passaram a procurar as poucas áreas de terra fértil na região das
Minas ou dirigiram-se para leste - Zona da Mata, de terras mais ricas -, para
as áreas de plantio do sul ou demandaram os campos criatórios situados ao
oeste. Superava-se uma fase da vida econômica colonial, as atenções voltaram-se
redobradamente para a atividade agrícola (LUNA, Francisco V., COSTA, Iraci Del Nero da. 1982, p. 15, 19).
Surgiram em regiões limítrofes à área mineradora, fazendas
agrícolas, legalizadas através de sesmarias[4],
atividade às vezes mais rendosa que a mineração. Em muitas localidades a
atividade de mineração convivia com a agricultura com certa harmonia.
“Os mesmos escravos que mineravam também roçavam e plantavam no
devido tempo. Podemos acrescentar baseado em outros documentos, que fazendas
havia em grande número ainda mais complexas, com plantações de feijão, milho e
outros ‘mantimentos’, canaviais, engenho de cana, moinhos, de farinha, fubá
etc., gado e mineração. A essas fazendas que possuíam minas e lavouras ou
criações chamamos fazendas mistas. Estabelecidas no século XVIII, desde que a
extração do ouro no centro do Brasil provocou a formação de arraiais e povoados
sem conta, essas fazendas caracterizaram a paisagem econômica de Minas, assinalando
uma diferença nítida com a de outras regiões ou capitanias como as de
Pernambuco e Bahia, com os seus engenhos de açúcar e, mais tarde, nos sertões,
as suas fazendas de criação e os seus currais (...) É bem de ver, porém, que à
medida que decresceu a faina mineradora, já no meado do século XVIII, acentuada
no último quartel dessa centúria, e mais ainda e cada vez mais na seguinte, as
fazendas mistas realmente típicas da Capitania, como aliás das outras que se
descobriram, integraram e formaram depois, as de Goiás e Mato-Grosso, foram
desaparecendo ou perdendo tipicidade, passando a ser exceções, até sumirem
completamente” (COSTA FILHO, 1963: 160 e 164/65).
O intelectual José Vieira Couto em seu relato datado
de 1799 deixou as seguintes impressões sobre as terras mineiras daquele período:
As três Comarcas do Rio
das Mortes, de Vila Rica e do Sabará ocupam a parte mais fértil dessa serra; as
suas montanheiras menos íngremes, cobertas de matos e de amenos campos oferecem
aos cultivadores uma fértil superfície, ao mesmo tempo em que os seus
interiores, passados e repassados de ricos veios de metais convidam os mineiros
para os desentranharem: desta maneira o número de seus habitantes sempre se
poderá equilibrar e igualmente repartir-se entre mineiros e agricultores; (COUTO, José Vieira. Memória
sobre as minas Capitania de Minas Geraes. Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro, 1994, p.53).
Segundo a historiadora Mafalda Zemella a atividade
rural das Minas Gerais no século XVIII, se caracterizou por pequenas produções
de alimentos em roças nas proximidades dos caminhos e estalagens e uma
agricultura de subsistência após a decadência aurífera. Por outro lado, Carlos
Magno Guimarães e Liana Reis destacam a importância da agricultura e seu
sistema escravista[5]
para sustentação da atividade mineradora, tornando-se após a decadência do
ouro, a alternativa econômica das Minas Gerais.
A historiadora Cláudia Chaves em trabalho datado de
1999 detecta uma economia diversificada já no início da colonização do
território mineiro, havendo um mercado consumidor forte com uma articulação
entre a mineração, agricultura e comércio que mais tarde permitiu a superação
da decadência aurífera. Ressalta em seu trabalho, a diversidade econômica e o
dinamismo do comércio entre as regiões mineiras.[6]
As áreas consideradas periféricas, ou melhor, dizendo, que se
situavam fora do perímetro minerador, vão desenvolver atividades complementares
à praticada na região mineradora à medida que esta vai se desenvolvendo e
tornando-se mais populosa. (LAMAS, Fernando Gaudereto. Para além do ouro das
Gerais: outros aspectos da economia mineira no setecentos. Revista de História
Econômica & Economia Regional Aplicada. Jan/jun. 2008. Vol.3, nº 4, p.42).
