A CIDADE DO PRIMO MAURO
Autor: Carlos Henrique Rangel
O ônibus parou na rodoviária da cidade e Paulo desceu meio sonolento.
Olhou ao redor e prosseguiu em linha reta em direção à rua que parecia ser a principal.
Depois de algum tempo encontrou um grupo de pessoas que observava operários trabalhando e resolveu se informar.
- Por favor, poderia me dar uma informação? – Perguntou a um rapaz que estava mais próximo.
- Claro, o que você deseja saber?
- Estou procurando a Rua Direita. (pode ser qualquer outra rua dentro do Centro Histórico)
- É a minha rua. Quem você está procurando? Conheço todo mundo que mora lá. – Disse o rapaz.
- Procuro Mauro Junqueira, meu primo.
- Que coincidência, o Maurinho é meu vizinho. Te levo lá, mas espere só um instante, deixa eu só ver eles colocarem aquela janela.
- O que está acontecendo? Estão demolindo esta casa velha? – Perguntou Paulo.
- Estão restaurando.
- Está muito ruinzinha, não seria mais fácil deixar cair?
- Não, esta casa é muito importante para nós.
- É muito velha, neste terreno poderiam construir um prédio que seria muito mais bonito e importante...
- Esta casa faz parte da nossa cultura e da nossa história.
- Cultura?
- É, foi construída nos primeiros anos da nossa cidade e está cheia de histórias, lembranças e vivências. Nós não conseguimos imaginar a Praça sem ela. É parte da nossa identidade... Nossa memória.
- Tudo bem, mas vocês vão colocar umas portas e janelas modernas, né?
- A obra não é uma reforma. É uma restauração.
- Não vejo a diferença...
- A restauração não muda nada, mantém as mesmas características da construção, até mesmo as janelas e portas.
- Interessante... Mas e depois de concluída, o que vai ser?
- Vai ser uma residência, mas poder ter qualquer uso desde que esse respeite as suas formas antigas.
- Pensei que ia ser um centro cultural.
- Nós já temos um centro cultural que ocupa um outro casarão antigo.
- Eh, eu já notei que a sua cidade é cheia de casas antigas.
- Tentamos preservar nossa história e as casas construídas pelos nossos antepassados, nossos bisavós e avós e os traçados originais das nossas ruas, becos e praças. Assim conservamos nossas raízes, nosso elo com o passado, nossa origem, nossa identidade coletiva, ou seja, o que nos diferencia das outras cidades. Hoje todo o Centro Histórico é protegido.
- Mas desse jeito como fica o progresso?
- Preservar o nosso patrimônio não impede o progresso. Os dois convivem até muito bem. Não há a necessidade de se destruir ou modificar o nosso patrimônio. Preservar não é congelar.
- Patrimônio?
- É, patrimônio cultural é a nossa herança deixada pelos antepassados, as festas tradicionais, o nosso modo de falar e agir, os monumentos, as imagens, os acervos Arquivísticos, as construções antigas como os casarões e as igrejas e até mesmo as construções mais recentes que têm uma importância pelo estilo e beleza e que também são nossos bens culturais.
- Interessante, mas o progresso...
- Eu estava te dizendo: nesses casarões do nosso passado, moram famílias que possuem televisão, vídeo e até computadores e carros. É claro que todas possuem banheiros modernos.
- Assim é diferente. Eu pensei que toda casa antiga era como um museu.
- Não são. Elas podem ter várias utilidades: moradia, clubes, associações, sede de empresas... Desde que não sejam descaracterizadas. Como eu disse antes, nosso centro histórico é todo tombado e nem por isto deixou de ter vida... Gente na rua, comércio e festas...
- Tombado?
- É, o tombamento é um instrumento legal utilizado para proteger um bem cultural. Quando uma casa, ou uma imagem, documento, praça ou Centro Histórico é tombado, não pode ser destruído ou mesmo ser modificado a não ser que seja aprovado e autorizado por se comprovar que não vai descaracterizar o bem ou a área tombada.
