TÍTULO: A
PRESERVAÇÃO REVISTA
NOME DO AUTOR: Carlos Henrique Rangel
NOTA BIBLIOGRÁFICA:
Licenciado em história pela UNI/BH. Funcionário do Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG – desde
1984. Foi Chefe de Pesquisa entre 1989 e 1992. Chefe do Setor de Proteção de 1993 a 1994. Superintendente
de Proteção de 1994 a
1999. Superintendente de Desenvolvimento e Promoção de 2004 a 2007. Diretor de
Promoção de 2007 a
2010. Atualmente é Analista de Gestão e Proteção na Gerência de Patrimônio Material do
IEPHA/MG.
RESUMO:
O texto trata de uma pequena análise da relação do ser
humano com o seu meio e as conseqüentes intervenções e produções geradas por
essa relação culminando em apropriação de coisas e atribuições de valores, que
ao longo do tempo se tornam imprescindíveis à sobrevivência e continuidade da
espécie.
PALAVRAS – CHAVE: Memória, Bem Cultural, Patrimônio
Cultural, Educação Patrimonial.
Para viver e sobreviver no mundo, os seres precisam se
adaptar aos espaços/lugares do mundo.
Os animais se relacionam com os lugares biologicamente, se
moldando lentamente ao clima e ambiente. Tornam-se perfeitamente aptos para
viver nos espaços que escolheram como lar. O lugar se torna seu habitat sua
morada definitiva e única. E esse ser não poderá viver em outro lugar a não ser
que seja um lugar muito parecido com o seu lugar de origem. Sua história está
vinculada, moldada no espaço que o construiu e adaptou.
O ser humano, também é um ser adaptado biologicamente, mas
não só. Obrigado a viver em grupo para sobreviver o ser humano criou mecanismos
de comunicação para poder transmitir conhecimentos, idéias e descobertas:
gestos e sons que se somam e formam sílabas, palavras e significados. Esses
códigos dizem algo. Passam algo. Transmitem algo. O ser humano se adapta ao
lugar culturalmente. Percebeu cedo que precisava do outro. Precisava
compartilhar com o outro o seu conhecimento e suas experiências para continuar
no mundo.
O lugar o molda, mas também é transformado por ele. O lugar
é domesticado, trabalhado por ele.
Cedo o ser humano percebeu o seu mundo e descobriu que ao
contrário dos animais, precisa se adaptar aos lugares transformando-os. Não
possui peles fortes para protegê-lo do calor ou do frio. Não possui garras para
matar ou rasgar os alimentos. Para sobreviver às constantes mudanças climáticas
do meio ambiente o ser humano necessita criar peles artificiais tiradas dos
outros animais. É necessário cria garras artificiais como pedras pontudas ou
paus trabalhados para ferir e nocautear os animais/caças e os inimigos, os
“outros”. E todos esses artifícios estarão sempre em constante evolução para
uma melhor adaptação ao meio.
O ser humano produz cultura. O único ser a fazê-lo. E
cultura é essa soma de modos de ser, fazer e se relacionar com os
espaços/lugares, utilizando o que o meio tem a lhe oferecer para sobreviver. Se
há pedras, fará abrigos de pedra. Se há apenas terra, a casa será de barro. Se
há gelo, que seja de gelo o abrigo a protegê-lo.
Ao contrário dos animais que naturalmente se moldam aos
lugares, o ser humano precisa aprender. Não se nasce com cultura. É necessário
aprender a cultura do grupo. Os modos de ser de acreditar de se relacionar com
o outro. Cultura se aprende.
Então cultura está relacionada com o passado. Com o que foi
vivenciado no passado e que deve ser transmitido para que continue e ajude o
grupo a se perpetuar no mundo. Cultura está relacionada com lembranças, com a
memória e define a identidade do grupo.
Entendemos que lembrar é pensar o acontecido como se fosse o acontecido. Contar o
lembrado é ordenar o acontecido conforme pensado. Lembrar não é
o acontecido. É o pensar sobre o acontecido que lhe é dado lembrar. Muitas
vezes o que se lembra é distorção do que foi. Do que
aconteceu. Fragmento do que foi. Então, a narração do lembrado é como um
sonho completado. Pode ser uma ficção que se pensa real. No entanto, é
sempre bom lembrar para não esquecer. Mesmo que a lembrança seja reconstrução
ou mesmo recriação. Lembrar sempre é a construção do ser humano.