Segundo José Newton Coelho de Meneses, a alimentação
dos mineiros caracterizada pela carne de porco, frango, batatas, inhame
batata-doce, mandioca e outros, exemplificava a fase de desenvolvimento da
economia diversificada permitindo o acesso da população mais pobre aos
alimentos “menos nobres”, ficando a carne
bovina e os cereais destinados à população com maior poder aquisitivo.” [7]
Os escravos negros muito contribuíram com seus temperos para dar novas versões
aos pratos feitos com mandioca e milho e incrementaram a culinária com
condimentos e frutos como o quiabo e a pimenta malagueta.[8]
“O certo é que, no final do período setecentista, os mineiros já
não tinham mais “sua melhor bodega nos matos e rios”, como os paulistas que
ocuparam a região e os nativos dos primeiros anos do século. Há uma rede
comercial que lhes oferta uma maior diversidade de produtos e há, sobretudo uma
produção local que responde à demanda da população. Se a fome era a companheira
constante da aventura paulista dos primeiros anos de colonização, a
subsistência foi garantida e aperfeiçoada
com o processo de sedentarização no decorrer de todo o período da mineração.”
(MENESES, 2000, p. 112).
Percebemos então que, nos
primórdios da colonização do território mineiro a atividade agrícola
inicialmente negligenciada foi pouco a pouco ocupando seu espaço na nova
sociedade exercendo importante papel na sustentação da mineração. Conforme o
historiador José N.C. Meneses, a agricultura nas “Minas Colonial” não poderia
ser considerada de subsistência, uma vez que no sistema de subsistência, ainda está ausente o cálculo econômico
intelectualizado e o custo de produção é simples, havendo apenas a medição do
trabalho em unidade de tempo. Enquadrar tais características na unidade de
produção da agricultura de alimentos do período colonial mineiro é forjar uma
estrutura que não se sustenta. Meneses em seu estudo sobre a Comarca do
Serro reafirma a visão de que havia conciliação entre as atividades mineradoras
e agrícolas. Minerava-se no tempo “das secas” e no tempo “das águas” aravam e
plantavam. A mão de obra escrava e livre era
disposta de acordo com o tempo, aptidão e o interesse produtivo, comercial ou
de prestação de serviços.[9]
A partir de meados do século
XVIII, a agricultura já era a grande alternativa econômica, juntamente com a
mineração e o comércio.[10] A
atividade permitiu não só a ascensão econômica e social de homens livres
brancos, como a sobrevivência de muitos negros escravos, que, através da
atividade conseguiam comprar a liberdade.
Os mineiros em sua maioria
dedicavam-se tanto à mineração como a agricultura e pecuária, utilizando a
mão-de-obra escrava. Abordando em seu trabalho, precisamente a região da
demarcação Diamantina, Meneses concluiu que “a atividade mineradora dividia espaço e mão-de-obra com a agricultura,
a pecuária e atividades manufatureiras, em uma mesma fazenda, sítio ou
chácara.” [11]
Outro fator a salientar era a
distribuição de terras. Na colônia, as terras objetivavam a ocupação do
território e consequente produção de bens exportáveis e a manutenção da
população. O sesmeiro deveria ser capaz de cultivar a terra, possuindo escravos
e animais, além de arcar com os custos da medição, pagas a partir de 1763, ao
Juiz de Sesmaria.[12] As
fazendas produziam basicamente gêneros alimentícios necessários à
sobrevivência, destacando-se o milho[13], a
mandioca[14],
arroz, feijão, açúcar, carnes de boi, porco e frango, além de aguardente,
algodão e azeite para a iluminação.[15]
Apenas a título de ilustração, apresentamos o quadro a
seguir com alguns dos principais produtos consumidos na cidade de Vila Rica
entre os anos de 1752/1778 e quantas vezes foram citadas com o mesmo valor, nas
pautas de preços elaboradas pela Câmara da cidade. As pautas eram publicadas de
dois em dois meses – seis pautas por ano - e regulamentavam os preços dos
produtos.
