AS ESCOLHAS
Tudo na existência se resume a escolhas.
Não seria diferente com relação às memórias.
Há um processo de seleção consciente e inconsciente do
que queremos lembrar, empurrando para pontos remotos da nossa mente aquilo que
se convencionou denominar como péssima lembrança ou lembrança prejudicial ao
nosso processo de desenvolvimento.
Isso acontece também com a memória coletiva.
Nesse caso, grupos dominantes definem o que consideram
nocivo aos seus interesses econômicos, ou intelectuais e políticos e selecionam
as memórias que lhe são favoráveis e os objetos de lembrar que não lhes
causarão prejuízos ou ameaçarão o seu status quo.
No caso das memórias coletivas, isso se deu logo quando
surgiu a ideia de se proteger o patrimônio - inicialmente denominado “
histórico” - a partir do século XIX.
No Brasil não foi diferente. Os intelectuais Modernistas
elegeram como expoente do Patrimônio Cultural nacional, os acervos
arquitetônicos e artísticos coloniais, tendo como vedete principal as cidades
de origem colonial surgidas em Minas Gerais e que se mantinham em franco
processo de estagnação física e econômica.
Partindo desta premissa. Desta arrogante imposição
elitista de se preservar recortando os objetos de lembrar que consideravam
dignos de continuarem a cumprir esse papel para a coletividade, descartaram os
estilos que não se harmonizavam com o predominante acervo colonial do século
XVIII e XIX destas cidades, chegando ao ponto de destruírem fachadas ecléticas
ou art déco, para deixarem tudo harmoniosamente “velhinho em folha”.
Essa mesma postura será adotada em níveis estaduais, na
preservação dos conjuntos e de bens isolados, dando destaque às igrejas
coloniais, sobrados e casarões das elites locais.
Décadas depois, superada em parte essa tendência, ainda
hoje as instituições voltadas para a preservação, continuam a eleger
autoritariamente o que é bom e o que deve permanecer e cumprir “mal e
porcamente” o papel de lembrar à uma comunidade.
Depois de décadas de ações revisionistas surgiram agentes
culturais sensibilizados e visionários que perceberam o distanciamento entre os
institutos de preservação e as comunidades e o mal que causavam à memória
nacional.
A Educação Patrimonial surgiu como a grande salvadora.
A vacina contra o autoritarismo elitista vigente.
Mas até essa nova postura de atuação foi cooptada ou
controlada e muitas vezes exilada a alguns recantos, tornando-se mais uma
exótica postura empregada de forma descontínua e inconsistente.
Os órgãos estaduais acompanharam a tendência do órgão
federal de forma ainda mais precária, com projetos de curta duração ou
descontínuos.
A maioria continua atuando sem muito envolvimento das
comunidades, impondo suas visões às comunidades apáticas.
Há luz no fim do túnel: Em nível municipal - pelo menos
em Minas Gerais – os projetos e programas de educação patrimonial ocorrem com
certa regularidade desde 2005, devido ao ainda inédito Programa ICMS Patrimônio
Cultural criado pelo Estado em 1995.
Esse programa, vinculado à lei de redistribuição do
Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – descentralizou a
proteção do patrimônio cultural em Minas Gerais, onde praticamente 90% dos 853 municípios
possuem legislação e conselhos municipais voltados para o reconhecimento, proteção,
preservação e salvaguarda dos bens culturais,
Não vamos negar que a doença elitista e autoritária dos
órgãos estaduais e do órgão federal tenha contaminado também essas instituições
municipais.
No entanto, nos altos e baixos dos trinta anos do programa
de descentralização, ele ainda é um baluarte e uma brisa positiva soprando
nesse universo incerto da proteção do patrimônio cultural.
(Carlos Henrique Rangel).
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