- Qualquer bem cultural pode ser tombado?
- Infelizmente não... Somente os bens culturais materiais ou tangíveis como as casas, praças, imagens, documentos é que podem ser protegidos pelo instituto do tombamento. Mas os bens imateriais ou intangíveis, ou seja, os que não podemos pegar podem ser preservados através de incentivos e por outro instrumento de proteção: o Registro do Patrimônio Imaterial
- É? Mas quem decide isto?
- Ah, existe o órgão federal, o IPHAN que protege aqueles bens culturais que são importantes para o país. No Estado de Minas Gerais existe o IEPHA, que preserva os bens que são importantes para todo o Estado e nos municípios existem os conselhos municipais do patrimônio cultural que tombam os bens de importância local. O nosso Centro Histórico é tombado por decisão do Conselho Municipal que é formado pela comunidade: representantes de associações, escolas, prefeitura, igreja, etc.
- Esse Conselho decide tudo sozinho?
- Não, a equipe do Departamento de Patrimônio Cultural da Prefeitura faz um estudo para justificar a importância do bem cultural chamado “dossiê de tombamento” que compõe o Processo de tombamento que é encaminhado ao Conselho Municipal de Patrimônio Cultural para ser analisado.
- Departamento de Patrimônio Cultural?
- Eh... Aqui em nossa cidade existe um departamento que faz estudos sobre os bens culturais. Em outras cidades existem chefias de cultura ou coordenação de patrimônio, mas têm a mesma função. A equipe técnica normalmente formada por historiadores, arquitetos e restauradores, elabora o dossiê com todas as informações sobre o bem cultural que vai ser tombado e encaminha ao Conselho.
- Interessante...
- O Conselho, depois que analisa o dossiê e decide pelo tombamento, encaminha uma notificação ao proprietário que tem quinze dias para se manifestar contra ou a favor. Vencido o prazo, o prefeito publica a decisão através de decreto no jornal da cidade.
- Eu não concordaria...
- Se não concordar tem que justificar. Aí o Conselho em uma nova reunião, decide pela manutenção do tombamento ou não, dependendo do estudo da documentação do proprietário.
- Se fosse minha casa eu não ia concordar... Vê lá se vou concordar em ficar sem minha casa...
- Mas você não fica sem a casa. Ela continua sendo sua.
- Mas não posso mexer nela...
- Você não pode é destruir ou reformar sem a análise e autorização do Conselho... A sua casa deixou de ser importante apenas para sua família... Passou a ser parte da memória de toda uma cidade.
- Não posso vender ou alugar...
- Pode sim. Pode vender e alugar... Para auxiliar o proprietário, no Processo de Tombamento é definido claramente o que pode e o que não pode ser feito na área tombada e em seu entorno.
- Assim é bem melhor... Mas manter uma casa desta é muito caro, não é?
- É, mas a Prefeitura dá isenção de imposto predial e fornece técnicos para ajudar nas obras de restauração. Em nossa cidade, as empresas ajudam porque também fazem parte da comunidade e a comunidade é a principal responsável por este patrimônio.
- Interessante... Mas vem cá, como é que o Departamento e o Conselho decidem o que é importante preservar?
- Primeiro é preciso conhecer, não é? A equipe técnica do Departamento de Patrimônio Cultural faz um inventário de tudo que é importante no município com a ajuda da população. Levantam informações sobre os casarões, sobrados, fazendas, igrejas, imagens sacras, festas, arquivos, sítios naturais, sítios arqueológicos e espeleológicos... Estas informações coletadas sobre os bens são postas em fichas com fotos. Depois de analisadas e discutidas com a comunidade, os bens são selecionados para serem protegidos através do tombamento ou se for um bem imaterial, Registradas como Patrimônio Imaterial.