REPETIÇÃO DO PREÇO DOS
GÊNEROS BÁSICOS
NAS PAUTAS DE VILA RICA
(1752-1778)
PRODUTOS
|
BIMESTRE
E NÚMERO DE CITAÇÃO DOS PRODUTO
|
PRODUTOS
|
1
|
2
|
3
|
4
|
5
|
6
|
Azeite de
Mamona (a medida)
|
-
|
-
|
2
|
7
|
18
|
52
|
Lombinho
(cada)
|
-
|
61
|
18
|
-
|
-
|
-
|
Farinha
de mandioca (o prato)
|
43
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Farinha
de milho (o prato)
|
62
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Feijão
preto (o prato)
|
24
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Milho ( o
prato)
|
65
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Açúcar da
terra (à libra)
|
-
|
22
|
53
|
4
|
-
|
-
|
Aguardente
da terra (a medida)
|
1
|
32
|
23
|
22
|
-
|
-
|
Toucinho
(a libra)
|
-
|
44
|
33
|
-
|
-
|
-
|
Figura12: Não há pautas de preços para os meses posteriores a
maio de 1768, nem para os anos de 1769, 1770, 1771, 1772, 1773 e 1774. Fonte:
CMOP-64, fotogramas. 552-814 (filme 29) e CMOP-76, fotogramas 689-894 (filme
32). SILVA, Flávio Marcus da. Estratégias
de Mercado e Abastecimento Alimentar em Minas Gerais no século XVIII. IX
Seminário sobre a Economia Mineira. Cedeplar. Disponível na internet: http://www.cedeplar.ufmg.br/diamantina2000/textos/silva.pdf .
acessado em 16 de janeiro de 2014, p. 115.
A maioria da população dos distritos mineradores, e é ainda
assim no alvorecer do séc. XIX apesar da decadência da mineração ocupa-se aí na
extração do ouro e diamantes, que ao contrário da grande lavoura, não permite
este desdobramento de atividades que encontramos nesta última, e que torna
possível aos indivíduos nelas ocupados dedicarem-se simultaneamente a culturas
alimentares de subsistência. O trabalho das minas é mais contínuo e ocupa
inteiramente a mão-de-obra nela empregada. Sob este aspecto, as populações
mineradoras se assemelham às urbanas. Tal fato provocou em Minas Gerais, mais
densamente povoada que outros centros de extração de ouro, o desenvolvimento de
certa forma apreciável de uma agricultura voltada inteiramente para a produção
de gêneros de consumo local.
(PRADO JÚNIOR, 1981, p. 162).
[1] Na primeira metade do século XVIII os aumentos de
preços dos alimentos foram frequentes nas Minas Gerais.
[2] Márcio Santos cita o
documento: Carta de João de Góis e Araújo para Dom João de Lencastro, 06/03/1701. Arquivo da Casa de Cadaval. cód. 1087 (k
viii 1k), fls. 482-483. Publ. em Antonil, op. cit., p. 393-395. (SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. trabalho “a cópia setecentista do
mapa de Jacobo
Cocleo:
leituras e questões”, Anais do 1º simpósio brasileiro de cartografia histórica. 10 a 13 de maio de
2011. p.14. Disponível na
Internet: https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/santos_marcio_roberto_a.pdf. Acessado em 29 de
abril de 2013. Miguel Costa Filho, também informa essa data.
(COSTA
FILHO. 1963, p.57,
58)
[3] BARBOSA, waldemar de Almeida. A decadência das Minas e a fuga da
Mineração. Belo Horizonte: Imprensa da universidade Federal de Minas Gerais,
1971, p.17.
[4] “Sesmaria deriva, para alguns, de sesma,
medida de divisão das terras do alfoz; como, para outros, de sesma ou sesmo,
que significa a sexta parte de qualquer cousa; ou ainda, para outros, do baixo
latim caesina, que quer dizer incisão, corte. Herculano parece tê-la
como procedente de sesmeiro, cuja filiação etimológica, entretanto, não
indica”(LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e
terras devolutas. 4 ed.Brasília: ESAF, 1988.p.19).