A Cultura de um grupo está em gestos e ações dos seres
humanos. É um fazer portador de sentidos. E os produtos culturais são conseqüências
deste fazer, deste agir. A importância cultural é dada pelos atores deste
fazer.
Minha identidade é a soma do que lembro individualmente e em conjunto. Minha
memória se faz com o meu passado e conseqüentemente molda a minha identidade. Todos
nós temos lembranças.e só lembramos o que passou.
O ser humano precisa aprender sempre para lembrar. Deve
ensinar e transmitir para que outros possam lembrar e futuramente transmitir.
Mas a memória do Homem é frágil e mutável. Constantemente é
construída no presente. Nem tudo o ser humano lembra e para isso é importante
repetir e transmitir e também atribuir lembranças às coisas e lugares. Para
isso é necessário qualificar as coisas e os lugares para que esses “falem” e
sejam suportes da memória do indivíduo e do grupo.
Lembrar pode ser a diferença entre sobreviver ou perecer.
Para não esquecer eu guardo o que pode me fazer lembrar. Posso escrever, posso documentar e posso incorporar valores e lembranças às coisas para que elas me façam lembrar.
Para não esquecer eu guardo o que pode me fazer lembrar. Posso escrever, posso documentar e posso incorporar valores e lembranças às coisas para que elas me façam lembrar.
O que sou está no passado, no presente e nos espaços que me
rodeiam. Sou influenciado pelos lugares e pelos outros seres humanos. O que sou
eu aprendi e construí com os meus e guardo em minha memória.
Todo ser humano é em um lugar. E nesse lugar deixa sua
marca e sua essência, moldada e influenciada pelo lugar. O ser humano está no
lugar. O lugar faz o ser. O ser também faz o lugar.
Então, a permanência de um grupo depende da sua cultura,
que depende do lugar. Depende da memória de grupo e dos suportes da memória: os
lugares que falam.
Essa produção cultural de um grupo é uma herança
compartilhada. Podemos herdar os bens culturais, mas não herdamos a sua
compreensão. Para compreender é preciso aprender, conhecer, vivenciar,
apreciar. Aquilo que eu compreendo e conheço, eu respeito.
Onde tem gente tem cultura transplantada, recriada,
reconstruída, adaptada, inovada e novamente criada. Onde tem cultura tem bens
culturais: materiais e imateriais produzidos pelo ser humano para viver e
sobreviver no mundo que o cerca. Todo lugar de ser humano... De muitos Homens
produz cultura.
Cada ser humano carrega em si o seu mundo e sua cultura e é
direta e indiretamente transmissor, reprodutor, inovador e criador de cultura.
O que o ser humano é, está no passado, no presente e nos
espaços que o rodeiam. O ser humano é influenciado pelos lugares e pelos outros
seres humanos. O que é aprendeu e construiu com os outros e guarda em sua
memória e em suportes.
É por isso que o ser humano guarda coisas. As coisas falam.
Fazem com que se lembre do que aconteceu no passado e que precisa para
continuar.
Algumas coisas, esses “bens”, falam somente para um
indivíduo ou para a sua família. Falam de coisas que vivenciou e de coisas e
seres que quer lembrar. Há outros bens que falam para o grupo/comunidade/nação
e transmitem o conhecimento que necessitam para que possam sobreviver com
dignidade e autoestima.
Esses são os “bens culturais”, produtos do processo
cultural de um grupo e que são importantes não por serem históricos, artísticos
ou arquitetonicamente únicos, mas por que são essencialmente suportes da
memória do ser humano
.
O valor de um bem cultural está nessa capacidade de “falar”
ao grupo tanto coletivamente como individualmente. Está impregnado de
lembranças e dá sentido ao grupo e o diferencia de um outro. Esse bem só terá
sentido para um grupo se for um suporte vivo de lembranças. Esse bem precisa
estar vivo no cotidiano do grupo para realmente falar a esse grupo.
Preservar os bens culturais materiais e ou imateriais de
grupo é manter a identidade deste, garantindo a sua continuidade. Mas isso só
será possível se esse grupo continuar a “ouvir as vozes” dos bens culturais.
Ninguém nasce sabendo cultura e sempre será necessário
ensinar o respeito às coisas que falam para podermos ouvir. É preciso romper a
miopia cultural e aprende a escutar o que os lugares e os suportes da memória
têm a dizer.
Só respeito o que conheço. Só preservo o que significa
algo. Só protejo o que é caro à minha memória e sobrevivência.
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