PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

BARCOS A VAPOR NO RIO DAS VELHAS E SÃO FRANCISCO

BARCOS A VAPOR NO RIO DAS VELHAS E SÃO FRANCISCO
Autor: Carlos Henrique Rangel




Em 1832, o Governo Regencial por meio de decreto, autorizou a navegação dos rios Doce e Jequitinhonha com a intensão de promover a organização de companhias navais nacionais ou estrangeiras.[1]
Em 26 de agosto de 1833, o Decreto n.º 34, sancionou e mandou que se executasse a resolução da Assembleia Geral que concedia ao inglês Guilherme Kopke, o privilégio exclusivo da navegação no rio das Velhas por um período de dez anos.[2] Em 14 de novembro do ano seguinte – 1834 – outro decreto confirmou o monopólio em favor de Kopke.[3] 

Trafegavam no rio São Francisco - em 1847 - 54 barcas.[4] Em 1870 – calculavam-se entre duzentas e cinquenta a trezentas embarcações percorrendo o rio São Francisco.

Importante destacar a utilização de vapores para dinamizar o transporte de passageiros e produtos da região sanfranciscana para o litoral. Dom Pedro II, que se interessava pela viabilização do transporte fluvial na região, encarregou ao engenheiro Henrique Guilherme Halfeld, estudos objetivando a sua navegação por vapores até o oceano Atlântico.




O vapor “Saldanha Marinho”, construído em 1867, na cidade francesa de Bordeaux[6] foi arrendado pela Cia Cedro Cachoeira. Em 1869, o engenheiro Henrique Dumont – pai de Santos Dumont – comandou uma viagem do vapor Saldanha Marinho de Sabará à fazenda Jaguara. Em 28 de setembro de 1870, o vapor Saldanha Marinho recebia instruções para se deslocar do porto do Jaguara pelo rio das Velhas ao São Francisco.  Essa primeira viagem do vapor ao rio São Francisco iniciou-se em 10 de janeiro de 1871, alcançando Guaicuí em 3 de fevereiro daquele ano.[7]

A Companhia Cedro Cachoeira dinamizou o comércio com a Bahia via São Francisco utilizando o vapor “Saldanha Marinho” para o transporte de tecidos e compra de algodão. Esse barco transportava algodão de Juazeiro para Guaicuí e levava para a Bahia os tecidos fabricados. Atualmente o Saldanha Marinho encontra-se em Juazeiro – Bahia - estacionado em uma praça da cidade:

Para abastecer-se convenientemente, a Companhia decidiu intensificar o serviço de compra de algodão no Nordeste. (...) o vapor “Saldanha Marinho” esteve à frente da Companhia para levar tecidos e trazer algodão, viajando até Juazeiro. Esse famoso vapor, de muita pequena tonelagem, mas o pioneiro da navegação da bacia do S. Francisco, nos períodos de águas altas viajava de Sabará até Guaicuí e daí, durante todo o ano, até Juazeiro, terminal norte da navegação do S. Francisco. (MASCARENHAS, sd. p. 159).


Ainda em fins do século XIX, o Estado de Minas Gerais criou a Companhia Viação Central do Brasil – mais tarde Empresa Banco Viação do Brasil – com o intuito de promover o transporte fluvial da bacia do rio São Francisco.

Em setembro de 1892, o Banco Viação do Brasil contava no rio das Velhas e no São Francisco, com quatro embarcações de aço movidas a vapor, dois navios de madeira e o vapor Saldanha Marinho adquirido por volta de 1890.[8]

Em 22 de setembro de 1905, essa empresa foi transferida para o Estado da Bahia recebendo a denominação de Empresa Viação do São Francisco. Essa nova empresa durante décadas se responsabilizou pela navegação no rio entre as cidades de Juazeiro, Pirapora e afluentes, sendo proprietária dos vapores: Antônio Olinto, Amaro Cavalcanti, Barão de Cotegipe, Cordeiro de Miranda[9], Costa Pereira (ex-Pirapora), Delsuc Moscoso, Djalma Dutra (ex- Prudente de Morais), Juracy Magalhães, Matta Machado[10], Saldanha Marinho, Siqueira Campos (ex- Carinhanha); dentre outros.[11]

O vapor Benjamim Guimarães foi construído em 1913, pelo estaleiro norte-americano James Rees & Sons e navegou alguns anos no rio Amazonas sendo transferido para o rio São Francisco a partir de 1920.[12] Atualmente transporta turistas pelo rio, sendo o único em funcionamento.[13]

A região do São Francisco entra o século XX com fortes relações comerciais com a Bahia, reforçadas pela instalação ainda no século passado, da navegação a vapor. Já em 1909, onze vapores baianos navegavam as águas do grande rio transportando mercadorias para Juazeiro.