Durante
todo o período colonial a forma de aquisição de terras ocorria por meio de
sesmarias. As cartas de sesmarias foram instituídas em 1375 em Portugal, quando
da sua formação enquanto nação. As sesmarias garantiam que os seu recebedor
teria posse vitalícia da terra doada desde que a mantivesse produtiva. Martim Afonso de Souza concedeu as primeiras
sesmarias no Brasil no século XVI. Em 17 de julho de 1822, a Resolução n.º 22 –
Resolução de Consulta da Mesa do Desembargador do Paço – extinguiu o sistema de
distribuição de terras por sesmarias. Somente em 18 de setembro de 1850 é que
surge uma nova regulamentação para a posse de terras – a lei n.º 601,
denominada Estatuto das Terras Devolutas ou Lei de Terras. (PANIAGO, Einstein
Almeida Ferreira. Sesmarias, Registros paroquiais e Políticas Expropriantes das
Terras em Goiás. Disponível na Internet: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=4&ved=0CEQQFjAD&url=http%3A%2F%2Fwww.revistas.ufg.br%2Findex.php%2Frevfd%2Farticle%2Fview%2F15154%2F9537&ei=y3GCUaXNJsjz0gHzxIG4BQ&usg=AFQjCNGb5k6JFsC0-dWGLNd0lAxCgvoR9Q&sig2=us9X72bXlm8pwfjW3_s3aw . Acessado em 2 de maio de 2013).
[5]Os escravos trabalhavam nos engenhos, nas lavouras e exerciam as
funções de ferreiros e carpinteiros, além de serem envolvidos no transporte de
mercadorias pelos caminhos de Minas e para o abastecimento do Rio de Janeiro.
[6] MENESES,
José Newton Coelho. O Continente Rústico:
abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina: Maria
Fumaça, 2000, p. 88,89.
[7] MENESES, 2000, p. 96, 97.
[8] Importante
salientar que nas fazendas comiam-se diariamente verduras e legumes frescos
colhidos na hora.
[9] MENESES, 2000,
p.
166 a 168.
[10] A partir das últimas décadas do século XVIII as fazendas começaram
produzir alimentos e vestimentas. No oitocentos, surgiram as plantações de café
e a indústria de laticínios. a produção de café iniciada no Rio de Janeiro se
estendeu pelo sul de minas gerais e pelo sul do território do espírito santo e
finalmente leste de São Paulo. O café
tornou-se o principal produto nacional a partir de meados do século XIX e
início do século XX.
[11] MENESES, 2000, p. 159. Por causa
das
dificuldades dos primeiros tempos os mineiros do setecentos
preferiam alimentos cozidos e evitavam desperdício. As sobras eram utilizadas
em farofas e sopas. Na região do rio das velhas já na primeira década do século
XVIII existiam engenhos e plantações de milho e cana-de-açúcar. (SILVA, Flávio Marcus da. Estratégias
de Mercado e Abastecimento Alimentar em Minas Gerais no Século XVIII. IX
Seminário Sobre a Economia Mineira. CEDEPLAR. Disponível na internet: http://www.cedeplar.ufmg.br/diamantina2000/textos/silva.pdf . Acessado
em 16 de janeiro de 2014, p. 105).
[12] MENESES, 2000,
p.
153,154.
[13]Planta da família gramineae o
milho é originário da América Central, cultivado a sete mil anos. Foi muito
cultivado pelos maias, astecas e incas. No período colonial os escravos negros
eram alimentados com milho e mandioca.
[14] A mandioca é cultivada na América há mais de dois mil e quinhentos
anos antes de Cristo. O alimento tem lugar de destaque na formação
socioeconômica e cultural do Brasil e ainda hoje compõe o prato de vários
segmentos da população. Já no século XVI
a sua utilização pelos índios era mencionada pelos jesuítas que perceberam a
sua importância vital para a sobrevivência da colônia.
[15] MENESES,2000, p. 169.