- Nossa! Esse tal de inventário acaba sendo um registro muito importante...
Mas me diga uma coisa, só o tombamento não resolve, não é?
- É... Você tem razão, só o tombamento não resolve. O inventário auxilia na elaboração do Plano Diretor e na elaboração da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que é constituída de um conjunto de leis e diretrizes para normatizar uma política de desenvolvimento urbano, garantindo assim um crescimento mais ordenado da cidade, o bem-estar da comunidade e é claro, preservando o patrimônio. Outra coisa: é importante a participação de todos na preservação, no cuidado constante das casas, igrejas, ruas, becos, praças e monumentos. A substituição de uma telha quebrada resolve problemas futuros que ficariam muito mais caros. Discutir a preservação do patrimônio nas escolas é outra solução porque assim estaríamos formando novas gerações com outra visão sobre a cidade e seu passado.
- Eu gostei disto... E tem as empresas, não é?
- Como eu disse, as empresas podem ajudar muito. Existem as leis de incentivos federal, estadual e municipal que diminuem os impostos das empresas que investem na restauração do patrimônio cultural.
- Que legal...
- As Prefeituras também podem ajudar porque a lei n. º 18.030 repassa mais recursos do ICMS Patrimônio Cultural.
- Não entendi...
- Existe uma lei estadual, a n.º 18.030, que define critérios para o repasse de recursos do ICMS para os municípios. Um dos critérios é a proteção do patrimônio cultural. O município que investe na preservação do seu acervo cultural recebe mais dinheiro. Quanto mais investe, mais recebe. Esse recurso pode e deve ser usado para auxiliar os proprietários de bens tombados na restauração e manutenção.
- Quer dizer que é vantagem para todo mundo?
- Para todo mundo. A preservação da memória, dos marcos do nosso passado, das nossas raízes que nos fazem ser o que somos nos enche de orgulho, prazer e de dignidade.
- Olha... Como é mesmo o seu nome?
- João.
- Prazer... O meu é Paulo... A gente conversou sobre tanta coisa e nem tínhamos nos apresentado...
- É...
- Olha, é muito legal tudo isto. Tenho que saber mais sobre este assunto.
- No Departamento de Cultura e Turismo o pessoal vai te passar mais informações.
- Vou procurá–lo depois.
- Sabe, Paulo, a coisa é lenta, mas vale a pena. Hoje somos um povo muito mais feliz. A qualidade de vida de nossa cidade é muito boa. Preservar o nosso Centro Histórico é crescer com dignidade e identidade...
- A sua cidade é muito bonita. Muito legal o que vocês estão fazendo. Quando voltar para minha terra vou discutir isto com os meus colegas de escola.
- Bem, agora vou te levar para a casa do Maurinho.
FIM
1- Dê alguns exemplos de bens culturais do povo mineiro.
2- O que uma comunidade pode fazer para proteger o seu patrimônio cultural?
3- Quais os critérios básicos que definem a importância de um bem cultural?
4- Defina Inventário de Proteção ao Patrimônio Cultural. Qual a sua importância?
5- De que maneira o empresariado pode atuar na preservação e quais as vantagens que pode obter?
6- Quais os bens culturais que podem ser protegidos pelo instituto do tombamento?
Por quê?
7- Qual o papel do Departamento de Patrimônio Cultural?
8- Quem pode solicitar o tombamento de um bem cultural?
9- Como se inicia um processo de tombamento?
10- Quem pode impugnar o tombamento e como isto pode ser feito?
11- Quais as vantagens do tombamento para a comunidade?
12- Paulo pensou que estavam reformando o Casarão. Diferencie reforma e restauração.
13- Como preservar as manifestações folclóricas de uma comunidade?
14- O que pode ser feito para preservar um bem cultural que se encontra abandonado e em franco processo de arruinamento?
15- Procure em sua casa objetos que você considera patrimônio de sua família para a montagem de uma exposição na sala de aula.
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