Este comércio com a Bahia, no entanto, foi reduzido nas décadas seguintes, principalmente por causa da instalação da Estrada de Ferro Central do Brasil, que possibilitou a aproximação com centros como Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

A Companhia Indústria e Viação de Pirapora - CIVP - responsável pela implantação de um parque industrial na cidade de Pirapora surgiu em 1917. Em 31 de agosto de 1918, essa empresa firmou contrato com o Governo Federal objetivando o transporte fluvial no rio São Francisco, recebendo para esse fim, o vapor Wenceslau Braz.[14] Sediada no Rio de Janeiro, tendo instalações em Pirapora, a CIVP exercia atividades industriais e comerciais na região com uma frota admirável, composta dos vapores: Bahia, Benjamim Guimarães, Coronel Ramos, Francisco Bispo, Iguassu, Júlio Vito, Otávio Carneiro, Santa Clara, São Francisco, São Salvador, Sertaneja e o já citado Wenceslau Braz.[15]

Em 1925, o governo do Estado de Minas Gerais criou a empresa Navegação Mineira do Rio São Francisco ligada à Secretaria de Viação e Obras Públicas. Sua frota foi composta pelos vapores: Wenceslau Braz, Affonso Arinos[16], Antônio Nascimento, Baependi, Curvello, Engenheiro Halfeld, Fernão Dias, Governador Valadares, (ex-Pires do Rio), Mauá, Paracatu[17] e Raul Soares (ex- Melo Viana).[18] A iniciativa do Governo Estadual reconhecia a importância do transporte fluvial do rio São Francisco e visava implementá-la.

Em 1963, foi constituída a FRANAVE – Companhia de Navegação do São Francisco – que encampou os barcos que percorriam o rio São Francisco entre o século XIX e meados do século XX e que ao longo dos anos pertenceram a várias companhias de navegação.[19]

A FRANAVE atuou no rio São Francisco e em alguns afluentes transportando cargas e passageiros. Seu acervo se constituía de chatas, pequenas embarcações e muitos dos já citados vapores: Benjamim Guimarães, São Francisco, São Salvador, Otavio Carneiro, Sertanejo, Iguassu, Coronel Ramos, Bahia, Comendador Peixoto, Francisco Bispo, Engenheiro Halfeld[20], Wenceslau Braz, Fernandes da Cunha, Barão de Cotegipe, Djalma Dutra, Delsuc Moscoso, Siqueira Campos, Cordeiro de Miranda e Jasen Melo.  No final dos anos 1960, a Companhia de Navegação do São Francisco possuía vinte e uma (21) chatas fazendo o trajeto de Pirapora a Juazeiro.[21]

No início do século XXI a FRANAVE possuía em Joazeiro, um estaleiro para construção de navios e manutenção da frota composta de 8 empurradores de 540 HP e 62 chatas.[22]

Em 22 de janeiro de 2007, a FRANAVE foi extinta pelo Decreto Federal n.º 6.020.[23]

Ainda antes da extinção da FRANAVE, sobre o pretexto de se modernizar a navegação do rio São Francisco, toda a frota de vapores foi desativada. Em 23 de setembro de 1984, o Jornal do Brasil relatou um dos últimos episódios da saga dos vapores: “A paralisação total dos velhos vapores naquela região aconteceu com o incêndio do “gaiola” São Francisco, no porto de Pirapora, e selou a vontade antiga da Franave de pôr fim ao transporte de passageiros.”[24]

O fim da Franave teve como consequência o fim da movimentação de cargas do Porto de Pirapora.[25]

A navegação no rio São Francisco é atualmente realizada pela empresa Icofort[26], possuidora de dois comboios de empurradores e chatas, que levam algodão para os municípios baianos de Ibotirama e Juazeiro.[27] Após a construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Três Marias em 1961 e da barragem da Usina Hidrelétrica de Sobradinho (BA) em 1978, a navegação dos vapores foi bastante prejudicada. Outros problemas também afetam o Rio São Francisco e paralelamente a sua navegação: a falta de esgotos residenciais e industriais tratados e o assoreamento.