2 – As Atividades Economia das Minas
no Século XIX
A partir do século XIX, a agropecuária substituiu o
ouro como principal atividade econômica de Minas Gerais, predominando a criação
de gado e porcos, a plantação de milho, mandioca e café, feijão, farinha de
mandioca e aguardente etc. As Minas Gerais, com sua economia “autossuficiente e
limitada”, ainda assim abastecia com seus produtos agrícolas o Rio de Janeiro e
São Paulo. [1] O
café sul mineiro mostrava a sua força, sendo responsável pela maior parte da
arrecadação de impostos da província, deixando a pecuária em segundo lugar. O
território mineiro chegou a ser ocupado em 96% - noventa e seis por cento - por
fazendas que absorviam 79% - setenta e nove por cento - da mão de obra escrava
da província.
Ilustra bem esse progresso as observações do
viajante francês, Auguste de Saint-Hilaire,[2]
sobre a vida dos fazendeiros nas primeiras décadas do oitocentos:
Entre os mineiros, os homens de maior consideração são
seguramente, os que habitam o campo e, sobretudo, os fazendeiros das zonas
auríferas do centro da província. Esses proprietários, e, particularmente, os
que exploram minas, geralmente superiores pelo trato e pureza de linguagem, não
só aos nossos simples campônios, como ainda, aos nossos mais ricos lavradores,
e, como já tive ocasião de dizê-lo, existem mesmo vários deles que fizeram
alguns estudos. Quase todos os homens brancos não trabalham pessoalmente e
contentam-se em dirigir os escravos. (...)
Suas casas oferecem, em regra, poucas comodidades e não possuem
em geral nenhum ornato sobre a brancura das paredes. Como custaria muito
dinheiro mandar vidraças em lombo de burro desde o litoral até o interior,
deixam-se as janelas completamente abertas durante o dia e à noite fecham-se
com a aldrobas. Não se conhecem nas casas de fazendeiros nenhum desses móveis
que acumulamos em nossos aposentos. Guardam-se as roupas nas malas, ou, antes,
dependuram-se em cordas, afim de preservá-las da umidade e dos insetos. As
cadeiras são raras e as pessoas se sentam em bancos, tamboretes de madeira e
escabelos. Nas casas dos ricos, os leitos são os móveis que merecem maiores
cuidados; as cortinas e as colchas são muitas vezes de damasco, e os lençóis de
um tecido de algodão muito fino, tem guarnições de renda. Quanto ao colchão,
compõe-se simplesmente de um fardo de palha de milho desfiada; mas, em país tão
quente, dormir-se ia pior sobre lã ou penas. (...)
Os habitantes do Brasil, que fazem geralmente três refeições por
dia, têm o costume de almoçar ao meio dia. Galinha e porco são as carnes que
servem mais comumente em casa dos fazendeiros da Província das Minas. O feijão
preto forma prato indispensável na mesa do rico, e esse legume constitui quase
a única iguaria do pobre. Se a esse prato grosseiro ainda se acrescenta mais
alguma coisa, é arroz, ou couve ou outras ervas picadas, e a planta geralmente
preferida é a nossa serralha que se naturalizou no Brasil e que, por uma
singularidade inexplicável se encontra frequentemente em abundância nos
terrenos em que recentemente se fizeram queimadas de mata virgem. Como não se
conhece o fabrico da manteiga é substituída pela gordura que escorre do
toucinho que se frita. O pão é um objeto de luxo; usa-se em seu lugar a farinha
de milho, e serve-se esta última ora em pequenas cestinhas ou pratos, ora sobre
a própria toalha, disposta em montes simétricos. (...)
É muito
raro encontrar vinho em casa de fazendeiros; a água é a sua bebida ordinária,
e, tanto durante as refeições como no resto do dia, é ela servida em um copo
imenso levado em uma salva de prata, e que é sempre o mesmo para todos.
(SAINT-HILAIRE, 1975, p.126 a 129).
Roberto Martins em sua tese de Doutorado concluía
que, com base na agricultura e pecuária para o consumo interno, a Minas Gerais
do oitocentos prosperava e era a maior importadora de escravos até a extinção
do tráfico em 4 de setembro de 1850 por meio da Lei Eusébio de Queiróz.[3]
Ainda no século XVIII e depois no XIX, as farinhas
de mandioca e de milho e as carnes de sol ou conservadas na banha compunham as
refeições de tropeiros e da população fixa.
A cozinha que alimentava os tropeiros era seca, a farinha era
"matutagem" de primeira necessidade dentro dos seus embornais. Em uma
palavra a cozinha dos tropeiros era ambulante. Ela levava consigo só o que não
era perecível. Assim, seu cardápio era composto de carnes conservadas em
gordura ou no sal, feijão tropeiro, brotos nativos encontrados a cada parada. Tudo
feito para cumprir seu destino: o de seguir viagem.
(NUNES, Lucinha. Cozinha de
Minas um pouco de sua História. Disponível na Internet: http://correiogourmand.com.br/info_01_cultura_gastronomica_02_cozinhas_do_brasil_05_minas_gerais.htm
. Acessado em 15 de janeiro de 2014).
Há de se lembrar que, durante o período colonial a
farinha de mandioca na forma de bolos, beijus, sopas e angus ou mesmo misturada
à água, feijão e carnes era o alimento mais utilizado. Em Minas Gerais, o milho
substituía a farinha de mandioca.[4]
Os mais pobres se alimentavam geralmente de feijão preto, arroz, couve ou outro
tipo de folha. No
período colonial os negros eram alimentados com milho e mandioca. Segundo
Eduardo Frieiro, a alimentação dos escravos era o feijão e “angu mal cozido” ou
em alguns casos banana, laranja e farinha de mandioca.[5]
Cerca de cinquenta anos depois da viagem de Saint
Hilaire – 1867 - Richard Burton descreveu um jantar oferecido em uma estalagem
entre Barroso e São João Del Rei:
A carne consistia em um naco de porco assado, no qual se absterá
de tocar qualquer estrangeiro, no Brasil, depois de ter travado conhecimento
com o sistema de criação do animal preferido por São Jorge. Diante dele, os
porcos vendidos nos mercados das índias são um exemplo de boa criação. Há em
geral galinha “au riz”, com cabeça e pescoço, miúdos e quatro pés, mas,
provavelmente, faltando uma asa e uma coxa. Os ovos fritos são tão comuns como
os pombos e omeletes na Itália. O Brasil, como a Inglaterra, é uma terra de um
só molho, pimentas vermelhas e amarelas, colhidas no quintal e esmagadas com
caldo de limão. A feijoada, conhecida na região como tutu de feijão, é o pão de
cada dia de muitos lugares onde o pão de trigo não é procurado e o pão de milho
é desconhecido. Ouvi um irlandês chama-lo de “cataplasma de feijão”, e essa
denominação cabe, sem dúvida alguma. É uma mistura de farinha com feijão,
temperada com toucinho – o óleo, e a manteiga de cozinhar do país. O tecido
adiposo do porco, depois de serem tirados os ossos, as entranhas e a carne,
ligeiramente salgado, fica higienicamente bem adaptado ao feijão, combinando
carbono com nitrogênio; infelizmente, ele faz parte de quase todos os pratos, e
não faz bem à digestão do “jovem Brasil”. (...) O arroz é cozido sensatamente.
Os brasileiros conhecem o processo, ao passo que os ingleses e anglo-americanos
ainda persistem em comer a casca.
Como sobremesa, aparecem a canjica, milho cozido, e doces
apreciadíssimos por todas as classes e idades. A canjica é temperada com
rapadura, e acompanhada de marmelada ou goiabada. As duas últimas são
apresentadas em caixas de pau ou latas rasas. São as preferidas de todos,
supondo-se que facilitam a digestão, e acompanhadas de queijo salgado, do mesmo
modo que em Yorkshire se serve queijo junto com pudim. O vinho, quando há é
chamado Lisboa, e é um rum de melaço, com corante e valendo metade do pior
vinho das uvas de Barbacena; seu nome popular é “cáustico”. Às vezes, há um
vinho de Bordeaux,(...). Toda refeição termina, invariavelmente, com uma xícara
de café, não a “água de batata” da Inglaterra, mas embora forte, mal feito. .(BURTON, Richard. 1976).