[1] O rio Jequitinhonha é navegável em alguns trechos por canoas e pequenos barcos a vela. (CRAVO. Telio Anísio. GODOY, Marcelo Magalhães.  Por Estradas e Caminhos no Interior do Brasil Oitocentista: Viajantes e o Desenvolvimento da Infraestrutura de Transportes de Minas Gerais. – CEDEPLAR/FACE/UFMG, S.d., p.5).
[2] A Bacia Hidrográfica do rio das Velhas é atualmente composta por 51 municípios com uma população quase que totalmente urbana.
[3] Guilherme  ou William kopke construiu em Sabará, um barco a vapor e máquina, entre os anos 1833-1834.  (MATTA MACHADO. Dezembro de 2011, p.113).
[4]o viajante inglês -Richard Burton - informava em 1867, a existência de uma barca de 15 metros de comprimento por 5 de largura. Menciona a barca denominada “Nossa Senhora da Conceição da Prata” construída em Januária, que que tinha 27 metros de comprimento e 2 de largura. (BURTON, 1977, p. 171).
[6] Bordeaux ou Bordéus fica no departamento da Gironda - da região Aquitânia-Limusino-Poitou-Charentes, no sudoeste de França. 
[7] DINIZ, 2009, p. 115
[8] Inicialmente o vapor se chamava Conselheiro Saldanha. (MATTA MACHADO, 2002, p.103).  Seu nome é uma homenagem ao conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, que foi presidente da província de Minas Gerais. Saldanha Marinho faleceu em 1895.  (DINIZ, 2009, p. 121).  O Saldanha Marinho foi o primeiro vapor adquirido pela Companhia Viação Central do Brasil. (Relatorio Apresentado á Assembléa Legislativa da Provincia de Minas Geraes na sessão extraordinaria de 2 de março de 1871 pelo Presidente, o Illm. e Exm. Sr. Doutor Antonio Luiz Affonso de Carvalho. Ouro Preto, Typ. de J.F. de Paula Castro, 1871, P.75). Em abril de 1890, o vapor já fazia o percurso rio das Velhas e São Francisco. (MATTA MACHADO, 2011, p. 117). Em 1943, o Saldanha Marinho apresentava problemas estruturais e não navega mais no São Francisco. Em 1971, é transferido para uma praça em Joazeiro. Passou por reformas na década de 1990. Em 2000, passou a servir de restaurante e pizzaria.
[9] O vapor Cordeiro de Miranda afundou em fevereiro de 1943. (Jornal Gazeta, Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1943).
[10] O vapor Mata Machado – de fabricação inglesa – foi transportado de Salvador até a cidade de Alagoinhas, por trem. De Alagoinhas foi levado a Juazeiro em carro de bois numa viagem que durou cinco anos. (Revista o Cruzeiro, 1 de dezembro de 1971, p. 87).
[11] 45 vapores navegaram no Médio e Submédio São Francisco. (DINIZ, 2009, p. 119).
[12] (MATA-MACHADO, 1991, p.74, 127, 132).
[13] O Vapor Benjamim Guimarães foi tombado pelo IEPHA/MG – Decreto Estadual nº 24840, de 1º de agosto de 1985. Publicado no dia 02 de agosto de 1985 no diário oficial do executivo e legislativo e publicações de terceiros - Minas Gerais - página 1, col 1. livros do tombo I.
Com capacidade para transportar até 140 pessoas, entre tripulantes e passageiros, o vapor Benjamim Guimarães navega a chamada área 01: rio, lago e correnteza que não tenham ondas ou ventos fortes. Como características construtivas, o vapor é uma embarcação fluvial de popa quadrada, com máquina a vapor de 60 cv de potência alimentada por lenha, e com uma capacidade máxima de estocagem de 28 toneladas de combustível.
[14] Em 1925, esse vapor foi entregue ao governo do Estado de Minas.
[15] DINIZ, 2009, P. 116.
[16] O Vapor Affonso Arinos naufragou em fevereiro de 1947. (Jornal de Notícias, 7 de fevereiro de 1947, p.3).
[17] o vapor Paracatu foi lançado em serviço no rio São Francisco em 1896. (Jornal do Brasil, 17 de julho de 1960, p.8).
[18]A empresa Navegação e Comércio do São Francisco S.A., iniciou suas atividades em Pirapora em 1937, comandada pelo empresário Júlio Mourão Guimarães sendo extinta em 1943. (Diniz, 2009, p.116).
[19] Destacando-se dentre elas: a Companhia Viação Central do Brasil (mais tarde Banco Viação Brasil), a Empresa Viação Brasil; a Viação Baiana do São Francisco; a Empresa de Navegação e Comércio do São Francisco; a Empresa Fluvial Ltda.; a Companhia Indústria e Viação Pirapora e a Navegação do rio são Francisco. (DINIZ, 2009, p.113,114). A FRANAVE foi instalada em Pirapora em 1965. (SILVA, 2000, p.221).
[20] em seus melhores anos era considerado o mais luxuoso do Rio São Francisco. Em 1953 encontrava-se encalhado e abandonado. (Alterosa, 15 de março de 1953, p.32).
[21] Revista O Cruzeiro, 6 de abril de 1968, p. 102.
[22] CAMELO FILHO, 2005, p. 85.
[23] Há registros de 45 vapores que navegaram no rio São Francisco de 1871 aos dias de hoje. (DINIZ, 2009,P.119).
[24] DHOMÉ, Alain.  NAS Águas do Velho Chico. Belo Horizonte: Edição do Autor, 2014, p.52.
[25] Segundo Souza, não existe movimentação no porto de Pirapora desde 2000. (SOUZA, Antônio Carlos da Silva. Pirapora, uma cidade média no Norte de Minas Gerais. Belo Horizonte: PUC, Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2008, p. 84).
[26] A Icofort,- Indústria e Comércio de Rações Ltda. foi fundada pela família Barreto na cidade de Fortaleza - Ceará – no ano de 1989.
[27]dados de 2008.  (SOUZa, 2008, p. 83).

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A DOCUMENTAÇÃO COMO FERRAMENTA DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA

CADERNOS TÉCNICOS DO iphan

Vol. 7 - A Documentação como Ferramenta de Preservação da Memória: Cadastro, Fotografia, Fotogrametria e Arqueologia

Autor: Mário Mendonça de OliveiraEdição: 2008Páginas: 144