Mais tarde, o engenheiro inglês James Wells no
início de sua entrada em Minas no ano de 1873, descreveu a alimentação servida
em um hotel em que ficou hospedado em Chapéu das Uvas, atual Paula Lima:
Logo um odor de cebolas, banha e alho, e café torrado invade o
estabelecimento; uma negra velha emurchecida, com aparência de bruxa, meio –
vestida com trapos andrajosos e escurecidos de gordura e fumaça, estende sobre
a mesa uma toalha grossa de algodão de Minas e volta com pratos de feijões
cozidos e toucinho, frango ensopado e arroz, um pernil indefinível, um monte de
carne de porco assada, outro monte de carne de boi estorricada até às cinzas (uma
ilha em um lago de gordura amarelo-clara), uma vasilha de farinha, algumas
porções de massa de pão dura, duas caixas de madeira de goiabada, laranjas,
bananas e queijo holandês, umas poucas garrafas de cachaça e “cinta-negra”
(vinho português, vinho tinto ou “figueira”), pratos, facas e garfos de cabo de
ferro, que nunca foram polidos, e “o jantar está pronto”. (WELLS, James W.
Explorando e viajando – Três mil milhas através do Brasil – do rio de Janeiro
ao Maranhão. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos
Históricos e Culturais, 1995, vol. I, p. 75).
Pouco depois, já hospedado no antigo arraial de São Gonçalo da Ponte – atual Belo Vale
–Well externou sua visão sobre a culinária mineira que lhe parecia repetitiva:
O cardápio era o inevitável frango cozido com arroz, feijão
preto, batatas, abóbora, couve e farinha de mandioca, restilo (aguardente de cana, ou cachaça, redestilada) e vinho
português (cinta negra). Estávamos todos famintos demais para criticar o que
quer que fosse, e rude e malservida como era a nossa mesa, nunca um jantar foi
tão bem apreciado. (WELLS, 1995, vol. I, p. 104).
A concentração de propriedades rurais em determinadas
regiões originaram vários povoados e que mais tarde tornaram-se importantes
municípios.
[1]
ANDRADE, Leandro Braga. Escravismo, campesinato e desigualdade na
economia de Minas Gerais no século XIX. Mariana: 1820-1850. Anais do I Colóquio
do LAHES. Juiz de Fora, 13 a 16 de junho de 2005.
[2]Durante as suas viagens Saint-Hilaire e seus
acompanhantes almoçavam regularmente o que carregavam: feijão preto cozido com
toucinho, arroz e algumas xícaras de chá, farinha de milho ou mandioca.
(SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem do Rio de Janeiro a Ubá passando por Porto
da Estrela e a estrada principal de Minas Gerais. in.: Viagem às Nascentes do
Rio São Francisco. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, USP. 1975, vol.4, p.66).
[3] MARTINS, 1982, p. 24.
[4] HISTÓRIA da Vida Privada. 1997, vol.1, p. 124.
[5]FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a
comida dos mineiros. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São
Paulo. 1982, p. 119.
[6] WELLS, 1995, vol. i, p.106.
[7]
A fazenda Boa Esperança foi tombada pelo
IEPHA/MG - Decreto Estadual nº 17.009, de 27 de fevereiro de 1975. Publicado no
“Minas Gerais” – diário do executivo em 28 de fevereiro de 1975, pág. 7, col.1.
Livros do tombo I,II,III. Foi tombada
pelo IPHAN - processo nº 569-t; inscrição nº 450, livro belas-artes,
volume 1, folha 84, de 27 de agosto de 1959. Em Brumadinho, a Fazenda dos
Martins, também tombada pelo IEPHA/MG (1977) é outro destaque do século XVIII.
Sua construção é atribuída a Pio Martins que teria sido membro da expedição de
Fernão Dias. Seu genro – Manoel Rodrigues Rabelo – teria transformado a fazenda
em “empório de escravos”.
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